quinta-feira, 28 de julho de 2011

A origem dos líderes - Fernando Reinach

Quando imaginamos um líder, características como conhecimento, ousadia, educação e carisma vêm à mente. Mas será que isso se aplica ao líder de um cardume de peixes ou um bando de zebras, onde um animal determina o comportamento de todo o bando? A novidade é que dois pesquisadores demonstraram que, para uma população se dividir em líderes e liderados, basta que exista uma pressão evolutiva que favoreça a ação conjunta do grupo. Para surgirem líderes, os animais sequer precisam se comunicar.

Para simular o surgimento de líderes, cientistas construíram modelos matemáticos baseados em um jogo conhecido entre os teóricos como "guerra entre os sexos". Imagine um casal em que ambos desejam encontrar o parceiro todas as noites, mas estão impedidos de se comunicar. A única coisa que o homem sabe é que a mulher gosta de ir todas as noites ao bar A. E a única coisa que a mulher sabe é que o homem gosta de ir todas as noites ao bar B.

Se a cada noite ambos forem aos seus bares preferidos, nunca irão se encontrar. Se ambos abrirem mão de seu bar preferido e forem ao bar do parceiro, tampouco vão se encontrar. Para haver um encontro é necessário que um seja turrão e não abra mão de sua preferência e o outro abra mão de seu bar.

Agora imagine que o casal pratica esse jogo todas as noites e a única informação que cada um dispõe para decidir onde ir na noite seguinte é o comportamento do parceiro na noite anterior. Se o incentivo para o casal se encontrar todas as noites for alto (eles se amam), a melhor estratégia para o par é que um se torne o líder (vá ao bar que prefere) e o outro se torne liderado (vá ao bar preferido pelo parceiro). Com essa estratégia eles se encontrarão todas as noites (e serão felizes para sempre).
Nesse jogo, líder e liderado não precisam se comunicar para definir seus papéis, mas é preciso que um dos membros seja turrão e o outro, mais compreensivo, de modo que o objetivo dos dois (namorar) seja atingido. O turrão se tornará o líder, o outro, o liderado.

Usando esse modelo, extrapolando essas condições para populações grandes em que essas interações ocorrem de maneira repetitiva, e imaginando que o sucesso reprodutivo de cada membro é proporcional à sua capacidade de encontrar o parceiro, os cientistas construíram modelos matemáticos capazes de simular, variando os diferentes parâmetros, o surgimento de líderes e liderados. O resultado mostra que a partir de uma população homogeneamente "turrona", basta ocorrer uma mutação que aumente ou diminua o grau de intransigência de um membro para que em poucas gerações a população se divida em poucos líderes e muitos liderados.

A velocidade com que essa mudança ocorre depende de dois fatores. Primeiro, quão vantajoso para o grupo é a ação conjunta; segundo, qual o grau de frustração que o liderado tem de tolerar para seguir o líder. Se uma zebra sempre for morta pelo leão ao não acompanhar o grupo, os genes "separatistas" dessa zebra serão rapidamente eliminados. O mesmo ocorre com o rapaz que se recusa a ir ao bar aonde vão todas as moças.

O interessante é que nesses modelos a população rapidamente se agrupa em dois grupos e os intermediários, que a cada noite assumem papel diferente (um dia se comportam como líderes, outro como liderados), ficam em tamanha desvantagem que são eliminados após poucas gerações.
Esses modelos matemáticos demonstram que líderes podem ser selecionados independentemente de inteligência, ousadia ou carisma. Basta ser mais turrão que a média. Claro que nas sociedades humanas e em outros animais sociais as interações são muito mais complexas e outros fatores influenciam a seleção dos líderes. Mas é interessante pensar que talvez essas formas sofisticadas de liderança tenham evoluído a partir de sistemas relativamente simples.

Se por um lado isso explica por que líderes têm opiniões fortes e muitas vezes são intransigentes, o modelo também ajuda a entender matematicamente por que certos bares, quando na moda, atraem grande número de pessoas, enquanto é comum encontrar um estabelecimento mais confortável e vazio ao lado.

BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: EVOLUTION OF PERSONALITY DIFERENCES IN LEADERSHIP. PNAS, VOL. 108, PÁG. 8.373, 2011

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sem inovação e agregação de valor aos produtos, País compromete seu crescimento econômico, alerta Anpei

Ou o setor produtivo brasileiro aumenta o nível tecnológico agregado aos seus produtos e serviços, ou continuaremos a depender das commodities para sustentar nosso crescimento econômico.

É urgente uma política industrial que aumente a densidade tecnológica embutida nos produtos das principais cadeias produtivas brasileiras. De forma resumida, esta é a principal advertência tirada da 11ª Conferência Anpei de Inovação Tecnológica, que reuniu 1.700 pessoas entre líderes empresariais, pesquisadores e técnicos no mês passado em Fortaleza (CE).

Os debatedores lembraram que a pauta nacional de exportação voltou a ter uma composição predominantemente de produtos primários, justificando a necessidade premente de se investir no desenvolvimento tecnológico das diversas cadeias produtivas. Nesse sentido, foram citadas com exemplos bem sucedidos as áreas de petróleo, plástico e fruticultura, nas quais há uma agregação de valor que pode chegar a 10 vezes ao longo da cadeia.

É essa dinâmica, que gera benefícios para as empresas e toda a sociedade, que precisa ser replicada em outras cadeias, salienta a "Carta de Fortaleza", documento redigido após o encontro e que está sendo enviado às autoridades, assim como toda a comunidade da cadeia da inovação.

Para se atingir esse objetivo, os participantes da Conferência de Fortaleza concluíram que são necessários incentivos que estimulem a sustentabilidade e a cooperação entre as empresas e também entre o setor privado e as universidades, de forma a priorizar o desenvolvimento integrado das cadeias produtivas. Ressaltaram, porém que isso deve ser feito paralelamente a um cenário de valorização das commodities, que tende a ser crescente em nível mundial por um bom tempo.

Além do estímulo à inovação nas cadeias produtivas, a "Carta de Fortaleza" também preconiza programas governamentais para a formação de consórcios de empresas para a realização de pesquisas. É assim, segundo os analistas, que são formadas e estimuladas as redes de inovação. No mesmo sentido, a Carta sustenta a necessidade de programas de apoio à internacionalização de empresas, de forma a fortalecer a competência de gestão, em particular a gestão da inovação. Por fim, defendem também ampliação no marco legal, de forma a incluir mais empresas beneficiadas nos programa de incentivos fiscais à inovação.

A "Carta de Fortaleza" foi redigida por um colegiado de especialistas que participa dos diversos comitês temáticos e setoriais da Anpei. Sua íntegra pode ser lida no www.anpei.org.br.

(Ascom da Anpei)

Mapa global da depressão

O episódio depressivo maior (MDE, na sigla em inglês) é uma preocupação considerável para a saúde pública em todas as regiões do mundo e tem ligação com as condições sociais em alguns dos países avaliados.

Essa é a principal conclusão de um estudo que reuniu dados epidemiológicos provenientes de 18 países, incluindo o Brasil. Os resultados foram apresentados no artigo Epidemiologia transnacional do MDE, publicado nesta terça-feira (26) na revista de acesso aberto BMC Medicine.

A depressão é uma doença caracterizada por um conjunto de sintomas psicológicos e físicos, associada a altos índices de comorbidades médicas, incapacitação e mortalidade prematura.

Os países foram divididos em dois grupos: alta renda (Bélgica, França, Alemanha, Israel, Itália, Japão, Holanda, Nova Zelândia, Espanha e Estados Unidos) e baixa e média renda (Brasil - com dados exclusivamente de São Paulo -, Colômbia, Índia, China, Líbano, México, África do Sul e Ucrânia).

De acordo com o relatório, nos dez países de alta renda incluídos na pesquisa, 14,6% das pessoas, em média, já tiveram MDE. Nos 12 meses anteriores, a prevalência foi de 5,5%. Nos oito países de baixa ou média renda considerados no estudo, 11,1% da população teve episódio alguma vez na vida e 5,9% nos 12 meses anteriores. A maior prevalência nos últimos 12 meses foi registrada no Brasil, com 10,4%. A menor foi a do Japão, com 2,2%.

O trabalho faz parte da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que integra e analisa pesquisas epidemiológicas sobre abuso de substâncias e distúrbios mentais e comportamentais. O estudo é coordenado globalmente por Ronald Kessler, da Universidade de Harvard (Estados Unidos).

A pesquisa São Paulo Megacity Mental Health Survey, que gerou para o relatório os dados relativos ao Brasil, foi realizada no âmbito do Projeto Temático "Estudos epidemiológicos dos transtornos psiquiátricos na região metropolitana de São Paulo: prevalências, fatores de risco e sobrecarga social e econômica", financiado pela Fapesp e encerrado em 2009.

Entre os autores do artigo estão Laura Helena Andrade, professora do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP), e Maria Carmen Viana, professora do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Andrade conduziu o Temático em parceria com Viana, que teve bolsa de pós-doutorado da Fapesp entre 2008 e 2009 no Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do IP-FM-USP, coordenado por Andrade.

Segundo Viana, o São Paulo Megacity Mental Health Survey é um estudo epidemiológico de base populacional que avaliou uma amostra representativa de residentes da região metropolitana de São Paulo, com 5.037 pessoas avaliadas em seus domicílios.

Todas as entrevistas foram feitas com base no mesmo instrumento diagnóstico. Atualmente, cerca de 30 países participam da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental com pesquisas semelhantes.

"Em todos os países foi aplicada a mesma metodologia. No artigo internacional, foram incluídos exclusivamente os dados sobre depressão maior, mas a nossa pesquisa avalia diversos outros transtornos mentais, entre eles os de ansiedade - como pânico, fobias específicas, fobia social e transtorno obsessivo compulsivo - e transtornos de humor, como o transtorno bipolar, distimia e a própria depressão maior", disse Viana à Agência Fapesp.

Também foram publicados recentemente resultados sobre transtorno bipolar, suicídio e tabagismo. "No estudo São Paulo Megacity estimamos que 44,8% da população já apresentou pelo menos uma vez na vida algum transtorno mental. Nos 12 meses anteriores à entrevista, a prevalência foi de 29,6%", disse.

Segundo o levantamento transnacional, a depressão maior é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo. "Os dados epidemiológicos, no entanto, não estão disponíveis em muitos países, em especial os de baixa e média renda, como o Brasil. Por isso é tão importante termos esse tipo de estudo de base populacional", afirmou Viana.

A assistência à saúde mental no Brasil, segundo Viana, deixa a desejar do ponto de vista da Saúde Pública. "Acredito que a divulgação de dados como esses devem servir de alerta e de embasamento para políticas públicas de prevenção e assistência à saúde mental. É preciso que essas políticas possam ser traçadas e implementadas levando em consideração as necessidades que identificamos na nossa população", afirmou Viana.

Prevalência maior em mulheres - Os resultados do estudo mostraram que, nos países de alta renda, a idade média de início dos episódios de depressão maior foi de 25,7 anos, contra 24 anos nos países de baixa e média renda. Incapacitação funcional mostrou-se associada a manifestações recentes de MDE.

O estudo também revelou que a prevalência é duas vezes maior entre as mulheres em relação aos homens. Nos países de alta renda, a juventude está associada com uma prevalência mais alta de depressão nos 12 meses anteriores à entrevista. Por outro lado, em vários dos países de baixa renda, as faixas etárias mais altas mostraram ter maior probabilidade de episódios depressivos.

A condição de separação de um parceiro apresentou a correlação demográfica mais forte com o MDE nos países de alta renda. Nos países de baixa e média renda, os fatores mais importantes foram as condições de divórcio e viuvez.

O relatório recomendou que futuras pesquisas investiguem a combinação de fatores de risco demográfico que estão associados ao MDE nos países incluídos na Iniciativa Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental.

O artigo Cross-national epidemiology of DSM-IV major depressive episode, de Ronald Kessler e outros, pode ser visto em acesso aberto na BMC Medicine em www.biomedcentral.com/bmcmed.

(Agência Fapesp)

. C&T, orçamento e políticas públicas

Artigo de José Marcos Domingues publicado no Jornal Monitor Mercantil no dia 22 de julho.

O Brasil parece estar retrocedendo e perdendo terreno na corrida pelo Saber. Investindo menos em ciência e tecnologia, voltamos a vender commodities e a comprar produtos com alto valor agregado em grande escala. Tem razão o ministro Mercadante ao dizer que "quem compra pronto não lidera". E fica mais pobre.

O professor Wanderley de Souza alerta para a necessidade de se vincularem recursos ao setor ao invés de se continuar tangenciando a falta de verbas valendo-se de fundos setoriais, que, todavia, são setoriais, beneficiam mais os segmentos que mais contribuem para eles, quando deveriam advir "do Tesouro para a área de C&T, como se faz para Educação e Saúde". Será necessário esperar as verbas do pré-sal para termos recursos garantidos para C&T?

O problema é que o Brasil não tem orçamentos sérios e aos governos não agradam as vinculações de recursos, pois esta tira deles a liberdade para gastar onde lhes apraz ao longo do ano, para contingenciar verbas, descumprindo as políticas públicas constitucionais e legais, legitimamente postas em números nos orçamentos.

Está na mídia: a Lei de Diretrizes Orçamentárias está em impasse porque o Executivo e o Congresso estão discutindo o contingenciamento de emendas do Congresso em face do PAC do governo: a discussão não se foca em políticas públicas de verdade, que atendam agora o interesse nacional: e que Nação pode ser forte sem pesquisa e criação de conhecimento próprio?

Diante do quadro descrito pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, de que "os cortes [no orçamento] do MCT não fazem sentido", a conclusão é que no Brasil emergente falta vontade política para evitar que submirjam a vida, a esperança e a felicidade de um povo que trabalha e paga 40% do PIB em impostos não empregados nos fins a que se destinam.

A situação é inaceitável, mormente quando se vê que existem projetos não aproveitados e há verbas não empregadas, que afundam a decolagem de programas empacados pelo desrespeito, sobretudo, à lei orçamentária que anualmente contempla as políticas públicas, que não se vêem implementadas pelo desvio de finalidade dos recursos que deveriam concretizar as decisões magnas do Parlamento em consenso com o Executivo.

A ridicularização do orçamento no Brasil chegou ao ponto de se cunhar o epíteto peça de ficção para significar o descaso do Executivo com o planejamento ("determinante para o setor público", conforme art. 174 da Constituição); mas não se deve esquecer que muitas vezes a Receita é superestimada para acomodar ações populistas ou emendas político-partidárias, tudo a indicar um conluio nefasto ao bem comum. E aí vêm os cortes ou os contingenciamentos da despesa... Paga o justo pesquisador pelo pecador político.

A Cidadania deve reagir com justa indignação. E os tribunais precisam proceder a um controle jurídico dos orçamentos públicos, sobretudo o Supremo Tribunal Federal (diga-se em abono ao STF que ele passou a admitir realizar esse controle, inclusive ordenando a realização de ações de saúde pública legisladas e não executadas, havendo ali inclusive manifestações em favor da determinação judicial de resguardo de direitos fundamentais em caso de omissão legislativa, ou inércia do Poder Público, até porque a desculpa não muda: "Falta de orçamento". Em outros casos, há orçamento mas não chega a verba, o financeiro).

As finanças públicas nacionais não suportam orçamento ficção, carga tributária de Primeiro Mundo e serviços públicos de Terceiro Mundo. A ciência brasileira e a economia brasileira, e a independência do Brasil, não podem ficar à mercê de interesses imediatistas, sem planejamento nem metas.

É preciso que o Estado se reencontre com a Cidadania, a verdadeira destinatária da atividade pública, de molde a que seus ideais e oportunidades de um futuro digno e autônomo (e isso depende de investimento público na geração de conhecimento) não se percam na infidelidade ou na insinceridade orçamentária, mas que se realizem plenamente através de políticas públicas postas em cifras, probas e eficientes, e executadas. O descaso político não pode condenar o país ao atraso no desenvolvimento socioeconômico.

José Marcos Domingues é professor titular de Direito Financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordenador do Núcleo de Estudos em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento (Nefit/Uerj).

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Questão de método - Jorge Werthein

Quem visita com frequência bancas de jornal em qualquer parte do Brasil deve observar a afluência com que periódicos trazem reportagens de capa sobre a presença das novas tecnologias na educação de crianças e jovens. A maioria retrata o impacto real ou virtual das ferramentas contemporâneas nas salas de aula e fora delas. O tema está na ordem do dia e deverá atrair mais atenção agora, com o lançamento do Plano Nacional de Banda Larga, que facilitará o acesso à internet a maior número de brasileiros. A cobertura desse assunto pela imprensa representa preocupação sadia com um dos aspectos mais relevantes da educação: a situação do ensino e da aprendizagem em tempos de conectividade mundial.

Por trás dessa questão esconde-se outra: a da metodologia. Independentemente das tecnologias em voga, cabe debater, além de "com o que se ensina e se aprende", também o "como se ensina e se aprende" diante da nova realidade. Se as atuais tecnologias de comunicação e da informação, as TIC, são elas próprias peças relevantes no atual processo de ensino e aprendizagem, também representam desafio a esse mesmo processo. Afinal, como se sabe, conforme sejam utilizadas, podem ser poderosas aliadas ou temerosas concorrentes da educação formal.

Eis onde entra a metodologia de ensino e aprendizagem. O método, vale lembrar, tem relação direta com a qualidade da educação. Ele faz a diferença, seja em um ambiente altamente tecnológico, seja em um ambiente mais tradicional. Trata-se, afinal, de lidar com mentes de crianças e jovens em um mundo onde há contrastes, disparidades. Para esse mundo desigual, mas no qual a ciência e a tecnologia vão ganhando terreno, o método deve estar comprometido com o raciocínio lógico, a capacidade de pensar por si próprio, a curiosidade científica, a investigação, a descoberta, a inovação.

A criança e o jovem que manipulam habilmente um computador e a vasta rede mundial necessitam de ambiente escolar igualmente instigante. A criança e o jovem que ainda não se familiarizaram com teclados e monitores necessitam, mais ainda, desse ambiente escolar instigador, que os capacite para atuar em uma sociedade altamente informatizada e um mercado de trabalho sequioso de inovação. Para uns e outros, a metodologia mais adequada está comprometida com o presente e de olho no futuro.

Se os tempos de lousa e giz resistem em numerosas partes do globo, em outras tantas regiões, especialmente as que mais se desenvolvem, o quadro-negro vai ficando para trás. A interatividade, já banal na TV e na internet, chega atrasada (mas chega) às salas de aula. O bordão "eu falo e você ouve" cai em desuso e vai dando lugar a indagações como "o que descobrimos aqui e agora juntos?".

Exames como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostram que os estudantes dos países economicamente mais desenvolvidos já possuem habilidades equivalentes na leitura em livro impresso e na tela de um computador. O que eles leem, em um e outro formato, é que faz toda a diferença, porém. Debater as ideias presentes seja em um romance, seja em um blog, é tarefa para hábeis professores. Assistir a uma ficção científica em HD ou em 3D, cruzar galáxias em um videogame ou visitar um planetário são apenas bons pretextos para se dialogar sobre astronomia, e a qualidade desse diálogo depende da qualificação dos professores e do material didático disponível no dia a dia.

Transformar o mundo em uma aldeia virtualmente global traz numerosas vantagens. Mas aproveitá-las em termos pedagógicos é um desafio que, em grande parte, está na metodologia de ensino. Em princípio, ela deve anteceder a máquina. A mente do estudante precisa estar preparada para lidar com a enorme quantidade de informação disponível, seja como texto, imagem, som. Filtrá-la, por exemplo, é passo fundamental, que depende principalmente da escola. Aprender a aprender, enfim, está no cerne mesmo do processo educativo. Só metodologia avançada e professores altamente capacitados podem garantir aos estudantes aproveitamento adequado das TIC e de tudo o que o contato com elas envolve.

Na educação do presente voltada para o futuro, a afirmação cede espaço à indagação, e esta vai em busca de soluções que movam o mundo e o tornem melhor. As crianças sempre souberam disso. Parece que só faltava os adultos lhes darem ouvidos.

Doutor em educação pela Universidade Stanford (EUA), foi representante da Unesco no Brasil e é vice-presidente da Sangari Brasil

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Quando o médio é fundamental - WANDA ENGEL

Garantir que nossos jovens acessem, permaneçam e concluam o ensino médio passa a ser mais um desafio estratégico para a sociedade



Como sabemos, a educação brasileira é estruturada em etapas. Inicia-se na educação infantil, continua no chamado ensino fundamental -que, junto com o ensino médio, constitui o ensino básico.
A partir daí, segue-se, para poucos, o ensino superior.
É interessante observar que o ensino fundamental recebe esse nome por sua enorme importância no desenvolvimento de competências consideradas essenciais para a vida. Quando o Brasil ainda era uma sociedade agroindustrial, também servia como credencial mínima para entrar no mercado de trabalho.
No segundo grau (atual ensino médio), somente o técnico e o normal tinham a função de preparar diretamente para o trabalho.
As demais modalidades -científico e clássico- eram organizadas em função das opções de ensino superior, sendo demandadas pelos que pretendiam ter acesso à universidade. Daí a ideia de que o ensino médio seria apenas um "curso de passagem" rumo à universidade.
Nas últimas décadas, as exigências do mercado de trabalho em relação à escolaridade cresceram muito. Na sociedade do conhecimento, o mínimo exigido é o ensino médio completo.
Por isso, é necessário um grau de abstração e habilidades intelectuais que só são desenvolvidas em pelo menos 11 anos de escolaridade. O ensino médio não representa mais só uma passagem, mas assume o papel de "ensino fundamental" para prosseguir nos estudos e acessar o mercado de trabalho.
De alguma forma, o sistema educacional tenta responder a essa nova demanda. O aumento das matrículas no ensino médio é significativo nas últimas décadas, mas sem dar vazão às reais necessidades.
Apenas a metade dos jovens de 15 a 17 anos que deveriam estar cursando esse nível é aí encontrada.
De cada dez jovens que se matriculam na primeira série, apenas cinco concluem seu curso. Em consequência, a média de escolaridade dos jovens de 18 a 24 anos ainda é de apenas nove anos (final do ensino fundamental).
O jovem que não termina seu ciclo básico está fadado a desemprego, subemprego ou inserção no mercado marginal. Ao constituírem suas novas famílias, completam o famigerado ciclo reprodutivo da pobreza. A não conclusão do ensino médio ameaça tanto o futuro dos jovens quanto o projeto de desenvolvimento sustentável do país.
Na faixa de 24 a 35 anos, apenas 38% dos trabalhadores possuem o ensino médio. Hoje, altos níveis de desemprego entre os jovens convivem com sobras de postos de trabalho. As regiões Norte, Sul e Centro-Oeste do país já vivem o temido "apagão de mão de obra".
Avançamos muito na cobertura e na qualidade de nosso ensino fundamental, mas não dá para esperar que essa "onda" atinja o médio.
Garantir que nossos jovens acessem, permaneçam e concluam o ensino médio passa a ser um desafio estratégico para a sociedade brasileira. É preciso que tenhamos consciência de que, neste estágio de desenvolvimento do país, o médio é fundamental.

WANDA ENGEL, 66, é superintendente do Instituto Unibanco. Doutora em educação pela PUC-RJ, chefiou a divisão de desenvolvimento social do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington (EUA).

FERNANDO VELOSO - Inovar e avaliar

Uma forma de estimular inovações é por meio de escolas públicas geridas por organizações privadas



NOS ARTIGOS ANTERIORES, discuti três elementos essenciais de uma estratégia eficaz para melhorar a educação no Brasil: boa gestão, políticas para escolas e alunos com pior desempenho, e professores de qualidade.
Embora existam várias experiências promissoras, os resultados das políticas educacionais dependem, de forma crucial, dos detalhes das intervenções, das características do ambiente em que atuam e da qualidade dos recursos humanos.
Neste sentido, para completar a estratégia é preciso estimular o surgimento de inovações adaptadas às circunstâncias locais e avaliar seus resultados. Caso sejam bem-sucedidas, essas iniciativas podem ser replicadas para o conjunto da rede pública.
Como são responsáveis pela educação básica, Estados e municípios têm um papel fundamental no estímulo a inovações. Uma forma, ainda pouco conhecida, é por meio da criação de escolas experimentais.
Uma experiência pioneira é a do Procentro (Programa de Desenvolvimento dos Centros de Ensino Experimental) de Pernambuco. Os Centros de Ensino Experimental foram concebidos como uma forma de introduzir inovações na rede pública em pequena escala.
Em troca de metas de desempenho, as escolas de ensino médio participantes do programa passaram a ter maior autonomia e flexibilidade em termos de remuneração e seleção de professores e de diretores.
Neste ano, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro implantou no segundo ciclo do ensino fundamental um modelo semelhante, chamado Ginásio Experimental Carioca.
Outra forma de estimular inovações é por meio de escolas públicas geridas por organizações privadas, conhecidas nos Estados Unidos como "charter schools".
Esse modelo pode ser adotado no Brasil por intermédio de contratos de gestão entre o setor público e organizações sociais, de forma similar à que já existe na área de saúde.
O governo federal tem um papel importante no sentido de incentivar inovações e disseminar informações sobre experiências de sucesso. Um modelo que pode ser considerado nesse sentido é o do NCER (National Center for Education Research).
O NCER é um dos quatro centros que compõem o Institute of Education Sciences, órgão do Ministério da Educação dos Estados Unidos responsável pela área de pesquisa educacional.
Este centro financia a realização e a avaliação de experiências inovadoras e fornece recursos para a criação de bases de dados de desempenho escolar que possam ser utilizadas para avaliar intervenções educacionais.
A construção de um sistema que estimule a adoção e a avaliação de iniciativas inovadoras tem grande potencial para elevar a qualidade da educação no Brasil.

FERNANDO VELOSO, 44, é pesquisador do IBRE/FGV
fernando.veloso@fgv.br