Mais pessoas entre 18 e 22 anos têm deixado estudos de lado, mostra PNAD
Economia aquecida pode ter contribuído para decisão de buscar emprego antes de pensar na faculdade
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
Leticia Moreira/Folhapress
Vinicius Lima, 19, que trabalha no HSBC
Vinicius Lima, 19, que trabalha no HSBC
Uma parcela cada vez maior de jovens entre 18 e 22 anos tem engavetado ou abandonado os planos de estudo para apenas trabalhar.
Entre os homens dessa faixa etária, mais da metade já se dedica exclusivamente ao trabalho -o percentual aumentou de 46,8% em 2001 para 51,1% em 2009. Já as mulheres que só trabalham representavam 31% do total em 2009 contra 27,5% em 2001.
Os dados são da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e foram levantados pelo economista Naercio Menezes Filho, do Insper.
Segundo especialistas, o fato de que mais jovens têm conseguido terminar a escola com a idade de 17 anos ajuda a explicar essa tendência. A fatia de alunos "atrasados" cursando o ensino médio caiu de 52,2% do total em 1992 para 32,9% em 2009.
"Se o jovem tem 18, 19 anos e ainda está no ensino médio pode ter de adiar os planos de trabalhar ou acabar conciliando estudo e trabalho", diz Menezes Filho.
ECONOMIA AQUECIDA
O crescimento mais acelerado da economia brasileira nos últimos anos pode estar contribuindo para a decisão dos jovens de ir direto da escola para o mercado de trabalho, pulando -ainda que temporariamente- a etapa da faculdade.
O contexto de maiores oportunidades de negócios foi, por exemplo, um dos fatores que levaram Filipe Travassos da Silva, 22, a assumir o negócio de terraplenagem do pai, que queria se aposentar. Ele tinha feito um curso de tecnólogo em informática.
"Eu sempre quis me tornar independente, ter meu próprio dinheiro", diz Silva, que considera fazer um curso curto de empreendedorismo, mas não cursar faculdade.
Há casos, no entanto, de jovens que não estão no ensino superior por falta de dinheiro.
"Eu queria fazer publicidade, mas não tinha dinheiro para pagar ", afirma Vinicius Sampaio Lima, 19.
Lima, que terminou o ensino médio com 18 anos e está trabalhando na área de expedição do HSBC, não tentou entrar em uma universidade pública. Ele espera conseguir juntar dinheiro para pagar um curso de fotografia.
Rodrigo Capelato, diretor do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), afirma que, com a expansão da classe média e o aumento de vagas em faculdades privadas, a procura por cursos até aumentou.
"Mas uma fatia grande de alunos acaba trancando o curso porque não consegue pagar a mensalidade ou porque escolhe o curso que pode pagar, mas não se identifica com o mesmo", diz ele.
Yasmin Hussein Chamas, 19, diz que tem vontade de estudar psicologia, mas ouve dizer que "não dá grana". Ela trabalha em uma empresa de telemarketing.
PREOCUPAÇÃO
O afastamento entre os jovens e o ensino superior preocupa especialistas. O problema é agravado pelo fato de que também tem aumentado o percentual de jovens de 18 a 22 anos que não está nem estudando nem trabalhando.
"Os dados são assustadores. Essa é a faixa onde as pessoas estão em seu curso universitário. E as empresas buscam pessoas cada vez mais bem formadas", diz José Tolovi Jr., CEO global da organização Great Place to Work.
Análise
Abertura da economia nos anos 1990 teve efeito sobre os empregos no Brasil
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A abertura da economia à concorrência internacional na década de 90, ao mesmo tempo em que aumentou a produtividade e a competitividade da economia nacional, teve um efeito importante sobre o mercado de trabalho brasileiro.
A redução de tarifas de importação e a eliminação de barreiras não tarifárias geraram aumento de produtividade, forte queda nos preços dos produtos industriais e levaram a um aumento das importações desses bens.
Com isso, muitos setores que sobreviviam devido aos elevados níveis de tarifas e de restrições não tarifárias às importações desapareceram. A redução dos preços dos bens de capital incentivou o aumento dos investimentos.
Inovações tecnológicas que normalmente vêm incorporadas aos bens de capital foram introduzidas na economia. Setores que tinham vantagens comparativas claras, como a agroindústria, contudo, tiveram bom desempenho no período.
Tais mudanças geraram bem-estar para a sociedade brasileira, mas tiveram efeitos importantes sobre o mercado de trabalho do país.
MUDANÇAS
A demanda por algumas ocupações desapareceu, enquanto outras se tornaram escassas. Como é muito oneroso requalificar trabalhadores adultos, a taxa de desemprego deles aumenta.
Não obstante, a adaptação da estrutura de oferta de qualificação depende de trabalhadores que se qualificam nas ocupações cuja oferta é escassa, o que aumenta as chances de terem sucesso no mercado de trabalho.
Esta nova geração de jovens, com mais acesso à educação e qualificação, começou a entrar no mercado de trabalho em 2000 fazendo com que a proporção de profissionais entre 17 e 22 anos que só trabalhavam aumentasse, como mostra o IBGE.
Ao mesmo tempo, o índice de jovens de 15 a 17 anos que só estudam, e que estudam e trabalham, também subiu.
O resultado, por fim, indica que uma parte importante dos jovens brasileiros continua a acreditar no investimento em capital humano como forma de ascensão social. Um bom sinal.
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO é professor do Departamento de Economia da PUC/Rio e economista da Opus Investimentos
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