segunda-feira, 14 de março de 2011

ENTREVISTA - DREW FAUST: A ordem é globalizar

A universidade Harvard , a melhor do mundo em vários rankings internacionais, decidiu se lançar em busca de tesouros -estudantes, professores e, sim, dinheiro

Fotos Stephanie Mitchell/Harvard Staff Photographer

Drew Faust conversa com estudantes brasileiros e chilenos

LUCIANA COELHO
EM CAMBRIDGE (EUA)
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA, EM CAMBRIDGE (EUA)

Globalização, crise, diversificação. As palavras que regem a expansão internacional de tantas empresas americanas têm levado a melhor universidade do mundo, Harvard, a se lançar em uma busca por recursos humanos e financeiros no exterior.
Desde que assumiu a reitoria, em 2007, Drew Faust visitou China, Japão, África do Sul e Botsuana, além de Canadá e países europeus. Na semana que vem, ela visita o Brasil e, em seguida, o Chile.
A meta sempre é estreitar o laço com os países visitados e recrutar alunos, professores e fundos. Em 2010, 1 em cada 5 alunos de Harvard veio de fora dos EUA.
Faust também impulsionou a presença internacional da universidade inaugurando, em 2008, escritórios na Índia e na China. Antes, a instituição fincou o pé no Brasil, na Argentina, no Chile, na Itália, na França, na Grécia e no Japão.
A reitora recebeu a Folha na semana passada em seu gabinete, em um dos prédios mais modestos do campus da universidade em Cambridge, Massachusetts, para explicar como atrai os alunos que fazem Harvard ser o que é.
Falou também de expansão, crise e diversificação -graças à recente reforma do programa de bolsas, a instituição, fundada em 1636, está deixando de ter cara de "elite branca" para acolher estudantes brilhantes das mais diversas origens. Afinal, diz ela, muito do aprendizado por aqui se dá na convivência entre as diferenças.



FOLHA - O que a sra. espera de sua viagem ao Brasil?
Drew Faust -
Estou animada em ir. É um lugar vibrante, que está crescendo e se torna cada vez mais importante no mundo.

Há hoje mais gente interessada em estudar o Brasil?
Há. A melhor representação disso é a questão dos BRICs, quando o Brasil passou a ser visto como uma das principais forças emergentes na economia internacional.

Ainda assim não há tantos estudantes e professores brasileiros ou especialistas em Brasil aqui em Harvard.
Recebemos uma doação generosa de um brasileiro, o Jorge Paulo Lemann [milionário cujo fundo já foi dono da AmBev e acaba de comprar o Burger King], que apoiou nossa expansão em estudos brasileiros. Avançamos alguns passos, esperamos continuar.
O escritório no Brasil está indo muito bem. Há bastante interesse por parte de nossos professores e estudantes em fazer conexões e tocar programas [de extensão] lá.
Além disso, a [Harvard] Business School está interessada em fazer estudos de casos do Brasil. Estamos bem otimistas com as nossas conexões com o país, e minha viagem é para reforçar isso.

Harvard está se expandindo. O que estão fazendo para atrair mais estrangeiros, estudantes e professores?
Nós nos tornamos uma universidade muito mais global nos últimos anos. Hoje, 20% do total de nossos alunos são estrangeiros.
Também passamos a dar ênfase, na graduação, à importância de se ter uma experiência internacional. É uma mudança cultural para nossos alunos, que costumavam ser desestimulados a passar tempo fora de Cambridge.
Oferecemos, inclusive, apoio financeiro, caso não tenham meios de arcar com isso -1/4 dos estudantes teve alguma experiência internacional no ano passado.
Se olharmos a forma como nossos professores pesquisam, ela também mudou. Temos uma proliferação de professores viajando para trabalhar e buscando os serviços que nosso departamento internacional fornece.
Aumentamos o número de escritórios internacionais nos últimos anos e temos um novo modelo em Xangai, que é um espaço com salas de aula e que oferece oportunidades para atividades.

Qual a relação com o governo federal e as instituições privadas no financiamento à pesquisa científica?
Nós recebemos uma proporção majoritária no nosso financiamento à pesquisa do governo federal. Está em cerca de 21% de nosso orçamento hoje [US$ 3,7 bilhões].
Nosso orçamento também conta com uma contribuição significativa de nosso fundo de doações ["endownment"]. Hoje, cerca de 35% de nosso orçamento operacional vêm desse fundo. E há ainda as anuidades.

O fundo sofreu com a crise econômica?
[A crise] nos obrigou a ter um olhar mais duro com o que estávamos fazendo, estabelecer prioridades e decidir sobre o que poderíamos passar sem. O fundo caiu 27%. Foi um momento de autoexame intenso na universidade, e acabamos fazendo algumas mudanças.

Mas pelos números, o investimento em pesquisa não caiu. Essa é a prioridade?
Sim, ao lado da ajuda financeira aos estudantes.

Como Harvard recruta estudantes?
Tentamos mandar a mensagem que queremos ter aqui gente talentosa independentemente da situação financeira e localização geográfica. Fazemos isso por meio de nosso escritório de admissões, cuja equipe viaja pelo país e pelo mundo todo.
E procuramos reforçar isso com um pacote de ajuda financeira, que faz a universidade parecer acessível. Nos últimos anos, criamos uma série de iniciativas para famílias de baixa renda. Com essa mensagem, conseguimos 35 mil inscrições neste ano.

Quão importante é ter os melhores aqui? E quanto os estudantes aprendem uns com os outros?
Não tenho como dar um percentual, mas este é um ambiente muito mais diverso do que qualquer outro em que os estudantes já tenham vivido. São pessoas diferentes deles, às vezes de outras partes do mundo, com outras ideias, outros talentos, e isso é muito enriquecedor.

Mesmo com tanta tecnologia, não há como substituir a convivência...
A tecnologia mudou muita coisa no ensino. A sala de aula deixou de ser um espaço apenas para transmitir informação e passou a ser para debatê-la. Mas achamos que esse tipo de aprendizado, pela convivência com gente diferente, é essencial. Temos até o sistema de alojamento, no qual os graduandos aprendem a viver juntos, a dividir o banheiro, o refeitório, os projetos. Aprender vai além do computador.

MULTIMÍDIA

Confira texto e vídeo da entrevista da reitora
folha.com/sa449656


PERFIL

Drew Faust foi a 1ª reitora em 375 anos de Harvard

DE CAMBRIDGE (EUA)

A historiadora Drew Gilpin Faust, 62, tornou-se em 2007 a primeira mulher a ser reitora de Harvard. "Primeiro recebi um monte de cartas. Mas agora acho que as pessoas já se acostumaram", diz.
Casada com o também historiador Charkes Rosenberg e mãe de duas filhas, Faust escreveu seis livros, incluindo "This Republic of Suffering: Death and the American Civil War", de 2008, um finalista no prêmio Pulitzer.
Entre os dias 23 e 26, ela vai a São Paulo e ao Rio, onde se reunirá com lideranças acadêmicas, representantes de Harvard no país, ex-alunos e universitários que colaboraram em projetos comuns. (LC e GD)


Harvard tenta barrar conflito de interesses

Preocupação inclui ainda casos de plágios e origem de financiamentos

Ter docentes atuantes no mercado, para a reitora, é importante, mas traz problemas inéditos à instituição

DE CAMBRIDGE (EUA)

No topo do ranking de universidades da Times Higher Education, Harvard não é poupada de polêmicas. E duas delas, que lidam essencialmente com a forma como a universidade produz, estão motivando revisões em suas políticas internas.
A primeira é a questão do conflito de interesses, exposta mais recentemente no oscarizado documentário "Trabalho Interno". O filme questiona a porta giratória entre a academia e os grandes bancos e corporações.
O argumento é o de que os interesses das instituições financeiras transpiram para as salas de aula por meio de professores que estão ou estiveram em suas folhas de pagamento -como o ex-reitor Larry Summers, que volta este ano a Harvard.
"A universidade está hoje muito mais envolvida no mundo do que há 15 anos", disse a reitora Drew Faust à Folha. "Isso é bom, pois traz experiências do mundo real, torna a pesquisa mais conectada. Mas levanta questões que a universidade não havia enfrentado antes."
O resultado foi a adoção, no ano passado, de uma inédita política de conflito de interesses redigida por uma comissão encabeçada pelo vice-pró-reitor Dabid Korn.
A meta agora é que cada uma das 15 escolas da universidade decida sobre políticas específicas. A mais avançada, afirma Faust, é a da escola de medicina (muita coisa descoberta ali é patenteada e comercializada).
A queda do reitor da respeitada London School of Economics, por ter aceitado doações do ditador líbio Muammar Gaddafi, ainda que por canais legais, também abriu uma discussão sobre quem financia as pesquisas nessas instituições. Em Harvard, no ano passado, por exemplo, 7% de seu orçamento veio de doações de empresas e indivíduos.
A universidade está aumentando também o escrutínio sobre sua produção após vir à tona, no ano passado, que o conhecido biólogo evolucionista Marc Hauser, professor da instituição, mentia na conclusão de um de seus estudos. Há uma investigação em curso e o pesquisador está afastado.
Na revisão de parâmetros, os estudantes são parte importante. Neste semestre, professores da escola de governo passaram a enfatizar que trabalhos contendo plágio -e referências a outros trabalhos sem a devida citação - serão anulados. "Parte do que temos feito para resguardar a integridade acadêmica é educar os estudantes", diz a reitora.

PROFESSORES Harvard também estabelece critérios rigorosos para contratar seus professores. Primeiro a universidade trabalha com uma ampla base de nomes, cuja produção é meticulosamente avaliada pelo atual corpo docente.
Os selecionados passarão por mais três fases de escrutínio -colegas do mesmo campo, a diretoria da escola em questão e a reitoria. "E depois temos uma comissão ad-hoc, com gente de fora da universidade, para examinar as credenciais do indivíduo."
O processo busca os melhores. E os melhores custam caro. A universidade pagou US$ 1 bilhão a seus 2.100 professores em 2009.
A reitora nega rumores de que haja salários de US$ 1 milhão ao ano. O atrativo em Harvard, ela diz, é o ambiente e a oportunidade intelectual, com colegas que desafiam o acadêmico a melhorar sempre, além de instrumentos para pesquisa, verba de viagem e boas instalações.
E os salários? "Bom, estamos no mercado."
(LUCIANA COELHO)

Frase

"A universidade está hoje muito mais envolvida no mundo do que há 15 anos. Isso é bom, pois traz experiências do mundo real (...). Mas levanta questões que não havíamos enfrentado antes"

Invenções de alunos são motor para inovação

EM CAMBRIDGE

Pesquisa e inovação são o principal vértice de Harvard, e com tantos institutos e acadêmicos desenvolvendo seu trabalho nas 15 escolas da universidade, não raramente as descobertas vêm dos alunos, inclusive de graduação.
"Tem uma história que eu adoro, de um grupo da graduação na escola de engenharia", conta a reitora Drew Faust. "Eles criaram uma bola de futebol que, quando você chuta, gera energia que fica armazenada em uma bateria. Ou seja, após jogar futebol, você volta para casa, pluga ali seu telefone celular e pode recarregá-lo."
A bola já está sendo usada na África, e agora os estudantes buscam meios de viabilizá-la comercialmente.

FACEBOOK
A inovação mais famosa, é claro, é o Facebook, surgido em um dos dormitórios da universidade pelas mãos do ex-aluno Mark Zuckerberg. A rede social -e o filme sobre ela- estão até servindo como atrativo para novos alunos.
"Eu estive em Londres em novembro e um ex-aluno veio contar que, na antiga escola dele, embora ninguém se inscrevesse em Harvard antes, neste ano houve 18 inscritos por conta do filme."
Cada vez mais, concursos de inovação com alunos de Harvard atraem a atenção de investidores. Com 44 prêmios Nobel, a universidade só perde para o vizinho Massachusetts Institute of Technology, o MIT, que tem 74.
Nos últimos sete anos, Harvard criou seu Instituto para Pesquisa em Células Tronco, com 70 pesquisadores e mais de mil estudantes de pós-graduação.
A universidade também ampliou sua divisão de engenharia e ciências aplicadas até fazer dela uma nova escola e criou o Instituto Wyss para engenharia inspirada em biologia (frequentemente criando soluções tecnológicas na medicina).
(LC e GD)


ANUIDADE
AMERICANOS PAGAM POUCO POR HARVARD

Se, para alunos estrangeiros, estudar em Harvard custa cerca de R$ 65 mil, para americanos o valor a ser desembolsado é menor.
Para famílias que ganham R$ 8.300 por mês não há taxa. Os valores crescem conforme a renda.
"É menos do que em qualquer universidade nos EUA", diz a reitora da instituição, Drew Faust.

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