quarta-feira, 30 de novembro de 2011
José Clovis de Azevedo - O desafio do Ensino Médio
O ensino profissional para os alunos das classes menos favorecidas, e o ensino das letras e das ciências para os socialmente bem situados. Em 1971, a Lei 5.692 tentou quebrar essa dualidade, implantando compulsoriamente o ensino profissionalizante para todos. O caráter impositivo da medida e a ausência de condições materiais e intelectuais para a sua implantação determinaram seu insucesso. Desde então, o Ensino Médio perdeu a sua identidade, com resultados danosos para a juventude.
O diagnóstico desse nível de ensino revela-nos um quadro insustentável, com resultados que agridem a ética e os padrões mínimos de qualidade que se esperam de uma atividade pública financiada pelo esforço do conjunto da sociedade. Temos hoje na rede pública do Estado um índice de reprovação e abandono que reproduz a situação nacional, superior a 30%.
Ou seja, de cada mil alunos que ingressam, 300 são reprovados ou abandonam a escola. Significa que, dos aproximadamente R$ 2 bilhões que o Estado investe a cada ano no Ensino Médio, um terço perde-se no “ralo” do abandono e da reprovação. Mas mais grave que a perda material é a perda humana – os milhares de jovens que veem frustrados os sonhos de conquista de uma vida melhor pela educação.
Em tempo, o Conselho Nacional de Educação emitiu as novas diretrizes para o Ensino Médio, que irá orientar-se pelos eixos – Trabalho, Ciência, Cultura e Tecnologia – que deverão estruturar o currículo em quatro áreas: Linguagens e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias e Matemática e suas tecnologias.
Seguindo estas diretrizes, o governo do Estado colocou em discussão, desde setembro, uma ampla reforma curricular propondo um Ensino Médio que dialogue com o mundo do trabalho, embora não profissionalizante, e o Ensino Médio profissionalizante, com a educação profissional integrada à educação geral.
Esta proposta será implantada em três anos, oportunizando o amplo debate com comunidades escolares, entidades educacionais e, sobretudo, com o protagonismo dos educadores. O nosso objetivo é superar a desmotivação da nossa juventude e resgatar a identidade deste nível de ensino, possibilitando a formação de cidadãos globais humanizados e tecnicamente competentes.
José Clovis de Azevedo Secretário de Estado da Educação do RS
Pré-sal, ciência, tecnologia e educação
Enquanto governadores, deputados e senadores brasileiros se engalfinham num cabo de guerra político pela partilha federativa dos recursos a serem gerados com a exploração do petróleo da camada pré-sal, vai passando quase despercebida e mais uma vez negligenciada a oportunidade histórica de o País garantir o uso desses recursos para dar um salto inédito e há muito necessário nas áreas de ciência, tecnologia e educação.
Se não bastasse atentar para a dívida humana e social que representa o atraso brasileiro nos indicadores de desempenho educacional e nos rankings internacionais de pesquisa e desenvolvimento, vale notar que nenhum país poderá ter um real desenvolvimento, neste século, sem um programa robusto de impulso à inovação que passe, também, pela inclusão intelectual das novas gerações.
Um verdadeiro plano de desenvolvimento da ciência, tecnologia e educação no Brasil não poderá ser feito só com protocolos de intenções, redução da burocracia e fomento pontual a programas e instituições de excelência. Nosso problema não é a falta de instrumentos, é de recursos. Numa palavra, é preciso destinar mais dinheiro, muito mais dinheiro, para que o País possa irrigar essa cadeia de capital humano que começa nas creches, passa pelo ensino fundamental e médio até chegar nas universidades, programas de pós-graduação e centros de inovação associados a empresas capazes de aplicar tecnologias inovadoras na geração de riqueza.
A própria competência para explorar o petróleo do pré-sal e os serviços dele derivados, com autonomia e inteligência, em médio e longo prazos, depende da constante renovação e evolução dessa cadeia intelectual. Nunca o País precisou tanto de engenheiros, geólogos, físicos, químicos, cientistas da computação, matemáticos, entre
tantos outros profissionais cujo talento e formação se empregam em todas as etapas de geração e aplicação do conhecimento.
E não basta dar a esses futuros profissionais um diploma de nível superior. Será preciso, sim, investir na qualidade dessa formação, de modo que sejam dadas as condições para que possam inovar, gerar novas técnicas, processos e produtos intelectualmente apropriáveis e sustentar uma continuada e acirrada competição tecnológica com seus colegas norte-americanos, europeus e asiáticos.
Nas últimas décadas, os ciclos de produção e aplicação do conhecimento se encurtaram, levando a uma convergência temporal entre ciência e tecnologia. Enquanto foram necessários 40 anos desde o estabelecimento das leis da eletricidade e magnetismo até o funcionamento do motor elétrico, a tecnologia mais recente da luz laser, por exemplo, já encontrou utilidade no mesmo ano de seu invento.
Cada vez mais, produtos, processos e serviços tecnológicos têm vida curta, pressionados por um novo ciclo de inovação dentro de uma economia globalizada e com competitividade acelerada. Vale então perguntar: em que, exatamente, o Brasil tem se mostrado inovador? Até hoje, não temos um único Prêmio Nobel, nem científico nem literário. Se quisermos comparar, basta lembrar que a Universidade Rockefeller, de Nova York, sozinha, já recebeu 26 deles, e o mais recente na área da medicina. O fato é que nossos jovens nunca foram devidamente educados para uma cultura baseada em ciência e tecnologia.
Basta olhar em torno. Campos de pelada há em todo lugar, do centro às periferias. Carnaval fora de época, quase todo fim de semana. Já museus de ciência, planetários e bibliotecas são raros, e parecem cada vez menos procurados, assim como a própria carreira de professor, como mostrou estudo recente da Fundação Carlos Chagas. Para mudar isso, ciência e tecnologia precisam impregnar o sistema educacional. Nossa inovação deveria começar pelos métodos e processos de ensino. Ainda estamos longe da "escola parque" sonhada por Anísio Teixeira. Nossos redutos de educação ainda respiram um ar cartorial, com estruturas engessadas, onde a tecnologia é mal-empregada e crescem os impulsos ao bullying e à violência.
Nesse ambiente, os professores vivem uma espécie de síndrome de quatro medos: o medo do aluno, o medo do seu próprio desamparo pedagógico, o medo do conhecimento avassalador que jorra pela internet e o medo do futuro de sua carreira, desprezada não só pelo Estado, mas também pelos sistemas privados, com salários irrisórios e cargas didáticas intensas.
Mas não estamos perdidos. Há diversos bons exemplos de como virar esse jogo espalhados pelo Brasil. Um deles é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que aproximou a ciência e tecnologia do agronegócio nacional. Ainda falta popularizar a banda larga, informatizar escolas, disseminar o uso de computadores pessoais, criar centenas de museus e centros de ciência, promover o uso cívico das redes sociais e a produção de conteúdos educativos por agências multimídia, entre outras propostas que tive a oportunidade de apresentar durante a 4.ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, em 2010, em Brasília.
Agora, nossas esperanças repousam na angustiada solicitação da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para que parte dos recursos do petróleo do pré-sal seja destinada, em lei, para esses urgentes investimentos em ciência, tecnologia e inovação, formando o alicerce do desenvolvimento futuro do País. A meta deve ser, no mínimo, duplicar o volume de recursos investidos ao ano nessas áreas. Esse, sim, seria um verdadeiro salto de desenvolvimento do Brasil.
Sérgio Mascarenhas é físico, presidente honorário da SBPC, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e professor emérito do Instituto de Física de São Carlos, da USP.
A situação das universidades brasileiras
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação em vigor (Lei No. 9.394 de 20/12/1996) dedica um capítulo especial ao ensino superior (capítulo IV) onde deixa clara a possibilidade desta modalidade de ensino ocorrer em "instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização" (como especificado no substitutivo do Senado, Universidades, Centros de Educação Superior, Institutos, Faculdades e Escolas Superiores). Consequentemente, as instituições que desejam atuar no campo do ensino superior contam com múltiplas possibilidades de organização institucional. Na maioria das vezes, no entanto, preferem receber a denominação de universidade.
É fundamental que os Conselhos Nacional e Estadual de Educação, bem como o MEC, estejam permanentemente atentos no sentido de preservar o conceito internacional da denominação "Universidade". Esta instituição centenária foi criada para atuar, como explicitado na LDB, para "estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo" bem como "incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia e da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive".
Carlos Chagas Filho, pioneiro na atividade científica na universidade brasileira, definia universidade como "um centro de pesquisa, e porque pesquisa, ensina". Logo, uma verdadeira Universidade deve contar com um corpo docente de excelente formação, exercendo permanentemente uma atividade criativa nos mais variados campos do conhecimento, tendo participação ativa na formação de quadros de alto nível necessários, por um lado, para o avanço do conhecimento e, por outro, para o desenvolvimento do País.
No caso do Brasil, o Conselho Nacional de Educação e o MEC estabeleceram regras mínimas para que uma instituição possa ser considerada uma Universidade. Esta regra exige apenas que a instituição conte com pelo menos três cursos de pós-graduação em nível de mestrado e um de doutorado. A partir de 2013 haverá necessidade de quatro cursos de mestrado e dois de doutorado.
Estudo realizado recentemente por Antônio Freitas, que integra o CNE, tendo como bases os dados da Capes, verificou que cerca de 40% das universidades brasileiras não preenchem os requisitos mínimos mencionados acima. Algumas, inclusive, não contam com nenhum curso de pós-graduação, infringindo claramente a legislação vigente.
Algumas, mantidas por governos estaduais, chegam a ter a coragem de afirmar que, tanto o CNE como o MEC, não têm competência legal para legislar sobre a matéria. Esquecem que a própria LDB deixa claro no seu Título IV, Artigo oitavo, Parágrafo primeiro, que "caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas, e exercendo função normativa, xxxx"". Os Conselhos Estaduais atuam na área do ensino superior público por delegação do CNE.
Cabe ao MEC e ao CNE atuarem com rigor com o objetivo de preservar o conceito de Universidade em nosso país. Uma simples análise da produção de conhecimento no Brasil permite constatar que são poucas as instituições que, efetivamente, merecem ser consideradas como Universidades.
A grande maioria das instituições de ensino superior no Brasil se enquadra perfeitamente, e sem nenhum demérito, no conceito de Centro Universitário. Afinal, esta última instituição desempenha importante papel na formação de quadros profissionais nas mais diferentes áreas do conhecimento e que são importantes para o desenvolvimento do país. Elas podem ou não exercer atividade de pesquisa ou contarem ou não com cursos de pós-graduação, nada impedindo que venham posteriormente a se transformarem em Universidades.
Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, diretor de Programas do Inmetro, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
A USP e a corrosão do caráter
Acadêmicos brasileiros pouco afeitos à cultura imaginam que noções éticas, morais, científicas surgem apenas em textos considerados relevantes nas seitas universitárias. A preguiça e a pressa na publicação, unidas, logo brotam juízos "definitivos" sobre algum campo do pensamento. Assim ocorre com o tema antigo sobre a presença ou ausência de caráter nas pessoas. Os supostos pesquisadores consideram que o conceito de uma corrupção do caráter aparece com o sociólogo norte-americano Richard Sennett. Esse teórico, é certo, muito ajuda a entender a vida moderna. Seu livro sobre o caráter corrompido integra uma série de textos que narram, com olhar clínico, as mudanças e o estilhaçamento de valores na sociedade urbana ocidental. Com a flexibilização do trabalho e a insegurança resultante, temos a massa dos que perderam a confiança nos governos e nos mercados. Outra obra de Sennett indica a crise da sociedade e do Estado. Trata-se do monumental O Declínio do Homem Público. Ali, ele demonstra o quanto as formas do Estado foram enfraquecidas, após o século 18, em proveito das "intimidades tirânicas", os movimentos que prometem às minorias a defesa de seus direitos sem passar pelos mecanismos do poder público.
Baseando-se na "identidade" assumida pelos indivíduos, tais movimentos assumem formas repressivas das quais é quase impossível escapar. Antes de ser um cidadão, o sujeito pertenceria à sua "comunidade", cujas causas importam mais do que as coletivas. A primeira vítima da corrosão do caráter é a vida pública. Movimentos como os descritos por Sennett conduzem milhões às ruas para exercer pressão sobre a sociedade e o Estado. Mas pouco ou nada fazem diante de descalabros ocorridos na economia, no Judiciário, no Executivo, nos Parlamentos. A identidade maior deixa de ser a cidadania e se transfere para instâncias que defendem particularidades. Sennett respeita os referidos modelos intimistas, mas também mostra o quanto sua pauta é unilateral e autoritária, tiranizando seus adeptos. A corrosão do caráter é potencializada quando os grupos e indivíduos assumem o perfil da militância. O militante padrão, por mimetismo, sacrifica normas éticas, sociais e políticas em proveito de seu movimento, visto por ele como a fonte última dos valores. Todos os demais âmbitos seriam movidos por interesses escusos. A maior parte do material histórico e sociológico usado por Sennett vem dos EUA e da Europa.
No Brasil, temos um campo mais complexo. Aqui, longe de permanecerem distantes e hostis aos poderes públicos, lutando contra eles na concorrência para dominar indivíduos e grupos, movimentos sociais mantêm excelentes tratos com os governos e Parlamentos. Eles sabem aplicar ventosas nos cofres estatais (as ONGs...) de modo a expandir suas forças, mas guardam a retórica contrária ao Estado. A busca de verbas põe a militância ao dispor de partidos políticos hegemônicos. O militante exerce seu fervor de tal modo que, em pouco tempo, pratica o que suas doutrinas condenavam ou condenam. O militante, cujo caráter foi corroído, julga que os interesses sociais alheios à sua pauta são "burgueses", "abstratos", "conservadores". Ele se imagina autorizado a manter em lugares estratégicos oligarcas exímios na arte de roubar os cofres públicos. Na superfície, movimentos como a UNE (e suas subsidiárias) arvoram palavras de esquerda. Mas dão suporte às mais retrógradas forças políticas. Líderes estudantis que ontem lutavam contra a corrupção, ao subirem ao poder de Estado, guardam excelentes relações com oligarcas truculentos.
Entre as manifestações contra Fernando Collor e o realismo de hoje não existiria, para a esquerda oficial, nenhum elo. Os valores antes repetidos qual ladainhas são ditos "bravatas" pelos que aderiram à razão de Estado corrompida. A militância é processo corrosivo a ser notado em todas as profissões. Em todos os setores da vida social e política ela dissolve valores efetivos em prol dos dirigentes demagógicos e de suas alianças em proveito próprio.
A que assistimos na USP nos últimos dias? Lutas contra o arbítrio autoritário dos oligarcas? Denúncias de corrupção política (que lesa milhões de brasileiros em termos de educação, saúde, cultura, ciência e tecnologia)? Batalhas contra a falta de democracia nos grandes partidos, nos quais os dirigentes são donos das alianças, das candidaturas, dos cofres, sem ouvir as bases? Movimentos contra o privilégio de foro, algo que faz de nosso Estado um absolutismo contrário à República? A pauta dos militantes, professores e alunos é alienada em todos os sentidos, da marijuana ao populismo rasteiro. Militantes fazem sua revolução em escala micrológica contra o reitor, mas os dirigentes nacionais do movimento estudantil negociam apoio aos donos do poder, os verdadeiros soberanos.
Aviso aos bajuladores do petismo: a noção de caráter é velha como o saber humano e foi estudada, sobretudo, por um pensador "burguês", Immanuel Kant. Para ele, o caráter é "marca distintiva do ser humano como racional, dotado de liberdade". O caráter "indica o que o ser humano está preparado para fazer a si mesmo". Dentre as técnicas para a corrosão do caráter, as drogas são as piores. É irresponsabilidade ética afirmar que elas não prejudicam os usuários ou "ajudam a melhorar a imaginação nas artes e nas ciências". A leitura de pesquisas como a de Alba Zaluar, sobre a indústria das drogas, traria prudência aos seus apologetas nos campus. Militantes sempre ignoram e combatem a liberdade e a dignidade alheias, basta ver as multidões que apoiaram tiranias modernas, do fascismo ao stalinismo. Hoje, na USP, a militância aposenta a busca de "mudar o mundo". Sobram os coquetéis Molotov para a defesa do nada, da irrelevância absoluta, da morte.
Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia na Unicamp, é autor, entre outros livros, de "O Caldeirão de Medeia" (Perspectiva).
A pesquisa acadêmica e as políticas públicas no Brasil
No Brasil, a maior parte das pesquisas acadêmicas é financiada com recursos públicos. Em algumas áreas, como as ciências humanas e sociais, o financiamento público chega a quase 100%. De uma pesquisa assim custeada, espera-se que contribua para o entendimento e/ou solução dos grandes dilemas vividos pela população que a financia. Disse dilemas e não problemas, justamente para fugir da idéia de que o financiamento público só é legítimo para aquelas pesquisas que tragam soluções para os problemas do cotidiano da população. Afinal, como já dizia o poeta, "a gente não quer só comida..." e um sonho pode, tanto quanto a falta de comida, trazer à baila os grandes dilemas do humano.
Dito isto, é preciso reconhecer legítimo cobrar, também, que parte da pesquisa acadêmica, qualquer que seja a área esteja relacionada os problemas que afligem a população, notadamente aqueles problemas que são afetos aos direitos e deveres definidos por nossa Carta maior e que são objeto de atenção das políticas públicas. Ou seja, e legítimo cobrar que as pesquisas custeadas pela população por meio dos impostos não estejam voltada apenas para o atendimento dos critérios e modos de consagração acadêmicos. E, para isto, parte significativa da comunidade acadêmica brasileira está atenta.
Mas o problema que estamos enfrentando, hoje, no Brasil, é de outra natureza: o que se observa, muitas vezes, é a desconsideração, por parte dos gestores públicos, do conhecimento acumulado nas diversas áreas, conhecimento este que poderia ajudar a entender e resolver alguns dos graves problemas que afligem a nossa população. O debate público sobre o Código Florestal é disso um exemplo eloqüente e, infelizmente, não é o único. E olhe que nós estamos falando na mais importante instituição legislativa do país, que conta com uma assessoria técnica das mais competentes e bem pagas da República! Ou seja, não raras vezes o legislativo, o executivo e o judiciário brasileiros, atendendo a interesses muito pouco públicos (e publicáveis!), não se incomodam em ignorar aqueles conhecimentos já disponíveis, mas que contrariam os seus interesses e daqueles que os financiam.
Mas se o caso do Código Florestal é eloqüente, nem de longe é o único. Em artigo publicado aqui neste mesmo JC E-mail, defendi a idéia que não é por falta de conhecimento sobre a realidade educacional brasileira que as nossas escolas têm uma qualidade muito aquém do que nossa população merece. E não se trata apenas da escola pública. Boa parte da rede de escolas privadas no Brasil apresenta uma qualidade no mínimo duvidosa, apesar do alto custo que representa para as camadas médias que abdicaram do direito à educação pública. Afirmava, na ocasião, que existe um acúmulo muito grande de conhecimento sobre a escola brasileira, fruto sobretudo do que se produz nos Programas de Pós Graduação, mas que os mesmos não são mobilizados pelos operadores das políticas públicas para a área. Ou seja, há variáveis, notadamente políticas, que se interpõem entre o conhecimento disponível e as opções realizadas pelos gestores das políticas públicas.
Ainda no campo da educação, recentemente, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República mobilizou vários setores do Brasil e do exterior, inclusive um prêmio Nobel, para discutir e propor alternativas para as políticas para a primeira infância no Brasil. No entanto, o convidados, as discussões que se processaram no evento e que foram publicadas pela imprensa e a leitura dos textos de referência disponíveis no site do Seminário Cidadão do Futuro revelam que, estranhamente, a enorme produção que há, no Brasil, a respeito do tema, muitas vezes financiada pelo próprio MEC, foi totalmente ignorada. E não se pode dizer, ressalte-se, que seja porque ela não tem qualidade ou que não seja operacionável como política pública. Só pode dizer isto que não conhece o que se produz a respeito do atendimento à primeira infância na USP de Ribeirão Preto, na Fundação Carlos Chagas, na PUC do Rio, na Federal de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul, apenas para dar uns poucos e parcos exemplos da enorme comunidade acadêmica brasileira sobre o tema.
Um dos temas centrais do seminário, a necessidade integração das políticas para a primeira infância, tem sido sistematicamente estudada e defendida pelos pesquisadores da área de educação infantil no Brasil. Por que será que estes foram esquecidos na mesma proporção que foram muito lembrados os pesquisadores da saúde e da economia que estudam o mesmo assunto? Será que estaremos, agora, voltando aos anos 60 e 70 do século 20 e defendendo a medicalização da primeira infância e o investimento no capital humano desde criancinha ou às preconceituosas políticas compensatórias, tão criticadas entre nós desde os anos 70 pelo menos?
Se é legítimo cobrar que a pesquisa acadêmica financiada com recursos públicos ajude a responder os grandes dilemas e problemas que afligem a população que a financia, é legítimo também que a comunidade acadêmica cobre dos gestores públicos que levem em conta o conhecimento hoje disponível na operacionalização das políticas. Não é legítimo, assim, que as disputas e os interesses políticos divergentes entre os gestores públicos leve à ignorância do conhecimento produzido para melhorar a política pública ou que tais disputam acabem por reforçar doutas ignorâncias sobre a realidade brasileira, mesmo que estas sejam de um ganhador do prêmio Nobel!
Luciano Mendes de Faria Filho é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil - 1822/2022.
sábado, 19 de novembro de 2011
Por que nossas firmas não inovam?
Um dos principais meios para aumentar o crescimento econômico de forma consistente ao longo de vários anos é por meio do crescimento da produtividade. Quando a produtividade cresce, o país produz mais com o mesmo nível de capital e trabalho, e assim sua renda per capita cresce mais rapidamente. Um dos principais problemas do Brasil nas últimas décadas tem sido o baixo crescimento da produtividade, que decorre, em grande parte, da baixa taxa de inovações das firmas brasileiras, apesar da existência de uma série de incentivos. Por que as firmas brasileiras resistem tanto a inovar?
O nosso problema com a produtividade vem de longa data. Pesquisas indicam que a produtividade agregada da economia brasileira vem caminhando a passos lentos desde meados da década de 70. Mais recentemente, entre 1995 e 2005, enquanto a produtividade no mundo avançava a uma taxa de 1% ao ano (mesma dos Estados Unidos) e 1,5% na China, no Brasil ela declinava 0,3% ao ano. Entre 2005 e 2008, o crescimento anual médio da produtividade foi de 4,1% na China e 2,3% na Índia, enquanto no Brasil ela declinou 0,8%. Há algo de errado por aqui.
Com relação às inovações, os dados da Pesquisa de Inovação Tecnológica do IBGE (Pintec) mostram que a parcela de firmas inovadoras na indústria cresceu apenas 6,5 pontos percentuais nos últimos 10 anos, passando de 32% no período entre 1998 e 2000 para 38% entre 2006 a 2008. Pior ainda, a porcentagem de empresas do setor industrial que investem em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para gerar novas ideias e produtos, passou de 10% em 2000 para apenas 4,2% em 2008.
O mais surpreendente é que nós temos no Brasil um conjunto de leis que se destinam especificamente a financiar a inovação. Tanto a Finep como o BNDES tem vários programas para fomentar a inovação, subsidiando atividades de P&D, inclusive com recursos não reembolsáveis (a fundo perdido). Além disso, o governo federal tem introduzido várias leis nos últimos anos para tentar aumentar as inovações, sem nenhum efeito substantivo. Afinal, por que as empresas brasileiras resistem tanto a inovar?
Parece que no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, não é necessário inovar para sobreviver e crescer. Existem no Brasil fortes barreiras à competição, que fazem com que empresas ineficientes operem em todos os setores da economia. A falta de competição advém da dificuldade de abrir novas firmas e de obtenção de crédito barato para expansão das pequenas empresas existentes. Essas dificuldades são agravadas pelas políticas de favorecimento às grandes empresas, predominante no atual governo. O País protege e subsidia setores que precisariam de mais competição. O recente aumento do IPI para os veículos importados é um exemplo claro de política econômica equivocada nessa linha. Para as empresas que poderiam inovar, é muito mais fácil (e menos arriscado) gastar recursos para obter favores do governo (lobby) do que investir em P&D.
O outro fator que limita as inovações é a baixa qualificação da nossa mão de obra. A figura ao lado, por exemplo, mostra a relação entre a nota de matemática no Pisa (exame internacional realizado pela OCDE em 2009 com alunos de 15 anos de idade) e o número de aplicações internacionais para patentes na "World Intellectual Property Organization" (Wipo) para alguns países. A relação é bastante clara. Países como a Finlândia e Coreia do Sul têm sistemas educacionais de alto nível e, portanto, facilidade para lançar novos produtos e desenvolver novas ideias. Portanto, têm uma alta taxa de patentes. Por outro lado, países como o Brasil, Argentina, Colômbia e Peru estão na situação oposta.
Em suma, apesar das perspectivas sombrias pela frente, os Estados Unidos tiveram um crescimento de produtividade invejável nas últimas décadas, com lançamento constante de novos produtos, cujo maior ícone foi Steve Jobs. Enquanto isso, por aqui proliferam políticas anticompetitivas, com favorecimento a grupos específicos e empresas gastando recursos com lobby para entrarem no clube. Tudo isto é agravado por uma deficiência crônica de mão de obra qualificada. Por isso as empresas brasileiras não inovam.
Naercio Menezes Filho é professor titular da Cátedra IFB, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, e professor associado da FEA-USP.
Alunos analfabetos
No primeiro semestre deste ano, aplicou-se a Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) em turmas de alunos que concluíram o 3º ano do ensino fundamental, em todas as capitais do País. Uma iniciativa do movimento Todos pela Educação com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
O resultado é alarmante. Constatou-se que 43,9% dos alunos são deficientes em leitura e 46,6% em escrita. Ou seja, são semialfabetizados. Não captam o significado do que leem e redigem uma simples carta com graves erros de sintaxe e concordância.
Quanto à leitura, quase metade (48,6%) dos alunos da rede pública correspondeu ao resultado esperado. Na rede de escolas particulares, o desempenho foi bem melhor: 79%. No item escrita, tiveram bom resultado apenas 43,9% dos alunos da rede pública. Na rede particular, 86,2% dos alunos se saíram bem em redação.
Os índices demonstram que, no Brasil, a desigualdade social se alia à desigualdade educacional. Alunos da rede pública, oriundos, na maioria, de famílias de baixa renda, não trazem de berço o hábito da leitura. Seus pais possuem baixa escolaridade e o livro não é considerado um bem essencial a ser adquirido, como ocorre em famílias de renda mais elevada.
De qualquer modo, é preocupante o fato de alunos, tanto da rede pública quanto da particular, não atingirem 100% de alfabetização ao concluir o 3º ano do ensino fundamental. O que demonstra falta de método de alfabetização, embora esta seja a nação que gerou Paulo Freire.
Uma criança que, aos 8 anos, tem dificuldade de leitura e escrita sente-se incapaz de lidar com os textos de outras disciplinas escolares, o que prejudicará seu aprendizado. Uma alfabetização incompleta constitui incentivo ao abandono da escola ou a uma escolaridade medíocre.
É hora de se perguntar se a progressão automática, isto é, fazer o aluno passar de ano sem provar estar em condições, é uma pedagogia recomendável. Com certeza, no futuro, o adulto com insuficiente escolaridade não merecerá aprovação automática em empregos que exigem concurso e qualificação.
Priscila Cruz, do Todos pela Educação, frisa a importância da educação infantil (creches, jardim da infância etc.) para dar à criança uma boa alfabetização. Para que se desperte na criança a facilidade de síntese cognitiva é importante que ela comece a ouvir histórias ainda no ventre materno.
O Brasil é um país às avessas. A Constituição de 1988 cometeu o erro de incumbir a União do ensino superior; o estado, do ensino médio; e o município, do ensino fundamental. Ora, uma nação se faz com educação. E a base reside no ensino fundamental. Dele devia cuidar o MEC.
Nenhum governo implementou, ainda, a revolução educacional sonhada por Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire e tantos outros educadores. Como acreditar que apenas quatro horas de permanência na escola são suficientes para uma boa educação? Por que os alunos não permanecem de seis a oito horas por dia na escola, como ocorre em tantos países?
No Brasil, 10% da população adulta é considerada analfabeta. No Chile, 3,4%. Na Argentina, 2,8%. No Uruguai, 2%. Em Cuba e na Bolívia, 0%. Outros fatores que contribuem para a semialfabetização são o desinteresse dos pais pelo desempenho escolar do filho e o longo tempo que este dedica à tevê e a navegar aleatoriamente na internet. Nessa era imagética, há o sério risco de se multiplicar o número de analfabetos funcionais ou de alfabetizados iletrados, aqueles que sabem ler, mas não interpretar o texto, e muito menos evitar erros primários na escrita.
O governo deve à nação uma eficiente campanha nacional de alfabetização, inclusive entre alunos dos 3º e 4º anos. Para isso, há que ter método. Há vários. Quem se interessar por um realmente eficiente, basta indagar do deputado Tiririca como ele se alfabetizou em dois meses, a tempo de obter seu diploma na Justiça Eleitoral.
Frei Betto é escritor.
Pesquisa cria 'superisopor' feito de metal
O produto foi criado em pesquisa financiada por Boeing e GM e poderia ser aplicado em bateria ou como amortecedor
RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON
Um novo tipo de material ultraleve, com um centésimo da densidade do isopor, combina a resistência dos metais com a elasticidade da borracha. O produto, criado em pesquisas financiadas pela Boeing e pela GM, promete aplicações que vão de amortecimento de choque a baterias elétricas sofisticadas.
Composto por hastes tubulares microscópicas de níquel, o material foi capaz de retomar 98% de sua forma original após ser comprimido a 50% de seu tamanho.
Cientistas dos Laboratórios HRL (centro de pesquisa que as duas empresas mantêm na Califórnia) descrevem essa microarmação metálica em estudo na revista "Science".
"A tabela periódica tem um número limitado de elementos, e e a ciência já está esgotando as possibilidade sobre o que é possível fazer com novas misturas e novas ligas metálicas", disse à Folha Tobias Schaedler, cientista autor da invenção. "O que estamos fazendo agora é levar a produção de material a um novo nível, no qual aproveitamos materiais sólidos e ligas maciças, mas os estruturamos de maneira ordenada."
A nova microarmação de níquel, que possui detalhes microscópicos e nanoscópicos (da escala de milionésimos de milímetro) é feita a partir de um material especial, um tiol, polímero líquido que vira sólido ao ser irradiado com luz ultravioleta.
Desenhando uma armação com raios luminosos dentro de um tanque, os cientistas despejam o tiol no recipiente, e a substância se solidifica onde os feixes de luz correm, formando micro-hastes.
Depois, os cientistas as recobrem com níquel e retiram polímero de dentro, restando só a armação oca de microtubos de metal.
Apesar de ser altamente resistente, 99,99% do produto é puro ar, por isso fica tão leve -só 0,9 miligramas por centímetro cúbico. Segundo os cientistas, todo esse vazio torna o material interessante também em placas de isolamento acústico e térmico.
Schaedler diz que a Boeing e a GM já estão utilizando o material em projetos novos, mas ainda não pode revelar quais são. "Você pode imaginar que um material tão leve seria extremamente útil dentro de qualquer coisa que voe", diz o cientista.
A microarmação de níquel superou tentativas anteriores de fazer materiais com as mesmas propriedades. Espumas metálicas e um gel sólido de sílica, por exemplo, conseguiram obter densidades até menores, mas foram esmigalhados quando submetidos à mesma pressão.
Schaedler diz que ainda não sabe exatamente quanta pressão o novo material aguenta, porque os testes iniciais se concentraram no estudo de elasticidade.
"É claro que nossa microarmação de níquel não é tão resistente quanto blocos maciços do mesmo metal, mas ela perde muito pouco da resistência se comparada a espumas metálicas, que têm estrutura aleatória."
Ele afirma que a inspiração para as microarmações veio, em parte, da arquitetura.
"Grandes edificações, como a Torre Eiffel, são muito fortes e muito leves graças à qualidade do projeto de suas estruturas arquitetônicas."
"Nós estamos tentando usar esse conceito agora ao estruturar materiais na escala micrométrica e nanométrica", disse o pesquisador.
Por que professor ganha menos que executivo? - KLAUS SCHWAB
Crescente número de vozes, de várias esferas da sociedade, está demonstrando a sua solidariedade às atividades contra o capitalismo, um reflexo da frustração generalizada dos cidadãos. E por boas razões: porque até agora foi o contribuinte - o cidadão médio - que teve de pagar pela crise econômica e pelas dívidas nos Estados Unidos e na Europa. Aumento do desemprego, mais impostos e cortes nos sistemas de bem-estar e de saúde nos trouxeram à beira de uma crise social.
Sem dúvida, esses protestos contra o capitalismo conseguiram captar a essência dos nossos tempos. Mas não basta simplesmente condená-lo por seus inegáveis excessos. Precisamos fazer uma análise mais profunda do sistema capitalista e por que, em sua atual forma, ele não se encaixa mais no mundo ao nosso redor.
Quando a crise começou, em janeiro de 2009, durante minha palestra de abertura em Davos, eu disse: "Hoje, as pessoas ao redor do mundo estão me perguntando como foi possível tomar decisões - baseadas em ganância ou incompetência e sem nenhuma fiscalização efetiva - que tiveram consequências terríveis, não somente para a economia global, mas também para pessoas reais, que perderam suas aposentadorias, suas casas e seus empregos. Essas pessoas estão desnorteadas, confusas e com medo e raiva".
Naquela época, o mundo esperava que a crise fosse produzir uma reavaliação básica do comportamento de executivos de alto escalão no mundo dos negócios, em especial no setor de serviços financeiros. Depois de praticamente três anos, ainda não aprendemos com os erros do passado. O sistema que nos levou até essa crise é obsoleto, e não é de hoje. A crise não será superada no longo prazo se continuarmos renegando a necessidade de revisar o sistema. O capitalismo precisa ser reformulado, por três motivos:
O capitalismo é desequilibrado. O uso do capital virtual para especular aumentou muito e de maneira desproporcional comparado com o capital real, e está fora de controle. Precisamos de transações financeiras para equilibrar os riscos, mas não transações especulando sobre a própria especulação.
O sistema original capitalista apresentava uma divisão clara: entre o empreendedor, que suportava o risco do investimento, cuja recompensa é o lucro; e o executivo, cuja tarefa profissional é garantir o futuro da empresa no longo prazo e proteger os interesses de todas as partes interessadas. Com um sistema de bônus excessivo, o executivo alia-se aos interesses dos proprietários do capital, desvirtuando o sistema. Este é o problema fundamental da situação hoje: os salários excessivos corroeram a ética empresarial dos executivos.
O capital deixou de ser um fator decisivo para a produção, na atual economia global. Ideias inovadoras ou serviços intangíveis estão ocupando o espaço das vantagens competitivas, reduzindo a importância do capital. Além disso, com padrões de vida em ascensão, o foco geral está mudando de quantidade para qualidade. O sucesso econômico, no futuro, não será mais decidido pelo capital, mas pelo "talento" como fator de produção. Então, nesse sentido, estamos migrando do capitalismo para o "talentismo".
As demonstrações que estão ocorrendo ao redor do mundo são perigosas quando usadas como meio de iniciar uma guerra entre as classes sociais. Precisamos de novos impulsos que nos levem a reavaliar a situação e implementar as ações corretivas necessárias para remediar o sistema. Devemos converter o capitalismo de volta a uma economia de mercado social. Como o passado demonstrou claramente, outros sistemas econômicos, como o socialismo doutrinário, não oferecem alternativas viáveis. Ponto-chave de uma tal reforma precisa ser a redução dos excessos de produtos financeiros e da participação de executivos nos lucros.
Acima de tudo, o trabalho do executivo deve voltar a ser um posto profissional. Algumas empresas justificam o pagamento de salários e prêmios estratosféricos pelo fato de o talento ser frequentemente o principal fator de sucesso. Porém o talento não é importante apenas na profissão do executivo, mas em qualquer emprego.
Por que um professor excelente deveria ganhar menos que um executivo? Por que um cirurgião reconhecido mundialmente deveria ganhar menos que o CEO de uma empresa global?
Num mundo ideal, todos devem ganhar de acordo com sua responsabilidade e seu desempenho. A maior motivação profissional deve ser a vocação - não somente o desejo de lucrar. Medidas para diferenciar executivos de pessoas que correm riscos também devem reprimir transações financeiras em que os lucros beneficiem apenas os indivíduos envolvidos, enquanto os riscos são coletivos e o contribuinte acaba pagando a conta quando tudo der errado.
Outro princípio orientador importante na reforma do nosso sistema econômico é o conceito de partes interessadas, que defini pela primeira vez há mais de 40 anos. O conceito de partes interessadas assume que a empresa é uma comunidade social de muitas partes diferentes - ou seja, diferentes grupos sociais que estão ligados direta ou indiretamente pela empresa. O objetivo de uma liderança responsável é garantir o sucesso no longo prazo e a viabilidade da companhia e, assim, atender a todos os intervenientes, não somente aos interesses de curto prazo dos acionistas.
Em suma, precisamos avançar do capitalismo excessivo para uma economia de mercado em que a responsabilidade e as obrigações sociais não sejam palavras vazias.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Cresce número de jovens que priorizam o trabalho
Economia aquecida pode ter contribuído para decisão de buscar emprego antes de pensar na faculdade
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
Leticia Moreira/Folhapress
Vinicius Lima, 19, que trabalha no HSBC
Vinicius Lima, 19, que trabalha no HSBC
Uma parcela cada vez maior de jovens entre 18 e 22 anos tem engavetado ou abandonado os planos de estudo para apenas trabalhar.
Entre os homens dessa faixa etária, mais da metade já se dedica exclusivamente ao trabalho -o percentual aumentou de 46,8% em 2001 para 51,1% em 2009. Já as mulheres que só trabalham representavam 31% do total em 2009 contra 27,5% em 2001.
Os dados são da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e foram levantados pelo economista Naercio Menezes Filho, do Insper.
Segundo especialistas, o fato de que mais jovens têm conseguido terminar a escola com a idade de 17 anos ajuda a explicar essa tendência. A fatia de alunos "atrasados" cursando o ensino médio caiu de 52,2% do total em 1992 para 32,9% em 2009.
"Se o jovem tem 18, 19 anos e ainda está no ensino médio pode ter de adiar os planos de trabalhar ou acabar conciliando estudo e trabalho", diz Menezes Filho.
ECONOMIA AQUECIDA
O crescimento mais acelerado da economia brasileira nos últimos anos pode estar contribuindo para a decisão dos jovens de ir direto da escola para o mercado de trabalho, pulando -ainda que temporariamente- a etapa da faculdade.
O contexto de maiores oportunidades de negócios foi, por exemplo, um dos fatores que levaram Filipe Travassos da Silva, 22, a assumir o negócio de terraplenagem do pai, que queria se aposentar. Ele tinha feito um curso de tecnólogo em informática.
"Eu sempre quis me tornar independente, ter meu próprio dinheiro", diz Silva, que considera fazer um curso curto de empreendedorismo, mas não cursar faculdade.
Há casos, no entanto, de jovens que não estão no ensino superior por falta de dinheiro.
"Eu queria fazer publicidade, mas não tinha dinheiro para pagar ", afirma Vinicius Sampaio Lima, 19.
Lima, que terminou o ensino médio com 18 anos e está trabalhando na área de expedição do HSBC, não tentou entrar em uma universidade pública. Ele espera conseguir juntar dinheiro para pagar um curso de fotografia.
Rodrigo Capelato, diretor do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), afirma que, com a expansão da classe média e o aumento de vagas em faculdades privadas, a procura por cursos até aumentou.
"Mas uma fatia grande de alunos acaba trancando o curso porque não consegue pagar a mensalidade ou porque escolhe o curso que pode pagar, mas não se identifica com o mesmo", diz ele.
Yasmin Hussein Chamas, 19, diz que tem vontade de estudar psicologia, mas ouve dizer que "não dá grana". Ela trabalha em uma empresa de telemarketing.
PREOCUPAÇÃO
O afastamento entre os jovens e o ensino superior preocupa especialistas. O problema é agravado pelo fato de que também tem aumentado o percentual de jovens de 18 a 22 anos que não está nem estudando nem trabalhando.
"Os dados são assustadores. Essa é a faixa onde as pessoas estão em seu curso universitário. E as empresas buscam pessoas cada vez mais bem formadas", diz José Tolovi Jr., CEO global da organização Great Place to Work.
Análise
Abertura da economia nos anos 1990 teve efeito sobre os empregos no Brasil
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A abertura da economia à concorrência internacional na década de 90, ao mesmo tempo em que aumentou a produtividade e a competitividade da economia nacional, teve um efeito importante sobre o mercado de trabalho brasileiro.
A redução de tarifas de importação e a eliminação de barreiras não tarifárias geraram aumento de produtividade, forte queda nos preços dos produtos industriais e levaram a um aumento das importações desses bens.
Com isso, muitos setores que sobreviviam devido aos elevados níveis de tarifas e de restrições não tarifárias às importações desapareceram. A redução dos preços dos bens de capital incentivou o aumento dos investimentos.
Inovações tecnológicas que normalmente vêm incorporadas aos bens de capital foram introduzidas na economia. Setores que tinham vantagens comparativas claras, como a agroindústria, contudo, tiveram bom desempenho no período.
Tais mudanças geraram bem-estar para a sociedade brasileira, mas tiveram efeitos importantes sobre o mercado de trabalho do país.
MUDANÇAS
A demanda por algumas ocupações desapareceu, enquanto outras se tornaram escassas. Como é muito oneroso requalificar trabalhadores adultos, a taxa de desemprego deles aumenta.
Não obstante, a adaptação da estrutura de oferta de qualificação depende de trabalhadores que se qualificam nas ocupações cuja oferta é escassa, o que aumenta as chances de terem sucesso no mercado de trabalho.
Esta nova geração de jovens, com mais acesso à educação e qualificação, começou a entrar no mercado de trabalho em 2000 fazendo com que a proporção de profissionais entre 17 e 22 anos que só trabalhavam aumentasse, como mostra o IBGE.
Ao mesmo tempo, o índice de jovens de 15 a 17 anos que só estudam, e que estudam e trabalham, também subiu.
O resultado, por fim, indica que uma parte importante dos jovens brasileiros continua a acreditar no investimento em capital humano como forma de ascensão social. Um bom sinal.
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO é professor do Departamento de Economia da PUC/Rio e economista da Opus Investimentos
Magistério, uma profissão em extinção?
Acabou-se o mês de outubro, tradicionalmente dedicado ao professor, mas o drama destes profissionais e da educação brasileira continua. E, em vários atos:
1º Ato: levantamento do professor João Waldir, coordenador do Colegiado Especial das Licenciaturas da UFMG, uma das maiores universidades do País, mostra que em 1990 "em 2000, dos 17 cursos mais concorridos, seis formavam professores. Em 2012, não há um único curso de licenciatura entre os 15 mais concorridos. Há dez anos, Biologia, História, Pedagogia e Educação Física tinham mais de 20 candidatos por vaga; atualmente, eles têm, respectivamente, 3,5; 4,8; 3,0 e 2,1. Mantida a atual tendência, em cinco anos não teremos candidatos aos cursos de Licenciatura."
2º Ato: "Se eu ganhasse R$712,00 eu ia ser servente de pedreiro", fala de Flávio Castro, do assessor do Lider do Governo na ALMG, aos professores em greve.
3º. Ato: "Mas você é tão inteligente, porque vai fazer licenciatura?", fala que os alunos de graduação ouvem de seus professores de vários departamentos das universidades pelo Brasil afora.
4º Ato: "Antes de mais nada, os relatos deixam claro que as alunas tiveram de vencer o preconceito de suas famílias e de seu meio social mais amplo em relação ao curso de Pedagogia. Via de regra, esse curso não é visto por parentes e amigos como adequado ao perfil social e escolar relativamente alto das alunas." Trecho do texto 'O gosto e as condições de sua realização: a escolha por pedagogia entre estudantes com perfil social e escolar mais elevado', de Claudio Marques Martins Nogueira e Flávia Goulart Pereira, publicado na revista Educação em Revista, em dezembro de 2010.
Ao longo do século XX não foram poucos aqueles que apostaram que as novas tecnologias, do rádio à internet, acabariam por substituir os professores no cotidiano das salas de aula. Neste vaticínio, o magistério acabaria pois os professores seriam substituídos pelas máquinas. O auge desta utopia pode ser vista no filme Matrix em que as pessoas aprendem por meio de uma conexão com o computador! No entanto, ninguém jamais imaginou que a profissão poderia acabar porque as novas gerações deixariam de escolhê-la como uma maneira de ganhar a vida e de contribuir para o desenvolvimento social. Pois não é que no Brasil estamos em vias de ver isto ocorrer?!
Findado o mês dos professores, talvez devêssemos perguntar o que estamos, de fato, fazendo para que o magistério volte a atrair as novas gerações. E, convenhamos, nós somos criativos o suficiente para isto! Vejam, por exemplo, o que fizemos para resolver a falta de engenheiros no país: aumentamos o número de vagas nas universidades, prometemos aos jovens enviá-los para estudar nas melhores universidades do mundo com bolsa pagas pela população brasileira, remuneramos seus estágios dignamente, aumentamos os seus salários, mostramos na mídia a contribuição deste profissional para o desenvolvimento econômico e social do país etc. E aos futuros professores, o que nós todos, como sociedade, e não apenas o Estado brasileiro, prometemos? Cursos em faculdade particulares com duvidosas condições de ensino-aprendizado; um estágio de R$500,00 por 6 horas de trabalho diário; um salário de R$1.187,00 por uma jornada de 40 horas semanais; o escárnio da família, dos seus professores e colegas; e um bom lugar no céu! Amém!
Luciano Mendes de Faria Filho é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil - 1822/2022.
Uma versão deste texto foi publicada sábado (12), no jornal Hoje em Dia de Belo Horizonte.
O ato de aprender e ensinar, questão ética
Pensar o significado da educação implica ir além de uma observação simplista, fragmentada, que se ocupa, apenas, em analisar partes do processo educacional. É necessário reeducar o modo de olhar e perceber os princípios e os valores que estão subjacentes às práticas em exercício nas instituições de ensino. Refiro-me, especialmente, à questão da ética.
Paulo Freire, em suas obras "Pedagogia da Autonomia" e "Pedagogia da Indignação", de modo incisivo, aborda essa temática denominada por ele de ética universal. Freire aponta que os educadores devem exercitar uma "ética inseparável da prática educativa". Esse exercício deve se concretizar no cotidiano, na prática diária. Ainda, segundo o autor, é preciso que o educador possa "testemunhá-la (a ética), vivaz, aos educandos". Fortalecida por suas palavras, indago-me: o que estará pautando o ato de ensinar e aprender em nossas escolas?
O fato isolado da apropriação indevida de questões sigilosas de um exame nacional me faz, enquanto educadora, refletir sobre a atualidade dos pensamentos de Paulo Freire em relação a essa atitude. Onde estão os princípios da solidariedade? O fortalecimento do espírito público? Será que a ética do mercado, já denunciada por Freire, que se atrela a interesses pessoais de uma pequena parcela da sociedade brasileira, está se sobrepondo à dignidade que deve pautar a ética universal defendida por ele?
Tão importante quanto avaliar todo o processo de elaboração ou aplicação de um exame ou algo similar é rever as atitudes, as formas de agir de educadores. Isso também deve ser pautado pela sociedade. Que cidadãos estamos formando quando expomos centenas de estudantes ao constrangimento de receber e ocultar informações privilegiadas? Queremos que valores como a mentira e a fraude façam parte dos ensinamentos às futuras lideranças do nosso País?
É gratificante saber, entretanto, que, apesar de possíveis influências negativas, jovens de 16, 17 anos já têm presentes em sua formação a preocupação com o outro, com o respeito à verdade. Pude perceber isso quando alunos, indignados, procuraram o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) sem receio de expor livremente a verdade. Nesse momento, senti a força de outro tipo de educação, que vai além da escolar: a educação familiar. É preciso, mais do que nunca, fortalecer a eticidade. O currículo de nossas escolas deve considerar mais que conteúdos acadêmicos.
O nosso compromisso como educadores é o de agir coerentemente com princípios éticos. Paulo Freire nos ensina que a conduta do professor educa mais do que a simples abordagem conteudista. Como diz Freire, "a força do educador democrata está na sua coerência exemplar: ela que sustenta sua autoridade. O educador que diz uma coisa e faz outra, eticamente irresponsável, não é só ineficaz: é prejudicial".
Como professora há mais de 40 anos, posso afirmar que o que ocorreu em Fortaleza é um caso isolado. Porém, precisamos ficar atentos ao que está acontecendo. Todos somos responsáveis. Não deixemos que mudem o foco do real significado dessa lamentável realidade.
O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que ocorreu nos dias 22 e 23 de outubro, acompanhado por toda a sociedade, já se mostrou exitoso, tanto do ponto de vista pedagógico como operacional. O que está em questão não é o Enem, e sim o comportamento que fere a ética de profissionais que se intitulam educadores.
O Inep tem a clareza de que é preciso, cada vez mais, aprimorar todo o processo. Ainda há muitas questões a serem aprofundadas, e esse instituto está pronto para a tarefa.
Malvina Tuttman é presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Foi reitora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Fernando Veloso - Qualidade na educação infantil
A literatura acadêmica mostra que investir na educação infantil pode gerar vários benefícios.
Pesquisas em neurociência mostram que o aprendizado acontece com mais facilidade na primeira infância do que em estágios posteriores da vida da criança.
Além disso, como a aprendizagem em cada nível de ensino depende do conhecimento acumulado em estágios anteriores, a atenção dada à primeira infância aumenta a efetividade das escolas.
A educação dada a crianças de 0 a 5 anos também pode contribuir para o estímulo de determinadas características de comportamento e traços de personalidade, como sociabilidade, autoestima, persistência e motivação.
Vários estudos mostram que, além de melhorar o desempenho escolar, essas características comportamentais reduzem a probabilidade, no futuro, de envolvimento dessas crianças com drogas e de participação em atividades criminosas.
Nos últimos três anos, o Grupo de Trabalho sobre Educação Infantil da Academia Brasileira de Ciências, coordenado por Aloísio Araújo, dedicou-se ao estudo do tema, com a colaboração de especialistas de diversas áreas do conhecimento.
Os resultados foram divulgados em livro recém-lançado, "Aprendizagem Infantil: Uma Abordagem da Neurociência, Economia e Psicologia Cognitiva".
Além de mostrar as principais evidências científicas, o livro apresenta recomendações de políticas públicas para a educação infantil.
Em primeiro lugar, segundo a obra, as políticas devem procurar minimizar o efeito da condição socioeconômica dos pais sobre o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças.
Para isso, os programas voltados para as famílias menos favorecidas devem ser integrados e flexíveis, adaptando-se às suas diferentes necessidades e circunstâncias.
O livro também propõe o estabelecimento de mecanismos de regulação para as creches e as pré-escolas, de modo a assegurar que seja promovido o desenvolvimento integral da criança.
Isso envolve capacitação de professores no segmento de educação infantil, currículo estruturado, equipamentos, livros e infraestrutura adequada, além de um número de crianças por professor que permita uma atenção diferenciada para cada criança.
Os programas de educação infantil também devem promover o envolvimento dos pais na educação de seus filhos e estimular o hábito da leitura em casa.
Outra recomendação importante é incorporar as dimensões de desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças ao atendimento pré e pós-natal dos serviços de saúde pública e assistência social.
Em resumo, uma política de educação infantil de qualidade é algo muito diferente de simplesmente abrir vagas em creches e pré-escolas. Ela deve envolver um conjunto de ações integradas que promovam o desenvolvimento infantil em todas as suas dimensões.
FERNANDO VELOSO, 44, é pesquisador do IBRE/FGV.
fernando.veloso@fgv.br
sábado, 12 de novembro de 2011
Produção científica depende de investimento em educação básica, dizem especialistas
Isso contribuirá para a formação de cidadãos atuantes que saibam exercer plenamente sua cidadania, desenvolvam habilidades como a tomada de decisões e se tornem pessoas capazes de construir conhecimento, já que tiveram contato e se interessaram pelas carreiras científicas e tecnológicas desde cedo.
Essa foi a tônica da audiência pública que discutiu "Ciência na educação de base: recurso humano para o futuro do País", realizada pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) nesta quarta-feira (9).
Para o representante em exercício da Unesco no Brasil, Lucien Muñoz, a inclusão da população mais pobre, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, passa pela educação, e qualquer investimento que se faça nesse sentido trará retorno econômico e social e de redução da pobreza.
"A educação básica deve ser prioridade para incluir parte da sociedade que está excluída hoje: se qualquer país do mundo quer ter cidadãos ativos, responsáveis, que participem de uma democracia real, eles tem que ter habilidades de entendimento abstrato, de análise do mundo e de poder tomar decisões e se determinar. Essas habilidades são aprendidas no ensino básico. Então, se querem fortalecer a democracia no Brasil, o caminho passa por aí", afirmou.
Segundo disse, é o poder público quem tem a responsabilidade de oferecer os meios e a infraestrutura adequada, e a educação científica, na opinião do representante da Unesco, deveria ser uma política de Estado, e não de governos eleitos.
Nesse sentido também opinou a diretora da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas, Maria Olivia Simões. Para ela, não é possível a um país fazer inovações científicas na educação superior se há lacunas na educação de base. A ciência, disse ainda, está intimamente ligada à educação de qualidade, e sem ela, não há inovação nem desenvolvimento sustentável no País. Por isso, é preciso investir na formação de recursos humanos na área de tecnologia, matemática, química, física.
O Brasil também deve investir no preparo dos professores, na implantação de laboratórios e em lançamentos de programas para despertar o interesse dos estudantes, disse ainda Gedeão Amorim, secretário de Educação do Amazonas.
Produção de conhecimento - Apesar das falhas estruturais, o Brasil produz atualmente 2,7% do conhecimento mundial, é o 13º país do ranking de produção científica, mesmo com a primeira universidade de pesquisa tendo sido criada há menos de 100 anos. Foi o que revelou o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, João Evangelista Steiner. Mas o problema, segundo apontou, é que o Brasil não sabe utilizar o conhecimento que produz: é o 76ª país no índice de competitividade e o penúltimo no ranking do Pisa (Programme for International Student Assessment), programa de avaliação internacional de estudantes. Ou seja, é péssimo em sua educação básica.
"Por isso temos pouca educação tecnológica, não temos muita capacidade de usar o conhecimento produzido. Para revolucionar isso, temos que começar lá de baixo, da educação básica", salientou.
A formação do professor também foi apontada como o maior problema, pois é preciso atrair novos talentos, pessoas motivadas e bem remuneradas. A carreira não é atraente, e o País precisa torna-la atrativa, melhorando também os salários pagos, além da infraestrutura.
Unesco - A audiência pública foi realizada em comemoração ao Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento, comemorado em 10 de novembro, por meio do qual a Unesco promove ações para divulgar e valorizar a atividade científica pacífica e engajada no desenvolvimento e bem estar dos povos.
Como parte das celebrações, também é realizado o concurso de trabalhos escritos e desenhos de estudante do ensino médio, este ano com o tema "Química, nossa vida, nosso futuro". Os finalistas da premiação participaram da audiência pública, e o resultado foi divulgado em cerimônia realizada em Brasília. Os três primeiros colocados e seus professores ganham uma viagem nacional com todos os custos pagos para conhecer instituições de ensino e pesquisa no Brasil.
Ministério - Durante os debates, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) mencionou propostas de sua autoria que transformam o Ministério da Educação em "Ministério da Educação de Base" e criam a carreira nacional do magistério, com concurso público sendo realizado nacionalmente. A criação do novo ministério - ou transformação do atual - foi apoiada por todos os palestrantes, que apostam na priorização da educação de base a qualquer custo.
(Agência Senado)
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Sociedade civil e educação na América Latina - Fernando Carrillo-Flórez
Para tanto é necessário mobilizar a opinião pública em torno desse objetivo, incentivando, apoiando e trabalhando junto aos governos para manter as políticas públicas em dia. Esse trabalho é amplo e complexo. A educação básica na América Latina e no Caribe constitui-se num desafio e numa oportunidade, ao mesmo tempo.
Hoje praticamente todas as crianças da região alcançam a educação básica e o acesso aos níveis fundamental e médio vem aumentando consideravelmente. Isso ocorre porque a maioria dos sistemas educativos da região implementou diversas reformas. De todo modo, os avanços não são suficientes. Ainda há crianças e jovens fora da escola e permanecem padrões intoleráveis de exclusão e iniquidade.
Em nossa região há 23 milhões de crianças e jovens - entre 4 e 17 anos - fora do sistema educativo. Entre os que estão em idade pré-escolar, 30% não vão à escola. E esse índice ultrapassa os 40% em grupos de populações mais vulneráveis - comunidades pobres, rurais, indígenas e afrodescendentes.
Ainda assim, o principal desafio educacional da região, atualmente, é a baixa qualidade de aprendizagem dos estudantes. Estudos nacionais, regionais e internacionais indicam que os graus de aprendizagem são muito baixos em todos os níveis, assim como são desiguais entre grupos socioeconômicos; inferiores aos países desenvolvidos e de renda per capita similar; e inadequados para as novas demandas sociais.
A evidência empírica sugere que os estudantes latino-americanos não estão adquirindo os níveis necessários de habilidades-chave para a construção de sociedades democráticas e igualitárias. Essa situação é explicada pelo baixo investimento por aluno, pelo atraso e concentração da gestão educativa, pela carência de sistemas de monitoramento e avaliação da qualidade, pelos precários e eventuais perversos incentivos ao ensino e pela falta de visão estratégica e continuidade nas políticas públicas.
O conteúdo do ensino não condiz com a realidade dos estudantes, que abandonam prematuramente os estudos; os professores perderam o prestígio e respeito nas comunidades e deixaram de cumprir sua tradicional função de liderança; os pais não sabem o que exigir das escolas; e os grupos sociais atuam sem objetivos comuns.
Diante dessa realidade, os movimentos sociais e organizações da sociedade civil dedicados à educação vêm desempenhando papel fundamental. Essas organizações são o "termômetro" do que acontece na sala de aula e no ambiente escolar. Atuam diretamente nas comunidades e unidades de ensino, com professores, alunos e grupos familiares. Desenvolvem análises, estudos, projetos educacionais complementares e apoiam o desenho e construção de políticas públicas.
No Brasil, o Movimento Todos pela Educação é um exemplo de como a iniciativa privada, a academia e gestores públicos podem reunir esforços numa agenda de desenvolvimento ampla, com ações concentradas e coordenadas. Esse movimento busca o mesmo que as outras organizações da região dedicadas ao tema: garantir o direito de todas as crianças e jovens a uma educação de qualidade.
Nos outros países da América Latina e do Caribe, a universalização do ensino também é perseguida e movimentos bem estruturados começam a apresentar resultados. Nesse contexto, a construção de uma rede com essas organizações, considerando as grandes similaridades entres os países latino-americanos, poderia ser a ponte de compartilhamento de experiências bem-sucedidas e lições aprendidas.
Por considerar todas essas variáveis, a Rede Latino-americana de Movimentos Sociais para a Educação começa a ganhar corpo. Organizações da sociedade civil de Brasil, Argentina, Colômbia, Chile, Guatemala, Honduras, El Salvador, México, Peru, República Dominicana, Panamá e Equador reuniram-se em 16 de setembro, em Brasília, para marcar o compromisso público de contribuir para a universalização da educação de crianças e jovens.
Trata-se de uma rede diversa, tanto no tocante às origens de cada organização quanto ao percurso já transcorrido, o que só enriquece o intercâmbio do conhecimento a ser aplicado. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem apoiado essa iniciativa, tendo como principal missão aprender com tais organizações e facilitar a sua articulação.
É importante pensar a educação não apenas no contexto nacional, mas buscando níveis educacionais ascendentes para toda a região. E isso requer um compromisso de todos os países, de seus respectivos gestores públicos, da sociedade civil, da academia e do setor privado.
A ideia da rede é criar condições para que as políticas públicas dos países latino-americanos sejam bem-sucedidas, com ações que visam ao acesso ao conhecimento, à transferência, adoção e adaptação de soluções estratégicas e ao aumento do potencial de incidência dos governos, a partir de uma maior visibilidade com novos canais de comunicação.
Ainda no marco da cooperação Sul-Sul, esse tipo de iniciativa evidencia a necessidade de que os países trabalhem cada vez mais integrados diante dos desafios do desenvolvimento de nossa região. Nesse sentido, a educação é fator primordial de uma agenda de reformas sociais em que o Brasil vem demonstrando liderança. Nascem uma nova base de apoio aos gestores públicos da região e uma nova forma de pensar a educação, com o fortalecimento e a participação da sociedade civil.
Fernando Carrillo-Flórez, representante do BID no Brasil
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Governo pressiona setor privado para bancar bolsa de estudo
A ordem é da presidente Dilma Rousseff, que pretende marcar sua gestão com avanços na educação e no crescimento da oferta de mão de obra qualificada. O programa foi montado para ter adesão privada, mas ela está demorando.
A pressão sobre alguns setores, como os bancos, conta com a participação da própria presidente. A iniciativa privada, no entanto, ainda tem dúvidas quanto aos valores das bolsas que serão oferecidas no exterior aos estudantes de graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado e pesquisadores.
O programa Ciência Sem Fronteiras tem como objetivo levar 100 mil bolsistas brasileiros às principais universidades do mundo até o fim de 2014 para estudar em cursos considerados estratégicos para o desenvolvimento brasileiro. O governo oferecerá 75 mil bolsas por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e quer que a iniciativa privada financie as outras 25 mil.
A presidente está envolvida pessoalmente na mobilização. Em viagens internacionais e contatos com autoridades estrangeiras, tem passado o recado de que gostaria de ver os bolsistas brasileiros nas universidades dos países de seus interlocutores. Dilma também já cobrou o apoio do empresariado publicamente. Em julho, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o principal alvo foi a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
"Espero contar com a participação de todos", disse a presidente na ocasião. "É um desafio para o setor privado, especialmente para a Febraban. Viu, Murilo Portugal [presidente da entidade]? Falo no Murilo Portugal, porque ele já esteve na Secretaria do Tesouro e sabe perfeitamente o que representa, para um país como o Brasil, destinar R$ 3,1 bilhões para este programa. Acho importante a participação do setor privado", afirmou Dilma.
Ao lado de outras associações setoriais e empresas, a Febraban é uma das entidades na mira da Casa Civil. Portugal já participou de reuniões com a ministra Gleisi. Também já foram procurados representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), da Eletrobras e da Vale.
"O desenvolvimento de recursos humanos é uma das grandes prioridades, se não a grande prioridade, que temos na Abdib. É o grande desafio da área de infraestrutura", disse o vice-presidente-executivo da entidade, Ralph Lima Terra, que esteve no Palácio do Planalto para debater o assunto. "Isso é fundamental para o desenvolvimento do país."
O diretor de operações do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Gustavo Leal Sales Filho, afirmou que a CNI deve começar até o fim do ano um "road show" pelos Estados para tentar mobilizar os empresários. As duas entidades querem financiar o estudo de engenheiros que já trabalham no setor produtivo, e precisam de especialização, e também de recém-formados, que poderão ser aproveitados pelas empresas ao retornarem do exterior. "Essa é uma questão crucial para o País", afirmou Sales Filho. Segundo ele, o setor industrial poderá custear até 10 mil bolsas.
O diretor de relações internacionais da Capes, Márcio de Castro Silva Filho, conta que o programa Ciência Sem Fronteiras surgiu depois da visita do presidente americano Barack Obama a Brasília. Segundo ele, Obama perguntou à presidente brasileira por que não há muitos brasileiros estudando nos EUA, se atualmente existem 130 mil chineses e 120 mil indianos nas universidades americanas.
"Agora, os próprios alunos pressionam as universidades para criar comitês de seleção. E os pró-reitores viram a importância da internacionalização das universidades", afirmou Silva Filho. Segundo ele, os primeiros estudantes beneficiados serão enviados a universidades dos EUA e a segunda etapa do programa também envolverá universidades da Alemanha, França e Reino Unido.
As metas da Capes e do CNPq já foram definidas. Subordinada ao Ministério da Educação, a Capes deve ofertar 3,4 mil bolsas do Ciência Sem Fronteiras neste ano. A previsão para 2012, 2013 e 2014 é de, respectivamente, 10,2 mil, 12,2 mil e 14, 2 mil bolsas.
O CNPq, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, oferecerá 3.890 bolsas neste ano, 6.140 em 2012, 10.230 em 2013 e 14.740 bolsas no último ano do governo da presidente Dilma. "Vamos atingir certamente esses números, sem comprometer outros programas", disse o diretor da Capes.
As áreas contempladas pelo programa são engenharia, matemática, ciências biomédicas e da saúde, química, biologia, geociências, computação e tecnologia da informação, tecnologia aeroespacial, farmacologia, agronomia, produção de petróleo, gás, carvão e energias renováveis, biotecnologia, nanotecnologia, tecnologias de prevenção e mitigação de desastres naturais, biologia e ciências do mar.
(Valor Econômico)
IDH: subiu ou desceu?
Todos já viram: o Brasil subiu em 2011 uma posição no ranking do IDH em relação ao ano passado. Mas como pode, perguntarão alguns, se o Brasil estava ano passado na posição 73 e se ele ocupa agora a posição 84? Não seria mais correto afirmar que o Brasil caiu 11 posições no ranking do IDH? Como justificar que a posição brasileira no IDH subiu quando parece evidente que ela caiu?
O fato é que as duas listas do IDH, a de 2010 e a de 2011, não são comparáveis porque a lista de 2010 trazia 169 países, enquanto a lista desse ano traz 187 - 18 países a mais do que no ano passado. Para que essa comparação fosse possível, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) recalculou o valor de 2010 para essa lista maior de 187 países, com dados atualizados, e somente a partir disso procedeu a uma comparação. Incluindo nove países (como Cuba, Líbano e Dominica, entre outros) que entraram na frente do Brasil nessa nova lista, o país estaria em 2010 na posição de 85, tendo subido para 84 em 2011 por efeito de seu relativo crescimento da renda e expectativa de vida.
O que deve estranhar não é o procedimento de fazer uma comparação em bases equânimes, mas sim que foram introduzidos tantos países de um ano para outro. A explicação para isso pode ser encontrada nas inovações metodológicas introduzidas no cálculo do IDH do ano passado que restringiram o número de países incluídos na lista em 2010. O mesmo fenômeno não deve se repetir nos próximos anos, fazendo com que o ranking de 2011 seja um caso particular.
Segue, no entanto, o fato de que o IDH brasileiro tem crescido a taxas decrescentes, passando de um crescimento médio anual de 0,87% ao ano no período 1980-2011, para 0,86% ao ano de 1990-2011 até os atuais 0,69% ao ano de 2000-2011. O Brasil avança a passos lentos nas áreas de saúde e educação. O lançamento do novo IDH deve servir como um alerta para que o país possa se ver no mundo dentro da ótica do desenvolvimento humano, não como sua sétima economia, mas como um país que ainda deve muito aos seus cidadãos.
Flavio Comim é PhD Universidade de Cambridge, professor UFRGS e ex-economista do Pnud.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Prova para professores é mais uma jabuticaba
Sempre julguei que uma prova nacional para professores fosse uma boa solução. Selecionaria pessoas equipadas para o magistério e apontaria às instituições formadoras aspectos importantes na preparação dos recursos humanos. A recente iniciativa do Ministério da Educação (MEC) mostrou-me que meu repentino otimismo era infundado. Mais uma vez, venceram as corporações. O documento produzido pela comissão responsável reproduz a geleia geral característica dos cursos de Pedagogia, ancorados em teorias da moda, sem fundamentação nem compromisso com os graves problemas da formação do professor, em especial nas matérias básicas.
As audiências públicas e os órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino não trouxeram racionalidade ao debate. A menção de que experiências de outros países foram consideradas tampouco diz grande coisa, tendo em vista a seletiva capacidade de ouvir dos que conduzem tais questões. A modelagem do exame com base no famigerado Enem, o mais frágil e controvertido dos testes produzidos pelo MEC, aumenta o pessimismo. Falta racionalidade à proposta que foi apresentada para debate pelo MEC: uma matriz com três dimensões, dez "competências" e dez "eixos" do conhecimento. Inexiste diferenciação entre professores de creches, pré-escolas e séries iniciais. Os conteúdos das disciplinas centrais - elaborados por comissões formadas por vários especialistas - ocupam 3 a 4 linhas cada, num documento de 15 páginas. Não é possível que essa seja a única contribuição de tão selecionado grupo.
Alguns exemplos e contrastes: na matriz de referência não há referência ao fato de que um educador de pré-escola precisa conhecer as cantigas infantis, mas se afirma que necessita "atuar em situações do cotidiano escolar com base na legislação vigente". A palavra literatura aparece uma única vez, mas se espera que o professor "compreenda aspectos culturais, sociais, ambientais, políticos, econômicos e tecnológicos da sociedade e suas interfaces com a educação". Deu para perceber? 90% do documento trata dessas platitudes ou "competências".
Vale comparar essa melíflua proposta com os concursos públicos para as carreiras sérias. Num concurso típico, os tópicos que vão cair na prova são explícitos - qualquer pessoa sabe o que precisa estudar e onde encontrar a informação. E sabemos que esses concursos têm conseguido recrutar os melhores candidatos. Na prova do MEC a maioria esmagadora das "competências" é do tipo genérico: "promover ações no âmbito da comunidade escolar, com vistas à inclusão e ao respeito às diversidades".
Reproduz o viés do Enade, a prova de conclusão de curso superior aplicada aos professores e nada acrescenta que possa mudar os rumos da educação. Seria um enorme avanço se os professores de Língua Portuguesa dominassem e ensinassem o código alfabético, o código ortográfico e tivessem formação suficiente para ler e interpretar um
texto com os alunos. No caso da matemática, o esperado era que tivessem condição de ensinar o sistema de numeração decimal, as quatro operações e soubessem explicar e representar as propriedades das operações, frações, decimais e porcentagens na reta numérica. Em ciências, que dominassem alguns conceitos básicos, como a noção de sistemas, evolução, ciclos e a teoria atômico-molecular, para apresentar os fenômenos e características associadas aos seres vivos e não vivos.
Nada disso, parece, cairá na prova do MEC. Pouco se conhece sobre o que faz uma pessoa ser bom professor. Mas é certeza que não há correlação com titulação ou número
de cursos superiores realizados. Há fortes evidências de que um professor bem-sucedido é o que domina bem os conteúdos e sabe um pouco mais para entender as implicações do que ensina. As pedagogias eficazes são associadas a um profundo conhecimento da matéria e às formas adequadas de comunicá-la. Esse é o tipo de conhecimento pedagógico relevante.
Liping Ma, da Universidade Stanford, mostrou que professores chineses com apenas nove anos de escolaridade conseguem resultados muito melhores com seus alunos do que seus colegas norte-americanos, que, apesar de terem cursos de graduação e pós, não conhecem a fundo a matemática elementar e as maneiras de ensiná-la. O último relatório do National Council on Teacher Quality, nos EUA, mostra a precariedade da formação dos professores de Matemática pelas faculdades de educação e analisa como são inadequados os livros didáticos usados nas faculdades daquele país.
Aqui, nem sequer temos esses livros - mas queremos desenvolver "competências". Conteúdo da disciplina, parece, é questão secundária. Não existe receita para formar professores. A evidência científica é bastante limitada. A experiência dos países com melhores níveis de ensino varia em torno de alguns pontos centrais: atrair jovens com boa formação para a carreira, exigir prova de conhecimentos antes do ingresso, estabelecer rigorosos estágios probatórios nos anos iniciais. Em algumas áreas já sabemos quais conhecimentos são relevantes. Fugir disso é querer colher jabuticaba.
Com a prova do MEC continuaremos a formar professores com muitas competências no
que é periférico e pouca competência no que é essencial. A qualidade do professor é o
nó górdio da qualidade do ensino. Sabemos que a educação só terá chance de melhorar no País quando tivermos professores qualificados. Estamos diante de mais uma oportunidade perdida para avançar e de possibilidades de enorme retrocesso. O erro na condução do problema está na origem: para dar um salto da qualidade na educação brasileira é preciso libertar a discussão e o MEC do controle das corporações. Não basta ter audiências públicas, é preciso qualificar o debate com base em evidências e não ter como critério a busca de consenso entre parceiros pré-selecionados. O MEC tornou-se refém das corporações. Agora será a vez do País.
João Batista Araujo e Oliveira é Ph.D. em educação e presidente do Instituto Alfa e Beto.
Ensino amplo para mundo mais complexo - VIVIANE SENNA
A mais importante constatação amadurecida no Seminário Educação para o Século 21, realizado em São Paulo na última terça-feira, é que precisamos dar um passo a mais na construção de uma educação pública de qualidade. Temos de continuar lutando para que as crianças e adolescentes sejam devidamente alfabetizados, dominem a escrita, a leitura e o cálculo, algo que ainda estamos longe de conseguir.
Mas temos de ir além, oferecendo já ao aluno um processo educativo que lhe permita desenvolver competências mais amplas, como a autonomia, a criatividade inovadora, a capacidade de trabalhar em equipe, a curiosidade investigativa, entre outras, denominadas academicamente como competências não cognitivas.
Participaram do seminário alguns dos maiores especialistas na ciência do aprendizado e do desenvolvimento humano, como James Heckman, ganhador do Nobel de Economia além de educadores, gestores, organismos multilaterais, organizações que trabalham com escolas e mobilização da sociedade.
Concordamos quanto ao papel duplamente positivo do desenvolvimento das competências não cognitivas na escola.
De um lado, impactam diretamente o desenvolvimento intelectual dos alunos e o seu desempenho; ao mesmo tempo, preparam crianças e adolescentes para lidar com as exigências do mundo do trabalho e da economia global, da participação social nas cidades e nas redes, diante de questões complexas das ciências e do ambiente, da ética, da democracia e da sustentabilidade. Elas sustentam os valores.
Estudos de neurocientistas e economistas demonstram estatisticamente que esse grupo de competências tem o mesmo poder que as competências cognitivas na proficiência dos alunos, medida pelas notas, pela redução do abandono e pela escolaridade final atingida.
Isso se comprova na experiência empírica e em pesquisas do Instituto Ayrton Senna, que hoje atende 2 milhões de alunos da rede pública em 1.300 municípios brasileiros.
As competências não cognitivas têm ainda maior impacto que as cognitivas na determinação do sucesso e dos níveis de bem-estar pessoal e social, tais como medidos pela redução nos níveis de criminalidade e tempo de desemprego, pela maior estabilidade conjugal e familiar, menor incidência de doenças como depressão, obesidade e alcoolismo e por maior longevidade.
Todo educador sabe que o processo educativo requer do aluno autoestima, perseverança e outras capacidades emocionais. O professor busca trabalhar com isso, mas esse esforço ainda não é nomeado e valorizado como tal. Sabemos que o trabalho para desenvolver as competências não cognitivas tem de envolver toda a rede escolar.
O currículo regular deve incorporar conteúdos, práticas de ensino e de gestão para conciliar o aprendizado das disciplinas e a construção de atributos pessoais múltiplos.
A melhor notícia que compartilhamos é que a ciência vem confirmando ser efetiva nessa transformação pessoal. Crianças e adolescentes de famílias desfavorecidas, mais expostas ao fracasso na escola e na vida, podem mudar seu script com um processo educativo consistente ao longo dos ensinos fundamental e médio.
A família e a comunidade são responsáveis, mas sabemos que a escola deve -e pode- ser uma grande força a romper o ciclo intergeracional de pobreza e desesperança.
Nosso seminário faz, portanto, uma convocação para que a escola possa oferecer, como política pública e em larga escala, uma educação que salde as dívidas acumuladas dos séculos 19 e 20 e que, ao mesmo tempo, habilite os alunos a viver plenamente, com valores e competências para fazer frente aos desafios do século 21.
VIVIANE SENNA, psicóloga, é presidente do Instituto Ayrton Senna.