quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Total de alunos cai na rede pública e cresce na particular

Em instituições particulares número de matrículas cresceu 250 mil de 2009 para 2010 e bateu recorde da série histórica

Pelo segundo ano consecutivo, o Censo Escolar mostrou uma queda no total de alunos matriculados na Educação Básica. De 52,6 milhões em 2009, o Brasil passou para 51,5 milhões em 2010. No sentido oposto, o sistema privado recebe número cada vez maior de matrículas.

Considerando apenas a rede pública, a queda foi de 2,8% com 1,3 milhões a menos de estudantes. A rede particular, pelo contrário, teve um incremento de 3,4% ou 251 mil alunos a mais neste ano do no anterior.

Na série histórica de 9 anos de Censo Escolar, a diferença é maior. A rede pública recebe 10,3% menos alunos desde 2002 em uma queda quase contínua. Enquanto isso, a particular, apesar dos altos e baixos que teve neste período, cresceu 5,2% e bate o recorde de matriculados.

O exemplo de Maria Cecília de Souza Simplício, de 12 anos, ajuda a entender os motivos. Depois de estudar até o 6º ano na escola pública do bairro de Caieiras, na Grande São Paulo, ela foi transferida para uma instituição particular em 2010. "Não queria ir porque todos os meus amigos estudavam aqui perto de casa, mas se é melhor para mim, tenho que aceitar", diz.

A mãe dela, a dona-de-casa, Maria Neuza de Souza, de 50 anos, conta que dois motivos a levaram a tomar a decisão: a diferença de qualidade e a possibilidade de poder pagar. "A gente mexeu no orçamento para ter reserva para ela ter boas chances na vida", diz. "Na escola pública, ninguém mais tem autoridade, os alunos podem fazer o que quiser sem punição e fica difícil para quem quer aprender."

Ela paga R$ 400 na mensalidade e tem outros gastos adicionais com perua escolar, livros e materiais que recebia de graça. "Fácil não é, mas quando a gente pode quer dar o melhor para os filhos."

Participação maior

Com os novo números, a participação da rede privada de ensino chega a 14,7% em 2010 contra 13,9% em 2009. O sistema que lucra com um bem que deveria ser garantido pelo estado tem participação maior em creches, 34,4%.

Entre as redes públicas, tiveram redução de alunos os sistemas estadual e municipal. O federal teve aumento, mas ainda representa apenas 0,5% do total.

(Cinthia Rodrigues)

(IG, 30/12)

Cenário de crise no ensino de graduação, artigo de Wanderley Messias da Costa

"É imprescindível mudar os meios e métodos de tradicionais de produzir e difundir conhecimento"

Wanderley Messias da Costa é professor titular do departamento de geografia da USP e um dos idealizadores do centro de biotecnologia da Amazônia. Artigo publicado em "O Estado de SP":

O país tem hoje pouco mais de 5 milhões de estudantes de graduação, com 75% deles em instituições privadas e 25% nas públicas. Desde o início dos anos 1990 quase triplicamos a oferta de vagas e 25% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior. A par do bem-sucedido esforço nos últimos dez anos para a expansão de vagas nas universidades federais e estaduais, o aumento da demanda nessa área tem sido atendido pelo setor privado, cujo forte ritmo de crescimento só agora dá sinais de esgotamento.

Essa é mais uma das nossas características de país emergente neste mundo globalizado e competitivo, em que governos têm optado pela abertura desse tradicional reduto do poder público ao setor privado como estratégia para atender com rapidez à crescente procura por ensino de terceiro grau.

Num aspecto, entretanto, expomos inusitada singularidade que nos qualifica como interessante case internacional para análise dos especialistas no tema. Por aqui essa expansão foi tão atabalhoada que em 2008 havia 1,5 milhão de vagas ociosas no ensino superior nacional, a quase totalidade delas em instituições privadas. Dispomos de poucos estudos sobre as causas dessa anomalia, mas há sinais a observar, a exemplo da acentuada e recente queda no número de egressos do ensino médio, que reduz a massa de clientes nesse alargado mercado - e sabemos que essa é tendência que não será revertida no curto prazo.

Além disso, é preciso considerar a evasão escolar universitária, terrível mazela nacional que assola tanto instituições e cursos medíocres quanto os de reconhecida excelência (taxa média acima de 40%), combinada à escandalosa duração dos cursos nas universidades públicas, prevista em geral para quatro anos, mas que em sua maioria chega a seis ou mais.

Para o âmbito específico das escolas privadas, devem-se acrescentar a frustração com a baixa (e em muitos casos baixíssima) qualidade do ensino oferecido e a impossibilidade para milhões de jovens de baixa renda de arcar com os altos custos das mensalidades. É por isso que as 500 mil bolsas de estudos concedidas pelo governo federal (ProUni) em 2009 e 2010 podem ser avaliadas pelo seu duplo papel, pois, além do inegável mérito enquanto política de inclusão social para estudantes carentes, elas funcionaram como alívio momentâneo para as dificuldades atuais do setor.

Esse diagnóstico geral, entretanto, não desvenda o núcleo duro da crise atual do ensino de graduação, que, diga-se de passagem, atinge em graus variados todos os países do mundo. Governos, universidades, empresas e amplos setores da sociedade estão engajados de algum modo em programas de reforma dos seus sistemas de educação e particularmente do ensino superior. O ponto de partida que nos põe na mesma frente de batalha é a convicção comum de que na era atual de acelerada transição econômica, cultural e tecnológica, que a todos impacta, é imprescindível que mudemos radicalmente os meios e métodos tradicionais que até aqui temos utilizado para produzir e difundir ciência e conhecimento em geral e, mais que isso, para ensinar e formar nossas crianças e nossos jovens.

O primeiro passo é reconhecermos que há uma brutal queda de qualidade no ensino superior que atinge a todos, indistintamente. Como comprovar isso? Não é difícil. Além da lastimável e imensa quantidade de jovens que, de livre iniciativa ou abatidos por dificuldades várias, desistem no início ou no meio do caminho, há outros sintomas visíveis dessa crise. São incontáveis os que se formam e não conseguem emprego, ou que trabalham sem exercer as suas profissões, ou os que, tendo obtido seus diplomas, descobrem que estes em nada contribuirão para sua ascensão profissional, ou, ainda, os que, mal tendo concluído sua graduação, correm à procura de cursos de especialização ou de pós-graduação no país ou no exterior como meio de superar as deficiências da sua formação.

Podemos também observar o que nos têm indicado as poucas, mas muito relevantes, avaliações de qualidade disponíveis, a exemplo dos exames anuais aplicados aos recém-formados dos cursos de Medicina e Direito, respectivamente pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os resultados finais são alarmantes. Eles apontam que foram aprovados 16% dos médicos e 12% dos advogados inscritos nesses exames. As últimas avaliações do Ministério da Educação (MEC) abrangendo cursos e instituições de ensino superior do país - que incluem o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) - revelam que, com poucas exceções, os piores desempenhos são os das universidades e faculdades privadas. Na maioria desses estabelecimentos de ensino persiste uma conjunção de fatores conhecidos que bloqueia o seu desempenho: baixa qualificação do corpo docente; precariedade do acervo bibliográfico, das instalações prediais, dos equipamentos e laboratórios; salas com elevado número de alunos, currículos obsoletos, excesso de aulas expositivas e sistemas deficientes de avaliação.

Ressalte-se, entretanto, que alguns dos ingredientes desse cenário de crise estão presentes em todo o sistema e podem ser encontrados até mesmo nas universidades de ponta do país. Como sabemos, estas se beneficiam da elevada qualificação acadêmica do corpo docente, combinada à excelência em pesquisa e pós-graduação, e por isso a presunção de muitos é que esse ambiente naturalmente assegurará a qualidade dos seus cursos de graduação. Infelizmente, porém, não é isso o que temos constatado e mudanças nesse terreno não ocorrem por capilaridade ou osmose, mas a partir da intervenção conjunta e em profundidade dos governos, dos dirigentes e do corpo docente.

(O Estado de SP, 30/12)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Google reforça aposta na área educacional

Empresa investirá US$ 5 bilhões no nicho

O Google está em negociações com companhias de software educacional para ajudar a criar um mercado para programas educacionais on-line, um negócio cujo valor pode chegar perto de US$ 5 bilhões neste ano.

Jogos educativos e ferramentas de aprendizagem para professores de companhias como a Grockite a Aviaryjá são oferecidos no Google Apps Marketplace, uma loja on-line aberta em março. O Google tenta atrair mais criadores de software educacional e está aumentando os esforços para gerar receita com esse projeto, dizem executivos da companhia.

As vendas de software para escolas e universidades americanas neste ano deve ultrapassar o total de US$ 4,6 bilhões alcançados em 2009, segundo a consultoria Parthenon Group. Isso pode representar uma nova fonte de crescimento para o Google, que obtém a maior parte de sua receita com os anúncios relacionados às buscas na internet. A companhia trabalha com escolas, fornecendo gratuitamente programas de processamento de texto, e-mail e planilha eletrônica a estudantes e professores.

"Se conseguirmos fornecer acesso a aplicativos educacionais a nossos 10 milhões de usuários em milhares de escolas, isso será uma vitória em todos os aspectos", diz Obadiah Greenberg, da área educacional no Google. A maioria dos fornecedores de software com produtos no Google Apps Marketplace fica com toda a receita gerada com as vendas no site. Nos próximos meses, o Google planeja começar a ficar com uma participação de 20% nas vendas.

O Google pode enfrentar em breve a concorrência da Apple na área educacional. A Apple, que já tem laços com os fornecedores de software, planeja abrir em 6 de janeiro uma versão de sua popular App Store para computadores Mac.

(Douglas MacMillan, da Bloomberg)

(Valor Econômico, 29/12)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Um novo ano e uma nova educação

Autor(es): Isaac Roitman
Correio Braziliense - 28/12/2010

Professor aposentado da Universidade de Brasília e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Um novo ano e um novo governo inspiram novos sonhos e expectativas. O maior dos sonhos, o de o Brasil se tornar um país justo e soberano. Podemos até ter uma conjuntura econômica favorável, construída nos últimos anos. No entanto, não teremos o país que almejamos se não tivermos educação de qualidade para todos os jovens, alicerce de uma democracia. Avaliações nacionais e internacionais revelam uma lamentável realidade, principalmente na educação básica.

Em julho, ainda candidata, Dilma Roussef participou de debate na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Após discursar, foi feita a ela a seguinte pergunta: “Se eleita, fará o possível e o impossível para que até 2014 o piso salarial do professor de ensino básico seja de R$ 4 mil?” Ela respondeu: “Não posso fazer promessas com números, pois, se não conseguir cumprir, estarei fazendo falsas promessas. No entanto, tentarei fazer o possível e o impossível para termos o piso proposto, que acho adequado”.

Faz parte da nossa tradição candidatos a qualquer cargo eletivo prometerem lutar pela melhoria da educação. No entanto, na grande maioria das vezes, a promessa é esquecida, aparentemente por uma súbita amnésia. Mas uma esperança se esboça no horizonte. Em recente pronunciamento, o ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, Fernando Hadadd, afirmou “que o salário do professor será prioridade no governo Dilma. O Plano Nacional de Educação prevê uma mesa de negociação permanente sobre o piso salarial” (atualmente de R$ 1.025). A intenção soa como música para as pessoas que acreditam que a valorização do professor é pré-requisito para a conquista de uma educação de qualidade. O piso de R$ 4 mil sugerido para 2014 deve ter ajustes na próxima década para que no ano 2022 os salários dos professores do ensino básico estejam na faixa superior dos servidores públicos.

Paralelamente à valorização, a formação dos professores deve ser revista e adequada aos avanços tecnológicos, ao mundo moderno e aos jovens de hoje. Uma nova carreira docente deve ser estruturada, baseada no desempenho e no mérito. Em novembro de 2009 foi lançado na Universidade de Brasília o Movimento SBPC: Pacto pela educação, que congregam, além do segmento acadêmico, entidades estudantis, sindicalistas, empresariais e organizações sociais. Esse movimento propõe ações em outras dimensões importantes, para que os jovens brasileiros possam ter educação digna, que lhes permitam compreender melhor o mundo em que vivem, e sejam preparados para exercer uma profissão digna, que respeite o anseio individual.

Entre essas dimensões estão elencadas uma atualização de conteúdo nos diferentes níveis da educação: primeira infância e ensino infantil, fundamental, médio, profissional e superior. Os métodos pedagógicos devem ser revistos com a utilização das tecnologias contemporâneas de informação e comunicação. É também de fundamental importância a arquitetura escolar, proporcionando ambiente adequado para o processo cognitivo. Em adição, uma gestão escolar eficiente e profissional deve ser perseguida. A integração da escola com a sociedade, principalmente com os pais, é também fundamental.

Esse é o desafio da presidente Dilma Rousseff e do ministro Fernando Hadadd. Confiamos nos dois, lembrando os pensamentos de Carlos Drummond de Andrade: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente”.

'Livro Azul' está disponível na internet

Documento com recomendações geradas pela 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) foi lançado na última quarta-feira, dia 22. Publicação começará a ser distribuída nesta segunda-feira (27/12)

Lançado oficialmente na semana passada, o "Livro Azul" começou a ser distribuído nesta segunda-feira, dia 27, durante a cerimônia de inauguração da sede do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT).

Uma versão eletrônica do "Livro Azul" pode ser baixada no site do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE): http://www.cgee.org.br/

Ética afeta benefícios da pesquisa, dizem estudiosos

"Os valores e benefícios de uma pesquisa são vitalmente dependentes da integridade dos estudos que a compõem". A afirmação foi feita por Nicholas Steneck, professor de História da Universidade de Michigan (EUA) e integrante do Escritório de Integridade de Pesquisa do governo norte-americano durante evento sobre ética e pesquisa no Brasil

Steneck participou do primeiro Encontro Brasileiro em Integridade em Pesquisa, Ciência e Ética em Publicação (Brispe, na sigla em inglês, utilizada pelos organizadores), realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nas primeiras semanas de dezembro.

Dizendo-se impressionado com o crescimento dos investimentos e resultados da pesquisa brasileira e ainda lembrando da divulgação por grandes revistas, como a Science, desse aumento, o norte-americano afirmou que é hora de prestar atenção na qualidade e nos procedimentos que cercam a produção da ciência no país.

"O Brasil já é uma potência, mas o que está fazendo pela integridade dela?", questionou, citando os princípios da Declaração de Singapura.

O documento é resultado da II Conferência Mundial sobre Integridade na Pesquisa, realizada no país asiático em setembro de 2010, e traz recomendações sobre como proceder durante uma pesquisa.

"Nossa visibilidade é cada vez maior, por isso é preciso ressaltar a integridade das pesquisas", reforçou Sônia Vasconcelos, pesquisadora do Instituto de Bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das organizadoras do evento, que se estendeu por cinco dias.

De acordo com Steneck, a quantidade de maus cientistas é pequena, mas há uma grande zona cinza entre bons e maus. "Da mesma forma que poucos fraudam, poucos são 100% corretos", garantiu.

Isso porque muitos pesquisadores ignoram procedimentos simples de checagem em seus trabalhos. Lembrando que a verificação de problemas muitas vezes é complicada, dada a impossibilidade de refazer todos os estudos apresentados para revistas e livros, Steneck afirma que, nos EUA, de 20 a 40% dos pesquisadores não seguem boas práticas. Os dados são de artigo publicado por Sanaa Al-Marzouki, Ian Roberts, Tom Marshall e Stephen Evans, todos do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da London School of Hygiene & Tropical Medicine, na revista Contemporary Clinical Trials.

Entre as principais más práticas apontadas pelo estudo estão a ausência de gravação de resultados (o que impossibilita a conferência, em caso de dúvida) e assinaturas indevidas, como a inserção de nomes de pessoas que não participaram das experiências - 50% das revistas publicadas nos EUA já reportaram ter detectado esse tipo de problema. Algumas, inclusive, adotam medidas de checagem de autoria.

Outras práticas bastante presentes em artigos acadêmicos nos EUA são a seleção de dados para inserir em resumos e a sobrevalorização de resultados. Segundo o artigo liderado por Al-Marzouki, 76% dos pesquisadores admitem escolher informações de maior impacto para o resumo, deixando de lado elementos que relativizam o impacto do estudo. E 83% dizem sobrevalorizar dados a fim de ganhar espaço em publicações de alto impacto.

Há ainda relatos, não quantificados, de atrasos de entrega de pareceres a fim de utilizar os resultados do artigo em análise em pesquisas próprias, a concessão de relatórios enviesados por interesses acadêmicos e profissionais e conflito de interesses não reportados.

Nas revistas, o assunto está em alta. "Não sei dizer se o número de fraudes está aumentando, mas temos hoje mais instrumentos para detectá-las. De qualquer maneira, há problemas o bastante para nos preocuparmos", diz Elizabeth Wager, chefe do Comitê de Ética em Publicações (Cope, na sigla em inglês), que também participou do evento no Rio de Janeiro. O Cope pesquisa e analisa casos de má conduta científica em revistas acadêmicas de nível internacional.

Estudo feito por Wager e publicado na revista The Lancet em 2009, mostra que os principais motivos de recusa de publicação estão ligados a más práticas de pesquisa. Segundo o artigo, intitulado "Why and how do journals retract articles?", 5% das recusas se devem a fabricação de dados, 4% a falsificação de informações, 16% a plágio e 17% a publicações redundantes. Já 28% das submissões possuíam erros honestos e por isso não foram publicadas, enquanto outras 11% possuíam dados não replicáveis. Houve ainda registros de 5% de disputas de autorias. Outros 9% se devem a razões não reveladas. Foram pesquisadas revistas da base PubMed, que reúne publicações da área médica.

Segundo a pesquisadora, o grande problema está na capacidade de detecção. Apesar de hoje em dia haver muitas tecnologias como softwares que cruzam dados e detectam manipulações de imagens, os editores ainda flagram poucos casos, e somente 2% dos autores admitem algum tipo de má conduta.

Para o professor da Universidade de Saint John, nos EUA, Miguel Roig, também presente ao evento, a falsificação de dados é também um desrespeito com o leitor da publicação e, por consequência, com os pares científicos. "É uma questão de honestidade com o leitor", lembra.

Wager e Steneck concordam quanto às soluções para o problema da ética em pesquisa. E elas são complexas, garantem. Ambos dizem ser necessário conceder mais treinamento para editores serem capazes de detectar problemas, porém recordam a necessidade de tornar as regras de publicação mais claras e punir os malfeitores.

A inglesa lembra que a organização que chefia possui fóruns de denúncia anônima e disponibiliza manuais e treinamentos a editores e cientistas, pois muitos afirmam desconhecer técnicas de fraude ou parâmetros internacionais de publicação.

Steneck, no entanto, vai além. "È preciso ainda criar um 'clima' mais apropriado. Há muita falsificação pois também existe muita pressão por publicação. Precisamos de demandas realistas, prêmios mais justos e, claro, ética por parte dos cientistas", diz Steneck, para quem os orientadores possuem papel fundamental nesse processo.

Segundo ele, o maior treinamento de um pesquisador vem de quem revisa seu trabalho e o orienta. "Noções de ética e justiça devem ser enfatizadas desde a graduação", argumenta.

(Marcelo Medeiros, do Jornal da Ciência)

Lula terceiriza meta de laptop em escola

Estados e municípios fornecerão aparelhos por meio de crédito do BNDES que corresponde a 25% do objetivo original

A meta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de garantir a todos os alunos da rede pública um computador no valor de US$ 100 não será cumprida e o que restou dela acabou "terceirizada" para os governos estaduais e prefeituras por um valor bem superior ao previsto.

Na segunda-feira (27/12), o governo anunciou a criação de uma linha de crédito concedida a Estados e municípios pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) com limite de compra correspondente a 25% do total de alunos da rede pública. Ou seja, apenas um quarto da meta original.

Em 2006, Lula assumiu o compromisso quanto ao projeto do UCA (Um Computador por Aluno) após ouvir de Nicholas Negroponte, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA), a proposta do laptop educacional de baixo custo.

Na época, fabricantes já afirmavam que o preço de US$ 100 era impossível de ser atingido nas condições pedidas pelo governo, como a garantia de três anos.

Dois anos depois, Lula acabou desistindo do projeto por considerar que ficaria caro demais instalar laboratórios de informática nas 55 mil escolas públicas do país.

Em 2008, o programa funcionou de forma experimental em Piraí (RJ) e em quatro capitais -São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Palmas.

Pela linha do BNDES, cada laptop custará R$ 344,18 (cerca de US$ 200) no Centro-Oeste, Norte e Sudeste -o valor engloba custos de entrega, garantia e instalação. Para Sul e Nordeste, será mais caro: R$ 376,94 (US$ 220).

Segundo as especificações do MEC (Ministério da Educação), o equipamento tem 4 gigabytes de armazenamento, 512 megabytes de memória, tela de cristal líquido de 7 polegadas e bateria com autonomia mínima de 3 horas.

(Simone Iglesias e Larissa Guimarães)

(Folha de SP, 28/12)

Desafios do governo Dilma: educação

Desigualdades regionais e falta de capacitação docente são obstáculos

Aos 70 anos, o produtor rural Milton Matias, de Guaribas (PI), resolveu voltar à sala de aula. "Tive dois meses de escola na infância e parei por falta de oportunidade", afirma.

Para o agricultor, a escola ficava muito longe de sua casa, na zona rural de Guaribas. "Hoje tenho saúde e para ir até o colégio não tenho dificuldade."

Oito anos após ser piloto do programa Fome Zero, bandeira social do governo Luiz Inácio Lula da Silva hoje substituída pelo Bolsa Família, Guaribas permanece símbolo de carências enfrentadas pelo país. Entre elas, os desafios na área de educação.

No início desta década, a cidade ostentava índice de analfabetismo de quase 60% - a média nacional no ano de 1900. Também era lanterna no ranking de anos de estudo: média de apenas 13 meses entre a população acima de 15 anos.

"Há dificuldade em segurar esse pessoal em sala de aula. Eles costumam falar que velho não aprende mais", afirma Valdir Maia, secretário de Educação de Guaribas. Segundo ele, o analfabetismo na cidade está hoje em torno de 20% - não há dados oficiais atualizados.

Apesar de avanços recentes, o Brasil ainda possui 9,7% de analfabetos entre a população maior de 15 anos: 14 milhões de pessoas. "Isso mostra que a alfabetização de jovens e adultos não está cumprindo seu papel. Era para esse índice ter caído mais rapidamente", opina Jorge Abrahão, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Estudo recente do Ipea apontou a desigualdade como um dos grandes gargalos do país em educação. Grandes diferenças no índice de alfabetização também persistem, por exemplo, entre a população urbana e rural (4,4% contra 22,8%), branca e negra (5,9% ante 13,4%), e das regiões Sudeste e Nordeste (5,5% contra 18,7%).

Um retrato dos problemas na qualidade da educação do país também apareceu em avaliação internacional divulgada neste mês. Embora tenha avançado nos últimos dez anos, o Brasil ficou em 53º lugar entre 65 países que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).

Coordenado pela OCDE (que reúne nações desenvolvidas), o programa avalia estudantes a cada três anos. Em leitura, 49% dos estudantes brasileiros apresentaram o nível mais baixo de aprendizado, índice que chegou a 69% em matemática e 54% em ciências. Na definição da revista inglesa "The Economist", ocorreram avanços, mas que levaram as escolas brasileiras apenas de "desastrosas" a "muito ruins".

A presidente eleita Dilma Rousseff (PT) prometeu erradicar o analfabetismo no país, por meio de ações como construção de 6.000 creches e pré-escolas, concessão de bolsa de estudos para coibir a evasão escolar e elevação para 7% do PIB dos investimentos públicos em educação, índice hoje em 4,7%.

Para o economista especializado em educação Gustavo Ioschpe, o debate sobre o tema na campanha eleitoral foi insuficiente. "Foi uma discussão sem importância, já que a literatura mostra que não há relação entre gasto como porcentagem do PIB e desempenho acadêmico. Educação não dá nem tira voto no Brasil, não está na ordem do dia", diz.

O avanço da educação no país, avalia Ioschpe, passa pela revisão do modelo do ensino médio, que critica por "anacrônico e desinteressante" em razão do excesso de disciplinas. "Os jovens saem do ensino médio porque sabem que vão gastar muito tempo sem ter melhor perspectiva de vida", afirma.

Dados compilados pelo sociólogo Simon Schwartzman, outro crítico do modelo do ensino médio no país, mostram que apenas 8% dos estudantes de nível médio no Brasil têm formação técnica, índice que chega a 61% na Austrália, 42% na China e 37% no Chile, por exemplo.

"O que predomina no Brasil é a obrigatoriedade de se fazer todo o programa pesado do ensino médio mais o profissional. Devemos criar alternativas reais e não forçar todo mundo a fazer tudo", afirma Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

Prioridades e avanços

E os desafios da educação não se resumem ao analfabetismo e ao modelo de ensino médio. O movimento Todos pela Educação propõe cinco metas para o setor no país: colocar toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola (percentual atual é de 92%), ter todo aluno com alfabetização plena até os oito anos, aprendizado adequado à sua série e ensino médio concluído até os 19 anos (hoje apenas metade concluiu), em um cenário de investimento público em educação de 5% ou mais do PIB por ano.

Para chegar lá, faltam planejamento e definição de prioridades. Levantamento da ONG Ação Educativa mostrou, por exemplo, que 16 estados brasileiros (AC, AP, BA, CE, ES, MA, MG, PR, PI, RN, RS, RO, RR, SC, SP e SE) e o Distrito Federal não têm plano estadual de educação, instrumento previsto em lei para direcionar políticas públicas no setor.

"Há problemas da creche à universidade, mas temos que ter foco. Outro cacoete brasileiro é querer fazer tudo para todo mundo", afirma o economista Ioschpe.

Ainda que em meio a dificuldades, o avanço da educação no país encontra bom exemplo no sertão baiano, em Muquém do São Francisco, município de 10 mil habitantes a 710 km de Salvador.

De 2000 a 2007, a cidade avançou 212% no quesito educação do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, o melhor desempenho do país. Resultado de medidas conjuntas entre município, estado e União, como investimento em transporte escolar (o município tem 3.600 quilômetros quadrados de área, com distritos distantes até 200 quilômetros da sede da cidade), formação continuada e remuneração docente e incentivo aos alunos - o concurso "aluno nota 10" deu 14 notebooks aos estudantes que foram destaque em 2010.

Isso tudo em um município em que a água encanada só chegou neste ano, abriga aldeias indígena e quilombola e até pouco tempo tinha distritos sem energia elétrica. "Diante de tantas dificuldades, temos tido sucesso", diz a coordenadora pedagógica Yara Coimbra.

Em geral, a educação brasileira avançou nos últimos 20 anos, como mostrou relatório recente do Todos pela Educação. Se em 1999, por exemplo, apenas 40,8% dos jovens de 16 anos haviam concluído o ensino fundamental, o índice saltou para 63,4% em 2009. Melhora também expressiva no ensino médio: percentual de jovens de 19 anos com ensino médio finalizado foi de 25,4% em 1999 para 50,2% em dez anos.

No ensino superior, aponta o Ipea, o percentual da população de 18 a 24 anos matriculada no ensino superior subiu de 4,6% a 14,4% de 1992 a 2009, índice ainda tímido, afirma o instituto, fruto de problemas que permanecem: evasão e baixa taxa de conclusão nos ensinos fundamental e médio.

O Ipea destaca efeitos positivos na política de ampliação do acesso à educação superior do governo do PT, decorrentes de ações como aumento de vagas em instituições federais de ensino e do financiamento estudantil e criação do ProUni (Programa Universidade para Todos), de concessão de bolsas em faculdades privadas.

O avanço, no entanto, não ocorre sem percalços, como demonstraram as falhas operacionais nas duas últimas edições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado em 1998 como avaliação dos estudantes e que hoje já substitui o vestibular em quase 100 mil vagas de federais.

Para Laércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, as melhoras na educação do país começaram mais atrás, na Constituição de 1988, que descentralizou a alocação de recursos no setor para municípios e fixou limites mínimos de gastos para as unidades da Federação.

O avanço se deveu ainda, afirma, à criação de fundos específicos para a educação (Fundef e Fundeb) e a programas de transferência de renda como o Bolsa Escola e Bolsa Familia, que ajudaram a levar os filhos de famílias mais pobres para a escola.

Mas os desafios seguem postos para a gestão Dilma Rousseff, como mostra Valdir Maia, gestor da educação em Guaribas (PI), cidade em que 83% dos 4.401 moradores recebem Bolsa Família. "Lula fez muita coisa, mas esperamos mais investimento", afirma.

E se depender da disposição do septuagenário morador Milton Matias, que retomou os estudos após mais de 50 anos, o futuro sugere avanços. "É importante a gente ter mais informação. Alguma coisa a gente tem que procurar."

(Thiago Guimarães)

(G1, 28/12)

sábado, 25 de dezembro de 2010

Conexão bem-vinda

Com articulação entre tecnologia e necessidades comunitárias, projeto de escola de Vila Pavão (ES) amplia envolvimento de alunos com atividades e auxilia aprendizagem e agricultura familiar
Edinaldo Andrade
Ao unir tecnologia e agricultura familiar, escola rural aumentou participação dos alunos e dos pais
O bom uso da informática e da internet, utilizadas como ferramentas a serviço da educação, está ajudando a promover transformações econômicas e, principalmente, sociais na vida das famílias dos estudantes do Centro Estadual Integrado de Educação Rural (Ceier), em Vila Pavão, noroeste do Espírito Santo. Com 78% dos 9 mil habitantes do município residindo na zona rural e praticamente sem acesso à internet, a iniciativa - simples, porém audaciosa - das professoras Andréa Cristiane Rodrigues e Edilene Cristina Rodrigues está contribuindo para o crescimento da agricultura familiar (base da economia local) e para um melhor desempenho escolar dos alunos.

O projeto Campo Sustentável teve início em março de 2009, a partir da observação das professoras de que era possível criar uma rede de troca de conhecimento sobre a agricultura de subsistência, em que os estudantes transmitissem as informações aos pais - em sua maioria agricultores. As ferramentas para isso seriam a informática e a web. "Queríamos envolver os pais no uso de novas tecnologias que pudessem auxiliar no desenvolvimento da agricultura familiar, a partir da internet. Mas percebemos, no entanto, que eles tinham um certo receio em valer-se dessas ferramentas, por achar que não saberiam utilizar o computador", conta Andréa.

Para quebrar esse tabu, a estratégia das professoras foi envolver os alunos não apenas para que eles transmitissem o conhecimento aos pais, mas também como forma de aproximar a família das novas tecnologias e da escola. Os resultados foram muito positivos: depois que passaram por oficinas multimídia e de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), na primeira etapa do projeto, cerca de 104 estudantes dos ensinos fundamental (8ª série) e médio passaram a atuar como "professores", oferecendo cursos de formação em informática aos pais.

Juntos, pais e filhos passaram a buscar e acompanhar as ferramentas disponíveis na rede que poderiam melhorar a vida no campo. "Como eram os alunos que ensinavam, os pais ficavam orgulhosos e aceitavam melhor essa aproximação, permitindo que o projeto atingisse seus objetivos", conta a professora Edilene. "Em nossa comunidade, poucos possuem computador e, em casa, nenhum possui internet, a não ser um ou dois alunos que moram na cidade", completa Andréa.

"No início, fiquei meio assustada, já que era uma coisa na qual eu nunca havia tocado. Mas isso foi superado com a surpresa e o orgulho de ver a minha filha me dando aula. Os pais que fazem parte deste projeto descobriram um mundo novo", diz Lucimar Campana Buthe, que trabalha na lavoura do café. Ela conta que além das pesquisas que faz para melhorar a produção no campo, como dicas de poda, adubação e irrigação, também utiliza a rede mundial de computadores para pesquisar receitas culinárias.

"Tem sido uma experiência muito importante, os pais têm muita vontade de aprender e, quando o ensino é de filho para pai, a liberdade de perguntar é bem maior, sem medo de errar", revela Delitália da Silva Felício, aluna do curso técnico de Agropecuária do Ceier. Para ela, o projeto também está incentivando os mais jovens a viver no campo, sem a necessidade de buscar a sorte nas grandes cidades.

As aulas do projeto Campo Sustentável são semanais, com cerca de duas horas de duração, e são realizadas em uma sala da escola equipada com 15 computadores (com conexão via satélite). Pais e alunos aprendem sobre uso e manejo do solo, da água, economia doméstica, zootecnia e agrofloresta - preservação de nascentes e mananciais. "As oficinas também abordam o uso dos recursos disponíveis na internet, como previsão climática, cotação de preços, modo de produção, plantio correto e até participação em programas de incentivo do governo, que auxiliam na produtividade e melhoria do trabalho na terra", destaca Andréa.

Durante o projeto, por meio de um programa interdisciplinar, também foram abordados temas relacionados à produção animal, vegetal, saúde, segurança do trabalho, geografia, ciências, sociologia, biologia e até artes.

Os resultados do projeto não demoraram a aparecer. Segundo as professoras, 32 famílias tiveram aumento na renda familiar e aumentaram sua participação no programa de aquisição de alimentos do governo estadual. Além disso, o logotipo das embalagens de biscoitos caseiros produzidos por um grupo de senhoras do município foi desenhado pelos alunos do projeto.

Fases
Com o apoio das secretarias Estaduais de Educação (Sedu) e de Agricultura (Seag), que doou os computadores, o projeto Campo Sustentável foi desenvolvido em cinco fases: oficinas de multimídia para os alunos; criação do site (www.ceiervp.com.br) e blog (jovemceier.blogspot.com); parceria com a prefeitura para a produção de conteúdo para um programa de rádio semanal em uma emissora comunitária (na qual os alunos falam ao vivo, das 6h20 às 7 horas da manhã, sobre notícias do campo, como mercado leiteiro, cafeeiro, adubação orgânica, entre outros temas); ensino de informática e de como realizar pesquisas na internet para os pais e, por último, a utilização dos recursos tecnológicos pe­los familiares dos alunos para melhorar a produ­ção agrícola.

Segundo as professoras, somando-se todas as ações de mobilização envolvendo os cursos com os pais na escola, o blog, o site e o programa de rádio, cerca de nove mil pessoas são hoje impactadas pelo projeto, sendo duas mil na área urbana e sete mil no campo.

Com tanta repercussão, o Campo Sustentável tomou dimensões inesperadas até mesmo para as idealizadoras do projeto. Este ano, após concorrer com mais de mil escolas, a iniciativa foi reconhecida pelo Prêmio Microsoft Educadores Inovadores, que premia os melhores projetos educacionais do país que fazem uso de tecnologia, desenvolvidos por educadores de escolas públicas ou pelas secretarias de Educação.

Com o primeiro lugar da etapa nacional da categoria Inovação em Comunidade e segundo lugar no Terceiro Fórum Latino-americano de Educadores Inovadores da Microsoft, o projeto se tornou motivo de orgulho para todo o município e representará o Brasil na etapa mundial do Prêmio, que será realizada na Cidade do Cabo, na África do Sul. "Nossa maior recompensa foi ver uma grande interação entre pais e filhos. Todos estão muito mais próximos da escola. Percebemos que os alunos também adquiriram maior responsabilidade. Eles assumiram o nosso papel e passaram a ser os sujeitos do projeto", diz Edilene.

Estrutura
O Centro Estadual Integrado de Educação Rural (Ceier) adota a agroecologia - abordagem que incorpora cuidados especiais relacionados ao meio ambiente - com o objetivo de construir um projeto de agricultura e de relação com a terra. Os estudantes permanecem na escola entre 7h e 16h40, realizando diversas atividades. A unidade de ensino possui laboratório de informática, refeitório, quadra de esportes, biblioteca, auditório, pátio para lazer e as chamadas áreas técnicas (zootecnia, horticultura, fruticultura e econo­mia doméstica).

Implantação do projeto
Desafios Solução
ETAPA 1
Participação dos alunos nas oficinas multimídias
Implantar a oficina, com 10 computadores, para salas de 30 alunos. Com a parceria da Secretaria Estadual de Agricultura, a escola ganhou mais 5 computadores, amenizando o problema. Outro diferencial são as 15 horas de Integração Curricular, que podem ser utilizadas pelos professores para desenvolver projetos e oferecer assistência pedagógica.
ETAPA 2
Criação do site e blog
O custo financeiro do domínio e hospedagem do site e a falta de acesso dos alunos e familiares às tecnologias. Articulação da comunidade para adquirir recursos financeiros para o site e participar da criação do site e blog.
ETAPA 3
Produção do conteúdo para o programa de rádio

Levar o programa ao ar com audiência dos pequenos proprietários da região.

Com uma parceria da prefeitura, o programa foi ao ar em uma rádio comunitária. A aceitação foi boa e o tempo passou de 20 para 40 minutos. Além dos convidados recebidos, os ouvintes podem participar do programa ao vivo.

ETAPA 4
Informática e pesquisas na internet ensinadas pelos alunos
Aceitação e demanda dos familiares pelas aulas do projeto.
Com a coordenação dos professores e os alunos ensinando a utilização das TICs aos pais e demais interessados, a demanda superou as expectativas.
ETAPA 5
Utilização de recursos tecnológicos para comunidade melhorar a produção agrícola
Fazer com que os pais aceitassem a tecnologia a serviço da melhoria da produtividade e da qualidade de vida.
Com as oficinas, houve um compartilhamento das experiências a partir dos conhecimentos adquiridos.

Nível de aprendizagem dos alunos
Conhecimento Antes do projeto Depois do projeto
Geografia 45% 80%
Segurança do Trabalho 45% 82%
Uso e Manejo do Solo 45% 81%
Ciências 45% 79%
Zootecnia 39% 79%
Produção Animal 50% 90%
Produção Vegetal 42% 82%
Sociologia 50% 79%
Biologia 50% 79%
Economia Doméstica 39% 80%
Artes 39% 76%

Fonte:Professoras idealizadoras do projeto

Ranking universitário, editorial da "Folha de SP"

"Instituições de ponta no Brasil, como USP e Unicamp, precisam deixar de olhar só para si próprias e competir de fato na cena internacional"

Leia o editorial:

A comparação das melhores universidades paulistas -USP e Unicamp- com as dez mais bem colocadas no reconhecido ranking Times Higher Education (THE) é reveladora. No cotejamento feito ontem na Folha, salta aos olhos a disparidade entre as verbas de pesquisa que as instituições conseguem atrair.

A Universidade Estadual de Campinas, que amargou um longínquo 248º na classificação, contou em 2009 com R$ 248,1 milhões para financiar investigações científicas. As quatro primeiras colocadas -Harvard, CalTech, MIT e Stanford, todas americanas- obtiveram entre R$ 1,2 bilhão e R$ 3,8 bilhões cada.

A única com cifra comparável, R$ 300,9 milhões, ocupa a quinta posição, Stanford. Mas só tem 7.500 estudantes de graduação e pós, contra 33 mil da Unicamp.

Pior figura faz a Universidade de São Paulo, 232ª colocada no ranking. A principal universidade do país, com mais de 82 mil graduandos e pós-graduandos, não sabe informar qual é a verba de pesquisa que manuseia.

Embora o valor de verbas para pesquisa não seja o critério que mais pesa no ranking (5,25% do escore final), trata-se de excelente indicador de prestígio e competitividade. As universidades brasileiras precisam cuidar melhor da qualidade dos dados que coletam e transmitem às organizações classificadoras, para garantir que recebam destaque merecido.

As mais destacadas instituições universitárias do país são organizações pesadas e burocráticas, acostumadas ao financiamento garantido pelo dinheiro público. No caso das paulistas, pela parcela fixa de 9,57% da arrecadação do ICMS. À USP cabe pouco mais de 5% do arrecadado e à Unicamp, 2,2% (o restante vai para a Unesp).

No ano passado, as duas receberam, respectivamente, R$ 2,89 bilhões e R$ 1,28 bilhões. Para a Unicamp, essa fonte representa 72% do orçamento total. Harvard, em contraste, recebe do Estado menos de 17% de seus recursos.

Várias outras características distinguem as universidades paulistas das que estão no topo do ranking. Estas são bem mais antigas, como a britânica Cambridge, fundada em 1209. Cobram mensalidades de seus alunos e têm entre eles mais estrangeiros -até 38%- do que USP (2%) e Unicamp (4%).

A comparação direta, nesse sentido, pode ser injusta e até inapropriada. Afinal, análise dos próprios autores do ranking THE indica que as instituições de São Paulo, precisamente por contarem com financiamento assegurado, são as universidades sul-americanas com melhor chance de vir a integrar a classificação das 200 melhores do mundo (em outro ranking, o da Universidade de Xangai, a USP está em 143º).

A China tem seis universidades entre as 200 melhores. A Turquia, duas. São países emergentes, como o Brasil, que não têm como escapar da necessidade de gerar tecnologia e inovação. Nossas melhores universidades, USP e Unicamp, precisam tornar-se de fato as instituições de classe internacional de que o país precisa.


Há realmente uma fronteira sem fim?, editorial da 'Science'

"O mais surpreendente é que sempre que a ciência aumenta a nossa compreensão do mundo"

Leia o editorial da revista 'Science' sobre os principais avanços da ciência em 2010, assinado pelo editor-chefe Bruce Alberts, na tradução do jornalista, jurista e chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da C&T, José Monserrat Filho:

"A glória, neste ano, coube à primeira máquina quântica - um cantilever (estrutura de armazenagem) microscópico engenhosamente reduzido a seu nível de energia mais baixo possível, o estado quântico fundamental. O resultado pode levar a detectores com força ultra sensível e a formas de controlar as vibrações mecânicas de um objeto tão habilmente quanto hoje controlamos a eletricidade e a luz. Também se anunciam novas pesquisas em um dos grandes mistérios da física: o abismo que separa o universo dos objetos familiares e o universo bizarro da mecânica quântica.

Neste ano, houve outras conquistas notáveis, como a primeira célula com genoma sintético e a decifração de grande parte da sequência do genoma de nosso parente próximo, há muito extinto, o Neandertal. E, por fim, na luta contra a AIDS, um novo gel microbicida que reduz o risco de uma mulher infectar-se com o HIV.

Esse problema também acrescenta algo novo: um olhar para os últimos 10 anos, destacando 10 grandes "insights científicos da década". Como se enfatizou, a maioria dos insights têm se baseado no desenvolvimento contínuo de métodos cada vez mais poderosos para pesquisar o mundo. Ajudado por novos instrumentos para estudar o espaço e analisar as moléculas de que os seres humanos são feitos, entre muitos outros, a marcha das descobertas científicas acelera-se constantemente.

Mas, pelo visto, o mais surpreendente é que sempre que a ciência aumenta a nossa compreensão do mundo, surgem novos grandes mistérios que precisam ser decifrados - da "energia escura" ao "genoma escuro", apenas na última década. Além disso, as descobertas em uma área podem criar novas possibilidades para descobertas em outra. Assim, a descoberta de água em Marte abre a excitante possibilidade de se descobrir uma forma de vida primitiva no planeta, capaz de propiciar melhor compreensão de nossas próprias origens.

A questão em aberto é se sempre haverá surpresas Ou se, algum dia, talvez milhares de anos à frente, nada mais haverá a descobrir. Podemos ter a expectativa de alcançar um entendimento completo - e o fim da busca da humanidade para compreender o mundo através da ciência?

Considere, por exemplo, o grande desafio de decifrar como a multiplicidade de células cooperam entre si para formar o corpo humano. Uma célula é a unidade fundamental da vida, assim como um átomo é a unidade fundamental da matéria, e temos atingido uma compreensão altamente sofisticada de seus mecanismos, embora longe de completa.

Falando a grosso modo, uma célula é um conjunto de catalisadores, que, agindo como grupo, geram complicada série de reações químicas que acabam duplicando todos os catalisadores em conjunto. Esses são então divididos em dois grupos, e o processo inicia-se de novo com cada conjunto gerado.

Mas, apesar de adquirirmos compreensão cada vez mais detalhada da química subjacente a processos fundamentais como a divisão celular, há enormes áreas da biologia que nos confundem.

A célula mais simples conhecida, a bactéria, tem cerca de 500 tipos de catalisadores em seu conjunto; o conjunto de células humanas é muito mais complexo, com um número cerca de 50 vezes maior de tipos diferentes. No ano de 2000, pensávamos que essa complexidade adicional fosse suficiente para permitir que os 100.000 bilhões de células humanas produzidas a partir de um único óvulo fertilizado formassem a célula colaborativa a que chamamos ser humano.

Hoje reconhecemos que há muito mais agentes atuantes nas células humanas, e que, estranhamente, cerca de dois terços da nossa informação genética essencial - o nosso genoma escuro - são necessários a processos, cuja natureza, em sua maior parte, permanece um mistério.

Estaria certo Vannevar Bush, em 1945, quando definiu a ciência como "fronteira sem fim"?

Podemos supor que, se resolvermos os mistérios do genoma escuro, novos enigmas surgirão? Certamente, podemos, sim, ter essa esperança, porque a vida perderia muito de sua grandeza e alegria se um dia atingíssemos a linha de chegada, sem ter mais fronteiras a nos desafiar."

Salário e carreira de professores são prioridades, diz Haddad

Ministro da Educação afirma que a pasta terá uma participação mais ativa na questão dos docentes no governo Dilma Rousseff

O Ministério da Educação no governo Dilma Rousseff deverá ter uma participação mais ativa nas questões que envolvem o professor, diz o ministro Fernando Haddad.

Em entrevista à Folha, ele defendeu o MEC da responsabilidade sobre falhas no Enem e disse que o ideal é ter mais de uma prova por ano:

- O que o novo governo terá de novo na educação?

A novidade é o Plano Nacional de Educação [enviado ao Congresso na semana passada], com 20 metas definidas em 170 estratégias. Tem foco acentuado no professor. Uma das metas é equalizar o salário com os outros profissionais de nível superior [hoje, há diferença de 60%]. Não há experiência internacional bem sucedida quando o professor ganha menos.

- Que medidas concretas serão tomadas para isso acontecer?

Já tomamos uma medida ao aumentar o investimento em educação. É preciso também uma interlocução com Estados e municípios para que as carreiras sejam estruturadas nesse sentido. O PNE prevê uma mesa de negociação permanente sobre o piso salarial [de R$ 1.025].

- Haverá mudanças no Enem?

Isso depende menos de uma decisão política e mais de uma técnica. Vamos ouvir a gráfica, os Correios e o consórcio que faz a prova para decidir. O ideal é ter mais de uma edição por ano.

- As últimas duas edições do exame tiveram problemas. Que autocrítica o sr. faz?

Os problemas mais marcantes tiveram origem no setor privado, não no público. Uma gráfica pecou [2009] por falta de segurança e a outra por excesso de segurança [2010], porque a conferência de todos os lotes de prova dependia de um manuseio que se tentou evitar ao máximo para que não se repetisse o que houve no ano passado.

- Se os problemas foram só do setor privado, é possível deduzir que podem se repetir?

Esses problemas ocorrem em todos os lugares onde há exames desse porte. Ou bem aproveitamos para aprender com as eventuais falhas sem abdicar de um processo transformador ou essa evolução não vai se dar por um temor que é justificável, mas superável.

- O ensino médio é o que avança mais lentamente, em qualidade e quantidade de alunos.

Talvez não na escala desejada, o MEC vem fomentando a integração do ensino médio com a educação profissional. O discurso dos secretários de Educação está cada vez mais alinhado com isso. É importante diversificar o ensino médio, integrando-o à realidade profissional e a áreas como cultura e esporte.

- Haverá mudança na política de educação superior?

Há espaço para inovação acadêmica, discutir currículos mais interessantes e para um ganho de eficiência: podemos atender mais alunos.

- O sr. pretende introduzir alguma mudança no MEC?

Sobretudo em relação ao magistério, precisamos reforçar um núcleo interno. Seria uma estrutura voltada à carreira, à valorização do professor, da formação. Gostaria que o MEC tivesse um protagonismo maior na mesa de negociação do piso. Estamos também prevendo a prova de concurso [concurso nacional para professor].

(Angela Pinho)


Ponto de maturidade, artigo de Marco Antonio Raupp

"Num curto período, o Brasil organizou um sistema que contribui significativamente para a evolução do conhecimento científico. Chegou a hora de a ciência contribuir de maneira expressiva para a evolução do Brasil"

Marco Antonio Raupp é presidente da SBPC e diretor geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos. Foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Laboratório Nacional de Computação Científica. Artigo publicado na "Carta Capital":

Diferentemente de seus antecessores, o próximo governo federal poderá contar com um recurso de excepcionais qualidades para auxiliar o Brasil a dinamizar e robustecer sua economia. Refiro-me à possibilidade, absolutamente real, de a ciência vir a se tornar protagonista do desenvolvimento sustentável brasileiro.

Não se trata de proposta inovadora, mas sim de um fato que a sociedade brasileira deve estar ciente, especialmente os governantes que tomarão posse em janeiro próximo, com destaque para a presidente da República.

A ciência, ao lado da educação de qualidade, desde sempre foi um dos protagonistas do crescimento econômico dos países do Primeiro Mundo, experiência que vem se replicando com êxito também naqueles cujo curso do desenvolvimento é mais acelerado do que o nosso, como Coreia do Sul, Cingapura, China e Finlândia. A exemplo do que ocorre nesses países, já é possível que também no Brasil a política e a economia dialoguem mais com a ciência.

Essa possibilidade não ocorreu antes, em nosso país, por razões compreensíveis. A ciência é uma atividade recente no Brasil: começou a ser feita de uma maneira organizada, porém timidamente, há pouco mais de 70 anos. Impulso significativo ocorreu apenas nos anos 1950, com a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e na década de 1960, com a instituição da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). São Paulo inaugurou seu subsistema de amparo à pesquisa em 1962, mas foi seguido pelos demais estados somente duas décadas depois, num processo que abrange hoje quase todas as unidades da federação.

A nossa pós-graduação, instrumento universal para a formação de pesquisadores, surgiu timidamente em meados da década de 1940 e ganhou impulso vigoroso vinte anos depois. Por sua vez, a atividade de pesquisa foi associada ao ensino superior - ou seja, como prática obrigatória nas universidades - em 1961.

O nosso sistema universitário também é de construção recente. Nos moldes atuais, surgiu na década de 1930 e teve sua expansão a partir da segunda metade do século passado. Hoje há universidades federais em todos os estados, sendo que muitos deles contam também com subsistemas próprios. No universo científico brasileiro apenas os institutos de pesquisa, mesmo que tenham surgido ainda no século 19, não tiveram ainda a atenção merecida.

Apesar de sua juventude e de percalços naturais em qualquer processo, o ponto fundamental é que o Brasil conta hoje com um amplo e dinâmico sistema de produção científica. Temos em atividade cerca de 230 mil pesquisadores, cujo trabalho - mais de 30 mil artigos por ano, publicados em revistas internacionais - representa 2,7% da produção científica mundial e coloca o Brasil em 13º lugar no ranking do setor. Para se ter uma idéia da expansão vivida pelo sistema, em 1990 nossos pesquisadores publicaram 3.539 artigos de reconhecimento internacional, o equivalente a 0,63% da produção mundial. Hoje o Brasil produz mais ciência do que a Rússia e a Holanda, países com maior tradição nessa atividade.

Outro parâmetro da evolução: em 2009 o Brasil titulou 11.368 doutores, 134% a mais do que dez anos antes (4.853 em 1999).

É esse o sistema que o Brasil construiu - e que agora deve dar sua contrapartida para a sociedade brasileira. Não apenas por uma questão ética ou dever moral, mas também porque o desenvolvimento econômico no mundo atual não pode prescindir da contribuição da ciência. O atendimento aos pré-requisitos da nova economia - competitividade e sustentabilidade - só é possível com o uso intensivo do conhecimento científico.

Assim, no campo da ciência e tecnologia o novo governo recebe um benefício e um desafio. O benefício é herdar de seus antecessores um sistema de produção cientifica maduro e dinâmico, porém com viés essencialmente acadêmico. O desafio é ampliar o espectro desse sistema, com a definição de modelos para a transferência do conhecimento da base científica para os setores industriais e de serviços, bem como para a produção de ciência e tecnologia com viés empresarial, visando à geração de riqueza.

De antemão, é preciso ficar claro que transferir os saberes da ciência para o setor produtivo empresarial não é função ou competência da universidade. O papel fundamental da instituição universitária é a formação de recursos humanos para a sociedade, além da realização de pesquisa científica que contribua para a evolução do conhecimento em suas mais diferentes áreas. Em resumo, a universidade tem de estar sempre pronta para interagir com os grandes desafios do pensamento e promover a geração de novos conhecimentos.

Precisamos, portanto, de mecanismos específicos para a intermediação do conhecimento científico com o sistema produtivo. O aspecto positivo para superar esse desafio é que temos no Brasil algumas experiências extremamente exitosas a serem consideradas, nos campos do agronegócio, do petróleo e da aeronáutica.

Nossa agropecuária é responsável por quase um quarto do PIB brasileiro e em 2009 respondeu por 42% de nossas exportações. As pesquisas realizadas pela Embrapa estão literalmente na raiz dessa riqueza.

Na evolução da indústria aeronáutica desponta a Embraer, mas há por trás uma cadeia composta por centenas de pequenas e médias empresas, muitas delas com o desafio de inovar permanentemente para poderem atender um setor dotado de altíssima intensidade tecnológica. É sabido que a Embraer teve como berços o Centro Técnico Aeroespacial e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica.

No petróleo, criamos a Petrobras, mas o que a fez uma vencedora constante de desafios cada vez maiores foi o seu Centro de Pesquisas, o Cenpes, e uma rede universitária associada. Foi por meio do conhecimento gerado nessa estrutura que a Petrobras se tornou a empresa líder mundial na exploração de petróleo em águas profundas, fazendo gerar também uma infinidade de empresas de pequeno e médio porte baseadas no desenvolvimento tecnológico e na inovação.

Esses exemplos mostram que tivemos grande êxito quando fizemos esforços para a integração da base científica e tecnológica com setores econômicos. E um dos fatores determinantes para esse êxito foi a utilização de mecanismos adequados, quais sejam, centros de pesquisa criados com finalidades específicas e desafios pré-definidos.

Para cumprir sua missão, esses centros de pesquisa - sem a obrigação de ensinar, como ocorre com as universidades - dispõem das condições ideais necessárias: podem se utilizar do conhecimento já existente, adaptando-o para uma finalidade específica; podem gerar novos conhecimentos, para atender demandas pré-definidas; estarão aptos a desenvolver novas tecnologias; isentos de obrigações acadêmicas, têm flexibilidade para se adaptar ao ambiente produtivo empresarial.

Temos certo, portanto, é que os centros federais de pesquisa já existentes (a maioria com a denominação de institutos de pesquisa) sejam fortalecidos e tenham seu foco de estudo, seus objetivos e seu financiamento redefinidos em conformidade com as dimensões do campo em que vão atuar e dos desafios que terão de enfrentar.

Da mesma forma, será fundamental a criação de novos institutos de pesquisa, igualmente dotados das condições para a realização de grandes projetos mobilizadores, capazes de criar novas e vigorosas vertentes na economia nacional. Fármacos e medicamentos, energia e microeletrônica são alguns dos setores nos quais o Brasil poderia empenhar grandes esforços visando à criação de parques industriais fundamentados na utilização de tecnologias inovadoras geradas aqui mesmo.

O desenvolvimento de tecnologias que possibilite a exploração sustentável de nossos recursos naturais, a exemplo da Amazônia e da plataforma continental marítima, também caberia como desafio para centros de pesquisa dedicados a grandes temas.

Por esse modelo, o agente público e o privado atuariam como parceiros; o público não será cliente do privado, nem inversamente. Ambos trabalhariam em conjunto. Vale salientar também que esses centros não substituiriam a missão específica de cada empresa em realizar suas atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Eles atuarão na fase pré-competitiva, gerando conhecimento científico e tecnológico que servirá de base às atividades de P&D das empresas, para que elas possam apresentar ao mercado produtos, serviços e processos inovadores.

Uma vez que estarão comprometidos com o desenvolvimento do país, ou seja, com o nosso futuro, esses centros poderão desempenhar papel estratégico na economia brasileira, antevendo tendências tecnológicas e ajudando a colocar o Brasil no caminho do futuro.

Com esse conjunto de atributos e objetivos, esses centros de pesquisa serão um vigoroso instrumento de política pública para a ciência e tecnologia; serão uma forma de participação do governo no esforço de tornar o Brasil um país com alto desenvolvimento tecnológico; e serão também um indutor da inovação tecnológica nas empresas.

Num curto período, o Brasil organizou um sistema que contribui significativamente para a evolução do conhecimento científico. Chegou a hora de a ciência contribuir de maneira expressiva para a evolução do Brasil.


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As lições do Chile para o Brasil

Autor(es): Camila Guimarães
Época - 20/12/2010
Há duas décadas os chilenos iniciaram uma ampla reforma na educação. Estão colhendo os primeiros resultados. O que podemos aprender com eles

No dia 7 de dezembro, o principal compromisso marcado na agenda do presidente chileno, Sebastián Piñera, era uma visita a uma escola de educação básica em Santiago. Com um grupo de educadores como plateia, Piñera foi a primeira autoridade política do país a falar sobre o desempenho dos alunos chilenos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). A prova internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mede as habilidades de alunos de 15 anos em leitura, ciências e matemática. O resultado da prova de 2009 poderia mostrar ao Chile se a ampla e profunda reforma no sistema de ensino, iniciada há 20 anos, havia rendido frutos na última década. Piñera deu boas notícias ao país.

Desde o primeiro Pisa, em 2000, o Chile é o país que se sai melhor entre os latino-americanos, apesar de sua média ficar bem abaixo da média dos países da OCDE. Em 2009, ficou em 44º lugar no ranking de 65 países (o Brasil, em 53º). A nota do Chile em leitura aumentou 40 pontos na década, o equivalente a um ano de estudos. Foi o segundo maior avanço (o primeiro foi do Peru, que mesmo assim continua na lanterna do ranking). O Brasil avançou 16 pontos. Em 2000, 48,2% dos estudantes chilenos dominavam apenas as habilidades básicas de leitura, proporção que caiu para 30%. A grande façanha chilena, no entanto, foi conseguir melhorar a nota do país melhorando as notas dos piores alunos (que coincidem com o grupo dos mais pobres): o salto foi de 51 pontos. No Brasil, a nota dos piores alunos avançou apenas 5 pontos, 11 abaixo do aumento médio. Isso significa que o fosso entre bons e maus alunos aumenta. No Chile, diminui. De acordo com o relatório da OCDE, o Chile deu mais oportunidades iguais para todos os alunos. No Brasil, os melhores alunos puxaram o avanço.

É certo que o Chile é um país pequeno, de apenas 17 milhões de habitantes. É mais fácil lidar com os problemas. Mesmo assim, a experiência chilena tem vários pontos que servem de exemplo para o Brasil. A começar pela importância que se dá ao tema. No Chile, abaixo da Presidência, não há posição de maior prestígio político que a de ministro da Educação. O atual, Joaquín Lavín, ex-candidato a presidente, é um dos principais líderes da direita chilena. Ricardo Lagos, que presidiu o país entre 2000 e 2006, comandou a pasta na década anterior. A educação virou prioridade política e social para os chilenos no começo dos anos 90, quando o discurso de melhorar a qualidade do ensino passou de promessa de campanha eleitoral a plano concreto.

A estratégia é melhorar o ensino com equidade e fazer avaliações constantes de alunos e professores

Assim como o Brasil de hoje, o Chile daquela época havia acabado de universalizar a educação básica, mas avaliações nacionais mostravam que seus alunos, especialmente os mais pobres, não aprendiam como deveriam. O país também alcançara a estabilidade econômica, a taxa de emprego estava elevada e o nível de pobreza da população começava a cair, mas a desigualdade ainda era gigantesca. Para continuar crescendo, era imperioso melhorar a educação. “Houve um sério debate técnico e político que identificou a educação como a melhor ferramenta para dar mais oportunidades a todos”, afirma Patrício Navia, cientista político e professor da Universidade Nova York.

O sistema de ensino chileno é peculiar. O governo central não tem escolas. Elas foram municipalizadas na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), que também criou o sistema de voucher: o governo financia escolas de gestão privada. Hoje, as escolas subsidiadas atendem metade dos alunos, seguidas pelas públicas (municipais) e particulares. Os governantes pós-Pinochet aperfeiçoaram o sistema subsidiado, dando mais verba às escolas que atendem alunos mais pobres e às que conseguem conter a evasão.

A premissa básica da estratégia chilena é melhorar o ensino com equidade e fazer avaliações constantes de alunos e escolas para verificar se as mudanças estão dando certo. A primeira grande mudança foi a adoção, em 1997, do ensino integral obrigatório. As escolas chilenas tinham dois turnos escolares. Hoje, 62% de seus alunos ficam na escola das 8 horas às 15 horas (há exceção da obrigatoriedade nas escolas de alto desempenho). Um aluno que cursa toda a educação básica chilena estuda, no total, dois anos a mais que o aluno que estudou no regime anterior. O período integral implicou um esforço enorme de transformação, com gasto de US$ 1,2 bilhão na construção de escolas e na adequação das já existentes. Em dez anos, o país duplicou sua infraestrutura escolar.

Aumentar o tempo de permanência dos alunos na escola não era suficiente. O Chile tratou também de reformular o conteúdo. Desde 1997, o currículo escolar passou a ser nacional, com disciplinas transversais e que valorizam habilidades e competências dos alunos. Foram introduzidas aulas de informática e o inglês passou a ser obrigatório a partir do 5º ano (antes era só a partir do 7º). Mas o principal avanço foi deixar explícito o que o aluno precisa aprender e em qual série. “Isso traz um ganho pedagógico inestimável”, afirma a consultora Paula Louzano, doutora em educação pela Universidade Harvard. “O planejamento do professor melhora e fica mais fácil acompanhar o desempenho dos alunos.” As mudanças foram sendo implantadas gradualmente. Ainda não acabaram. A ideia é que sejam contínuas e que as regras possam ser atualizadas. No mês passado, o ministro Lavín anunciou novas diretrizes, como a s diminuição do tempo das aulas de história para aumentar a carga horária de leitura e matemática.

No Chile, abaixo da Presidência não há posição de maior prestígio que a de ministro da Educação

A ideia de continuidade é crucial para os chilenos. Não importa que mude o presidente, o ministro da Educação ou até o grupo que está no poder. A estratégia de investir na educação continua a mesma – fruto de um amplo acordo na sociedade, que incluiu partidos políticos, o sindicato dos professores e acadêmicos. Em 20 anos, o país quintuplicou o investimento. Aos poucos, a decisão política ganhou a sociedade. Empresas, instituições de pesquisa, centros de estudos e as próprias famílias se engajaram. “Criou-se uma cultura de cobrança de qualidade no ensino”, afirma José Weinstein, sociólogo e ex-ministro da Educação do governo Lagos.

Weinstein participou do que considera um dos principais pontos da reforma chilena: a criação de uma avaliação periódica dos professores da rede pública. A ideia de checar de quatro em quatro anos como andam as competências dos mestres só deu certo porque antes foi estabelecido, junto com escolas de pedagogia e o sindicato dos professores, o que é ser um bom professor. Essa transparência (o professor sabe os critérios pelos quais está sendo avaliado) ajudou a romper resistências. A prova é composta de uma autoavaliação, uma avaliação feita por um colega de escola, outra feita pelo diretor e, por fim, de um vídeo de uma aula dada. Professores mais bem avaliados ganham remunerações extras e passam a fazer parte de uma rede de professores que ensinam outros professores. Os piores fazem cursos de aperfeiçoamento.

Assim como em qualquer outro sistema de ensino, o professor é a chave para o sucesso do aprendizado dos alunos. De acordo com Weinstein, os salários dos professores aumentaram nos últimos anos mais do que qualquer outro do setor público. Existem programas de bonificação para os melhores desempenhos, e os professores de escolas mais desfavorecidas, como as rurais, ganham mais. Um efeito dessa política pode ser medido nos cursos de pedagogia: entre 1999 e 2007, o número de estudantes triplicou.

Apesar de começar a dar resultados, o Chile tem um longo caminho a percorrer. Até agora, o país conseguiu passar de um nível ruim para aceitável. Falta pular do aceitável para o bom – e depois para o ótimo. Um dos próximos passos é melhorar as técnicas de ensino. Em novembro, o governo chileno anunciou uma série de medidas para atrair para os cursos de pedagogia os melhores alunos do ensino médio. O governo vai pagar (não há ensino superior gratuito no Chile) os estudos dos alunos mais bem avaliados que, em vez de optarem por engenharia ou Direito, escolherem seguir carreira de professor. A jornada em busca da boa educação continua. Mas o caminho está traçado.

Educação entrou na agenda política

O Globo - 22/12/2010

No apagar das suas luzes, o governo Lula encaminhou ao Congresso um plano nacional de educação para vigorar na década que está para começar. O plano ainda em vigor foi aprovado em 2001, e cumpriu um papel relevante. Embora os desafios que se tem pela frente sejam enormes, o plano teve o mérito de pôr a educação na agenda política e, principalmente, o de estabelecer metas de qualidade para o setor.

O Brasil possui hoje um sistema de aferição da qualidade da educação em diferentes níveis, estado por estado, e até em microrregiões homogênas. É possível aferir-se a qualidade do ensino distintamente no sistema público e nas escolas particulares.

Com esses dados, os educadores contam com preciosa base de informações para traçar um planejamento de médio e longo prazos, pôr em prática mudanças pedagógicas, e reivindicar dos políticos e autoridades governamentais ferramentas para que o país avance nesse campo.

O novo plano aparentemente buscará uma meta ousada: no início da terceira década do século XXI, os índices de qualidade da educação deverão alcançar um patamar já ostentado por nações desenvolvidas.

Para chegar lá, o Ministério da Educação reconhece que será preciso elevar os investimentos no setor para 7% do Produto Interno Bruto (estaríamos atualmente na faixa de 5%). Parte expressiva desse adicional corresponderá a uma melhora na qualificação e nos vencimentos dos profissionais da educação.

De fato, sem que os professores sejam motivados, as metas propostas jamais serão alcançadas. É claro que os educadores poderão recorrer cada vez mais à tecnologia para cumprir suas tarefas. Computadores em laboratórios nas escolas ou nas salas de aula possibilitam o acesso a redes de educação que aceleram o aprendizado. Além disso, a educação infantil (creches e pré-escola) favorece esse aprendizado. Estatísticas recentes em alguns estados mostram uma redução considerável do analfabetismo funcional - que antes alcançava índices alarmantes de 60% na quarta série do ensino fundamental.

Mas, sem que os professores estejam devidamente motivados, pouco se conseguirá avançar, e ficaremos distanciados das metas do novo plano, que será revisto em 2015.

De acordo com o último censo escolar, o Brasil tem 51,5 milhões de alunos matriculados, sendo 42,9 milhões na rede pública, assim distribuídos: 13,4 milhões nas séries iniciais (primeira a quinta) do ensino fundamental, 11,9 milhões nas séries seguintes (sexta à nona), e 7,1 milhões nos três anos do ensino médio. Já há 1,34 milhão de crianças (de até três anos) em creches municipais e estaduais, e 3,5 milhões de 4 e 5 anos matriculadas em pré-escolas. Há ainda 528 mil matrículas nos diferentes níveis da educação especial.

O plano nacional de educação serve de mapa para que a população brasileira possa acompanhar os objetivos que estão sendo perseguidos. Nele não estão definidas as fontes de financiamento do setor, mas talvez isso não seja o mais essencial. O importante é que se dê destaque à educação na agenda política da nação.