A descoberta abre portas para a construção de verdadeiros avatares: corpos artificiais ou vestes robóticas que sentiriam e atuariam na realidade comandados diretamente pelo cérebro. "A ação da mente não estaria mais confinada ao organismo humano", disse ao Estado o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, líder do grupo que realizou a pesquisa, publicada na Nature.
A nova tecnologia poderá ter aplicações tão diversas quanto ajudar pessoas com paralisia nos membros, explorar lugares distantes e realizar operações em áreas perigosas.
Origem - Em 1999, a macaca Belle, do laboratório de Nicolelis, moveu um braço robótico com o pensamento. O cientista registrou os sinais de 90 neurônios com eletrodos no cérebro da primata. Em 2001, o experimento foi considerado pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT, na sigla em inglês) uma das dez descobertas que influenciarão de forma profunda o destino da humanidade.
Mas algo importante faltava. Para que dispositivos eletrônicos fossem compreendidos como uma extensão genuína do corpo, deveriam "sentir" a realidade e enviar as informações obtidas para o cérebro. Na recente pesquisa, os macacos foram capazes de discernir a textura de objetos virtuais (mais informações nesta página). O experimento abre caminho para que outras informações, como temperatura, possam ser captadas por máquinas e reproduzidas no cérebro humano.
"Esse estudo confirma que o cérebro reconhece as ferramentas como uma extensão do próprio corpo", diz Nicolelis. "Os animais passaram a dispor do corpo virtual como se ele realmente fosse natural, criando uma nova identidade." As interfaces cérebro-máquina fomentam a esperança de um futuro em que será possível restabelecer os movimentos de pessoas com paralisia e, ao mesmo tempo, recriar a sensibilidade perdida do tato.
Ambição - Não é à toa que o experimento faz parte do plano do consórcio internacional Walk Again. Realizado com a ajuda de outros quatro cientistas do Centro de Neurociência da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e outros dois da Escola Politécnica de Lausanne, na Suíça, o projeto pretende desenvolver e demonstrar um exoesqueleto externo para devolver o movimento a pacientes quadriplégicos até a Copa de 2014, no Brasil, data marcada para a demonstração mais ambiciosa da tecnologia.
"O pontapé inicial da competição será dado por um jovem tetraplégico. Temos um projeto de seis anos amarrado com o governo federal e outras instituições para divulgar o projeto Walk Again aos demais países", afirma. "Naturalmente, a estratégia envolve a Copa do Mundo e as Olimpíadas do Brasil."
Nicolelis pretende anunciar em breve uma parceria com o governo federal para trazer a última fase do projeto Walk Again para o Câmpus do Cérebro, em Natal (RN), onde está sendo desenvolvido um programa para que tetraplégicos possam treinar com um avatar que imita o corpo humano.
'Ideia é recriar o tato como um sexto sentido' - Segundo Miguel Nicolelis, tecnologia possibilitará que quadriplégicos recobrem sensação táctil com vestes robóticas.
Como a mesma tecnologia testada nos macacos funcionaria em seres humanos?
A ideia é criar um sexto sentido. Ele vai possibilitar que o paciente recobre a sensação tátil ao usar uma veste robótica, podendo identificar o tipo de terreno onde está pisando ou a textura de um objeto que segura com uma mão biônica.
Como a nova descoberta será integrada à veste robótica que pode possibilitar que quadriplégicos voltem a andar?
A veste terá sensores de pressão que criarão um padrão, e esse padrão será traduzido em um estímulo elétrico proporcional à textura dos terrenos ou objetos. Tudo isso é entregue ao cérebro, que funciona como um reconhecedor de padrões e associa à nova sensação. Partindo da mesma lógica, outras pesquisas podem levar à identificação da temperatura, por exemplo, tornando as próteses biônicas mais sensíveis. O nosso experimento provou, pela primeira vez, que é possível criar uma interface cérebro-máquina-cérebro, permitindo o desenvolvimento de um exoesqueleto robótico para que pacientes paralisados possam receber feedbacks do mundo exterior e, com isso, recobrem a sensação tátil através de sensores. Já havíamos feito uma previsão teórica de que isso era possível, mas ainda não havíamos feito uma demonstração que provasse, e isso muda com o estudo publicado na Nature. Vencemos um grande desafio: os estímulos são enviados ao cérebro ao mesmo tempo que registramos a atividade elétrica do córtex. Ao mesmo tempo que os sinais elétricos do cérebro podem controlar o avatar do corpo, o órgão pode receber um feedback do que esse avatar encontra no espaço virtual.
Muda algo no projeto Walk Again e no plano de fazer um tetraplégico dar o pontapé inicial da Copa do Mundo de 2014?
Estou propondo ao governo e já tenho sinalização de que querem participar de um projeto de seis anos para demonstrar o projeto Walk Again para o mundo, na Copa e nas Olimpíadas que serão realizadas no Brasil. Queremos fazer demonstrações gradualmente mais complexas do exoesqueleto robótico que fará um tetraplégico voltar a andar.
Quais os próximos passos para a concretização do projeto?
O governo federal deve anunciar nos próximos dias um apoio para trazermos o projeto para Natal, para o Câmpus do Cérebro. Lá nós já temos um avatar realístico do corpo completo de um macaco, agora teremos de criar um modelo igual para o ser humano. Com ele poderemos treinar os pacientes quadriplégicos a interagir com um avatar do corpo. Será como o Flight Simulator (jogo de simulação e treino para pilotos de avião) do avatar que será usado depois pela pessoa.
(O Estado de São Paulo)
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