Steneck participou do primeiro Encontro Brasileiro em Integridade em Pesquisa, Ciência e Ética em Publicação (Brispe, na sigla em inglês, utilizada pelos organizadores), realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nas primeiras semanas de dezembro.
Dizendo-se impressionado com o crescimento dos investimentos e resultados da pesquisa brasileira e ainda lembrando da divulgação por grandes revistas, como a Science, desse aumento, o norte-americano afirmou que é hora de prestar atenção na qualidade e nos procedimentos que cercam a produção da ciência no país.
"O Brasil já é uma potência, mas o que está fazendo pela integridade dela?", questionou, citando os princípios da Declaração de Singapura.
O documento é resultado da II Conferência Mundial sobre Integridade na Pesquisa, realizada no país asiático em setembro de 2010, e traz recomendações sobre como proceder durante uma pesquisa.
"Nossa visibilidade é cada vez maior, por isso é preciso ressaltar a integridade das pesquisas", reforçou Sônia Vasconcelos, pesquisadora do Instituto de Bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das organizadoras do evento, que se estendeu por cinco dias.
De acordo com Steneck, a quantidade de maus cientistas é pequena, mas há uma grande zona cinza entre bons e maus. "Da mesma forma que poucos fraudam, poucos são 100% corretos", garantiu.
Isso porque muitos pesquisadores ignoram procedimentos simples de checagem em seus trabalhos. Lembrando que a verificação de problemas muitas vezes é complicada, dada a impossibilidade de refazer todos os estudos apresentados para revistas e livros, Steneck afirma que, nos EUA, de 20 a 40% dos pesquisadores não seguem boas práticas. Os dados são de artigo publicado por Sanaa Al-Marzouki, Ian Roberts, Tom Marshall e Stephen Evans, todos do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da London School of Hygiene & Tropical Medicine, na revista Contemporary Clinical Trials.
Entre as principais más práticas apontadas pelo estudo estão a ausência de gravação de resultados (o que impossibilita a conferência, em caso de dúvida) e assinaturas indevidas, como a inserção de nomes de pessoas que não participaram das experiências - 50% das revistas publicadas nos EUA já reportaram ter detectado esse tipo de problema. Algumas, inclusive, adotam medidas de checagem de autoria.
Outras práticas bastante presentes em artigos acadêmicos nos EUA são a seleção de dados para inserir em resumos e a sobrevalorização de resultados. Segundo o artigo liderado por Al-Marzouki, 76% dos pesquisadores admitem escolher informações de maior impacto para o resumo, deixando de lado elementos que relativizam o impacto do estudo. E 83% dizem sobrevalorizar dados a fim de ganhar espaço em publicações de alto impacto.
Há ainda relatos, não quantificados, de atrasos de entrega de pareceres a fim de utilizar os resultados do artigo em análise em pesquisas próprias, a concessão de relatórios enviesados por interesses acadêmicos e profissionais e conflito de interesses não reportados.
Nas revistas, o assunto está em alta. "Não sei dizer se o número de fraudes está aumentando, mas temos hoje mais instrumentos para detectá-las. De qualquer maneira, há problemas o bastante para nos preocuparmos", diz Elizabeth Wager, chefe do Comitê de Ética em Publicações (Cope, na sigla em inglês), que também participou do evento no Rio de Janeiro. O Cope pesquisa e analisa casos de má conduta científica em revistas acadêmicas de nível internacional.
Estudo feito por Wager e publicado na revista The Lancet em 2009, mostra que os principais motivos de recusa de publicação estão ligados a más práticas de pesquisa. Segundo o artigo, intitulado "Why and how do journals retract articles?", 5% das recusas se devem a fabricação de dados, 4% a falsificação de informações, 16% a plágio e 17% a publicações redundantes. Já 28% das submissões possuíam erros honestos e por isso não foram publicadas, enquanto outras 11% possuíam dados não replicáveis. Houve ainda registros de 5% de disputas de autorias. Outros 9% se devem a razões não reveladas. Foram pesquisadas revistas da base PubMed, que reúne publicações da área médica.
Segundo a pesquisadora, o grande problema está na capacidade de detecção. Apesar de hoje em dia haver muitas tecnologias como softwares que cruzam dados e detectam manipulações de imagens, os editores ainda flagram poucos casos, e somente 2% dos autores admitem algum tipo de má conduta.
Para o professor da Universidade de Saint John, nos EUA, Miguel Roig, também presente ao evento, a falsificação de dados é também um desrespeito com o leitor da publicação e, por consequência, com os pares científicos. "É uma questão de honestidade com o leitor", lembra.
Wager e Steneck concordam quanto às soluções para o problema da ética em pesquisa. E elas são complexas, garantem. Ambos dizem ser necessário conceder mais treinamento para editores serem capazes de detectar problemas, porém recordam a necessidade de tornar as regras de publicação mais claras e punir os malfeitores.
A inglesa lembra que a organização que chefia possui fóruns de denúncia anônima e disponibiliza manuais e treinamentos a editores e cientistas, pois muitos afirmam desconhecer técnicas de fraude ou parâmetros internacionais de publicação.
Steneck, no entanto, vai além. "È preciso ainda criar um 'clima' mais apropriado. Há muita falsificação pois também existe muita pressão por publicação. Precisamos de demandas realistas, prêmios mais justos e, claro, ética por parte dos cientistas", diz Steneck, para quem os orientadores possuem papel fundamental nesse processo.
Segundo ele, o maior treinamento de um pesquisador vem de quem revisa seu trabalho e o orienta. "Noções de ética e justiça devem ser enfatizadas desde a graduação", argumenta.
(Marcelo Medeiros, do Jornal da Ciência)
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