domingo, 27 de fevereiro de 2011

GILBERTO DIMENSTEIN

Uma série de sites está revolucionando o conceito que se tem de transparência, a exemplo do WikiLeaks


ALIMENTADA POR DEZENAS DE milhares de pessoas e atualizada diariamente na internet, uma espécie de Bolsa de Valores informa publicamente quanto custa a maconha na maioria das cidades norte-americanas. Chega-se ao requinte de informar o preço no mercado de acordo com a qualidade do produto: ruim, regular e bom.
O leitor pode imaginar que ouvi essa "dica" de algum estudante num dormitório ou cafeteria aqui em Harvard, mas a verdade é que a informação foi transmitida numa solene sala de aula, quando se mostrava a comunicadores como as novas tecnologias impactam a produção e a distribuição de conhecimento. Depois desse exemplo, apareceu na tela o que poderíamos chamar de "bolsa do crime": trata-se de um programa que permite que se saiba de forma simples e ricamente ilustrada quais foram os crimes, divididos em suas várias modalidades, que ocorreram em cidades dos Estados Unidos nas últimas 24 horas. Entre eles está a venda de drogas.
Neste momento, em que as revoltas no Oriente Médio são atribuídas, pelo menos em parte, às novas tecnologias, que estão produzindo uma geração de jovens informados e conectados, a "bolsa da maconha" serve curiosamente também para ilustrar como o cidadão consegue se informar e se mobilizar sem depender tanto dos meios tradicionais de comunicação.


Aplicativos que não custam quase nada ou, em certos casos, nada mesmo já permitem que sejam editados em poucos minutos no celular, durante o calor dos acontecimentos, programas de rádio (Poddio Audio Editing) ou de televisão (First Video). Quem está acostumado com as pesadas e caras máquinas dos estúdios de rádio e televisão sabe muito bem o que isso significa.
Quem rala para degravar uma entrevista de horas sabe o valor de um programa recém-lançado (Voice Base) que coloca no papel em tempo real o que foi gravado no celular. A entrevista degravada pode ir direto para o Facebook ou para o Twitter.
Não é necessário mais digitar no celular enquanto se está dirigindo para saber onde fica determinado restaurante ou loja, basta apenas falar para receber o mapa com a localização (Vlingo).


Disseminam-se mecanismos para checar informações que podem aguçar o poder crítico do indivíduo e ajudar no trabalho de apuração dos jornalistas.
Uma série de sites está revolucionando o conceito que se tem de transparência, a exemplo do WikiLeaks, responsável pela divulgação de documentos secretos que provocou grande impacto em vários países. Aliás, nesta semana saiu um livro que detona a credibilidade do WikiLeaks, escrito por um de seus altos funcionários.
Sites permitem fazer facilmente extraordinários cruzamentos. Enquanto se acompanha uma votação parlamentar ou uma proposta apresentada por um governante, é possível ver na tela do computador os mais diferentes tipos de ligação e de interesse de cada político, quais são seus negócios, quem dá dinheiro para a sua campanha, com quem tem obras ou contratos -e até suas viagens ou os presentes que ganha, inclusive de nações estrangeiras.
Um programa criado recentemente (Poligrapf) extrai trechos de uma notícia e informa detalhes sobre as entidades envolvidas em determinados eventos. Com isso, a notícia pode ficar mais transparente para o leitor.



Pode-se pensar que, com tudo isso, o jornalista é uma espécie em extinção. Muito pelo contrário. Com tanta informação disponível em qualquer canto, cada vez será mais necessário haver gente treinada para distinguir o que é essencial do que é supérfluo. Se algum leitor tiver alguma dica, envie que eu incluo.


PS- Preparei uma seleção com todos os sites mencionados nesta coluna (www.catracalivre.com.br) para que leitor possa um fazer exercício de cidadania digital e deixar alguns reis nus.

gdimen@uol.com.br

Metade das escolas tem ensino religioso

São 98 mil colégios, públicos ou privados, oferecendo a disciplina, segundo censo da educação básica do MEC

Sem diretriz nacional sobre conteúdo, Estados e municípios adotam formatos diversos; lei veta só propaganda


ANGELA PINHO
DE BRASÍLIA

"O que são as histórias da Bíblia? Fábulas, contos de fadas?", pergunta a professora do 3º ano do ensino fundamental. "Não", respondem os alunos. "São reais!"
A cena, numa escola pública de Samambaia, cidade-satélite de Brasília, precede aula sobre a criação do universo por Deus em sete dias. O colégio é um dos 98 mil do país (entre públicos e particulares) que ensinam religião.
O número começou a ser levantado em 2009, no censo da educação básica feito pelo Inep (instituto ligado ao MEC). Ao todo, metade das escolas do país tem ensino religioso na grade curricular.
O fundamento está na Constituição, que determina que a disciplina deve ser oferecida no horário normal da rede pública, embora seja opcional aos estudantes. Escolas particulares não precisam oferecê-la, mas, se assim decidirem, podem obrigar os alunos a assistirem às aulas.
Não há, porém, uma diretriz nacional sobre o conteúdo -a lei proíbe só que seja feita propaganda religiosa e queixas devem ser feitas aos conselhos de educação.
Assim, Estados e municípios adotam formatos diversos. Uns põem religiosos para dar as aulas; outros, professores formados em história, pedagogia e ciências sociais.
É o caso do DF, onde a orientação é que não haja privilégio a um credo -embora a aula em Samambaia possa ser considerada controversa.

DISCUSSÕES
A conveniência de se oferecer ou não o ensino religioso é, sim, algo controverso.
Uma das maiores discussões ocorreu em 1997, quando, meses antes da visita do papa João Paulo 2º, o governo federal retirou da lei dispositivo que proibia o Estado de gastar dinheiro público com o ensino religioso.
Em 2008, nova polêmica surgiu quando o Brasil assinou com o Vaticano acordo que previa que "o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".
A controvérsia foi a menção explícita ao catolicismo, vista por alguns como privilégio a uma única religião.

SUPREMO
Para Roseli Fischmann, professora da USP, a disciplina fere o caráter laico do Estado. "Precisaríamos ter a coragem de aprovar emenda que a retirasse da Constituição", afirma.
Presidente do Fonaper (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso), Elcio Cecchetti defende a disciplina sob o argumento de que as crenças ou a ausência delas são "dados antropológicos e socioculturais" que devem ser ensinados, mas sem privilégio a uma religião.
A polêmica chegou à Justiça. Desde o ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa ação em que o Ministério Público Federal pede que determine que o ensino religioso só possa ser de natureza não confessional e proibindo que religiosos sejam professores.


Casal de ateus faz acordo e escola libera filhos de aula

No horário do ensino religioso, garotos do Paraná frequentam a biblioteca

Diretor de colégio diz que a "diversidade das crianças é respeitada" nas aulas, que não doutrinam alunos


Marcos Labanca/Folhapress

Os gêmeos Marco e João Antônio, 7, que não precisam assistir às aulas de ensino religioso

DIMITRI DO VALLE
DE CURITIBA

Os pais de dois alunos de Pranchita, no interior do Paraná, fizeram um acordo com a direção da escola pública onde os filhos estudam para que eles deixassem de frequentar as aulas de religião.
A professora Eliane Lambert Junkes, 26, e o marido, o caminhoneiro Alberi Junkes, 40, são ateus e defendem o direito de os gêmeos, de sete anos de idade, não serem "doutrinados" sobre a existência de Deus.
A mãe de Marco Antônio e João Antônio não admite que as aulas de ensino religioso comecem com uma oração nem que Deus seja tratado como uma entidade real e superior, que zela pela humanidade e tem poderes para julgar as ações dos homens.
O acordo foi feito no ano passado -as crianças foram às aulas por quase três anos- e permitiu que, nesse horário, os meninos frequentem a biblioteca. Eliane diz que a decisão foi amigável.
"Não quero que eles sejam doutrinados a crer. Ninguém precisa ser bom na vida porque tem alguém superior olhando. As pessoas devem ser boas porque isso é correto", afirma a professora.
Eliane acredita que os filhos, quando amadurecerem, poderão adquirir conhecimento suficiente para decidir qual papel a religião terá em suas vidas.
"Quando eles crescerem, teremos condições de conversar melhor", diz.

HISTÓRIA DAS RELIGIÕES
A mãe dos garotos afirma que, se as aulas tivessem outro tipo de abordagem, como a história das religiões, não se oporia ao aprendizado.
"A história das religiões é importante para contar o processo de formação do homem. Jamais vou privar meus filhos do conhecimento, mas não é o que acontecia na escola", afirma.
Procurado pela Folha, o diretor da Escola Municipal Márcia Canzi Malacarne, Everaldo Canzi, declarou que não daria entrevista por telefone porque considera o tema "complexo e amplo".
Ele negou, no entanto, que as aulas tenham o objetivo de "doutrinar" os alunos a crer e disse que a "diversidade das crianças é respeitada".

Rede pública do Rio oferece aulas opcionais de sete religiões

DO RIO
DE SÃO PAULO


Uma lei estadual no Rio define que a oferta de ensino religioso é obrigatória nas escolas, mas a matrícula na disciplina é opcional.
Cabe aos alunos de 16 anos ou aos responsáveis daqueles abaixo dessa idade definir qual religião estudarão -há sete disponíveis, diz o governo: católico, evangélico, judaico, mórmon, espírita, umbandista e messiânico.
Segundo especialistas, porém, a oferta de professores nas escolas públicas é reduzida e a legislação, desvirtuada. O ensino religioso no Estado é confessional.
Os professores passam por cursos definidos por instituições religiosas credenciadas pelo Estado. Na prática, porém, 90% dos professores professam religiões cristãs, dizem pesquisadores.
A Secretaria de Educação afirmou que a distribuição de professores é proporcional ao credo dos alunos. Segundo o órgão, o ensino religioso no Estado "é confessional e plural, respeitando a diversidade cultural e religiosa".
Na capital, não há ensino religioso. O Conselho Municipal de Educação decidiu esperar a manifestação do Supremo sobre o tema para decidir como ele deve tratado.

SÃO PAULO
Na rede estadual de São Paulo, não há disciplinas específicas de ensino religioso. Segundo a Secretaria da Educação, o conteúdo é distribuído em outras matérias, como sociologia e filosofia.


ANÁLISE

Omissão acabou produzindo um mapa caótico das religiões

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Tecnicamente, o Brasil é um Estado laico. Não há religião oficial e o artigo 19 da Constituição proíbe expressamente o poder público de estabelecer cultos religiosos, subvencioná-los ou manter com eles relações de dependência ou aliança.
A própria Carta, entretanto, invoca em seu preâmbulo a "proteção de Deus" e, no artigo 210, prevê o ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.
Embora doutrinadores gostem de dizer que não há contradição entre esses dispositivos, é forçoso reconhecer que colocá-los lado a lado gera pelo menos um ruído. Fica a sensação de que o legislador quis estabelecer a quadratura do círculo por meio de decreto.
Ao contrário de outros estrépitos constitucionais, que conseguem passar relativamente despercebidos, esse está produzindo uma série de consequências.
Por considerar que a religião não é assunto de regulação estatal, o CNE (Conselho Nacional de Educação) optou por não fixar parâmetros curriculares nacionais para o ensino religioso. A decisão é institucionalmente correta, mas gerou um deus nos acuda, onde cada Estado definiu ao sabor da conjuntura política local como a matéria seria ministrada.

ESTADOS
Como mostra o livro "Laicidade e Ensino Religioso no Brasil", das pesquisadoras Debora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, a omissão do CNE acabou produzindo um mapa caótico.
Acre, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro optaram por um sistema confessional, que não se distingue da educação religiosa oferecida em escolas ligadas a religiões. Evidentemente, esse tipo de ensino afronta o dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que veda o proselitismo no ensino religioso.
Alagoas, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins escolheram o modo interconfessional, no qual as religiões hegemônicas se unem para definir um núcleo de valores a ser ensinado aos alunos.
Os cultos majoritários se dão bem, mas ateus, agnósticos e membros de religiões pouco representativas ficam ao deus-dará.
Apenas São Paulo fez uma leitura crítica dos mandamentos constitucionais e se definiu pelo ensino não confessional. As crianças têm aulas de história das religiões, no que é provavelmente a única forma de aliar o ensino religioso com o princípio da laicidade do Estado.
Os problemas jurídicos são tantos, que o Ministério Público Federal está movendo uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) contra o ensino religioso nas escolas públicas.
Na Adin, protocolada em agosto, a subprocuradora-geral Deborah Duprat pede que o Supremo vede os sistemas de caráter confessional e determine que a abordagem histórico-antropológica seja adotada em nível nacional.

Explosão solar é mistério para ciência

Fenômeno, ainda incompreendido, afeta telecomunicações e sistemas elétricos na Terra; pico é a cada 11 anos

Explosões recentes registradas pela Nasa aconteceram depois do previsto e tiveram baixa intensidade de energia


NASA/AFP



SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO

LUIZ GUSTAVO CRISTINO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Apesar das explosões solares registradas pela Nasa (agência espacial norte-americana) neste mês, tudo indica que o Sol anda mais preguiçoso do que o "normal".
As chamadas "tempestades solares", erupções na superfície do Sol que liberam alta carga de energia no espaço, costumam atingir seu pico a cada 11 anos.
Como o último ponto mais alto foi registrado em 2001, era esperado que o próximo ocorresse no ano que vem.
"Mas isso está longe de acontecer", explica o físico solar Pierre Kaufmann, especialista em astrofísica solar.
De acordo com ele, a atividade do Sol está bastante retardada. E ainda: as explosões recentes tiveram baixa intensidade, depois de quatro anos de "repouso" solar.
"Pelo andar da carruagem, pode ser que o auge do ciclo atual do Sol aconteça só em 2016", diz o cientista.
Outra possibilidade é que o ciclo solar se feche em 2012, mas com um pico menos intenso do que se imaginava.
Durante um ciclo solar, surgem manchas na superfície do Sol. "Em volta dessas manchas há gás quentíssimo e ionizado [gás em que os átomos estão dissociados]. Então, ocorrem as explosões súbitas", explica Kaufmann.
Esses fenômenos explosivos são na atmosfera da estrela, ou seja, saem da superfície para fora do Sol.
As explosões solares alteram principalmente sistemas de transmissão de energia e telecomunicações na Terra.
Isso começou a ser percebido no começo do século 20, quando cientistas notaram queda no sistema de comunicação de submarinos.

AQUI NA TERRA
São dois efeitos. O primeiro ocorre cerca de cinco minutos após as explosões (tempo para a radiação viajar 1,5 milhão de km até a Terra).
O segundo é uma ejeção lenta de massa coronal solar (parte externa da estrela), que pode levar de dois a quatro dias para chegar aqui.
"Algumas explosões solares enormes não têm impactos em correntes elétricas; outras, menores, têm. Estamos longe de entender esses impactos", diz Kaufmann.
Sabe-se também que a quantidade de raios cósmicos que atingem a Terra diminui com a atividade solar. Isso porque o aumento de plasma (gases "ionizados" expulsos pelo Sol) desvia esses raios da atmosfera terrestre.
Assim como os efeitos das explosões na Terra ainda não estão claros para os cientistas, o ciclo de 11 anos do Sol também é um mistério.
Kaufmann está acostumado a acompanhar a atividade do Sol. Ele coordena o Craam (Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica, da Universidade Presbiteriana Mackenzie) e é um dos principais nomes de um observatório instalado pela universidade nos andes argentinos.
O Complexo Astronômico El Leoncito ("o leãozinho", em referência aos pumas da região andina) tem um acervo instrumental financiado por agências brasileiras em parceria com o governo argentino. A atividade solar é um dos temas de estudos.

Previsão catastrófica é exagero, diz físico

DE SÃO PAULO

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O recente fenômeno solar teve forte repercussão, mas, ao menos com os dados obtidos até o momento, não há motivo para se preocupar com situações catastróficas.
"O que aconteceu foi uma explosão de intensidade média. No sentido de interferência nas telecomunicações, ela não apresentou nenhum efeito acima do esperado", afirmou Reinaldo Rosa, físico do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
"Pode ser que, daqui a milhões de anos, o Sol evolua e provoque grandes consequências mais globais, mas, hoje, o que acontece são pequenos problemas locais de comunicação", afirma.
Segundo ele, previsões alarmistas para os anos de 2012 e 2013 não se justificam, pois, além da possibilidade de atraso do pico das explosões, o período de mínima liberação de energia deste ciclo acabou se revelando o menos intenso entre todos os 24 já monitorados até hoje. "Se você comparar com os ciclos anteriores, a esta altura já deveríamos ter tido muito mais fenômenos desse tipo."
Por isso, ele acredita que o período de pico das explosões também não será tão forte. "Para a ala mais conservadora [entre os cientistas], não há previsão que indique a necessidade de que órgãos de governo, por exemplo, tomem alguma providência fora do normal."
Isso não significa que o fenômeno não possa causar problemas. Segundo o físico solar Joaquim Eduardo Costa, também do Inpe, certas explosões podem danificar satélites ou provocar blecautes durante horas.
Além disso, podem interromper missões espaciais, impedindo atividades extraveiculares -as naves são protegidas por um invólucro de proteção contra radiação. "Mas isso é um procedimento normal, previsto pela Nasa", ressalta ele.
(SR e LGC)

MARCELO GLEISER - Infinito, elétron e outras invenções

Baseamos os nossos argumentos no que podemos medir. E o que vem a ser a coisa real? Talvez nunca saibamos



OUTRO DIA, meu filho de quatro anos perguntou: "Pai, você pode contar até infinito?" "Não posso, filho, não ia acabar nunca". "Mas quanto é infinito menos três?" "É infinito também". "Mas como se escreve o número infinito?" "É um oito deitado." "Mas isso é um número, feito um ou dois?"
O infinito é mais uma ideia do que um número. É um conceito que criamos para representar sequências infindáveis de números, ou um ponto no espaço ou no tempo infinitamente distante da nossa posição ou do nosso momento presente.
O infinito não é algo a que chegamos; é algo sobre o qual pensamos.
Uma representação de nossas limitações, já que somos finitos no espaço e no tempo. Por outro lado, é também exemplo da nossa criatividade.
Mesmo que arredio, o infinito está por toda parte. Em cosmologia, dados atuais indicam que o Universo é infinito. Se andarmos numa direção e mantivermos a rota, jamais retornaremos ao ponto de partida. Se o universo fosse finito, feito a superfície de uma bola (em 3D), poderíamos circunavegá-lo, como o fez Fernão de Magalhães com a Terra (ou os que restaram de sua tripulação.)
Podemos ter certeza de que o universo é infinito? Não. Sabemos apenas que a porção do espaço que podemos medir, o que chamamos de horizonte -a distância percorrida pela luz em 13,7 bilhões de anos- é plana (ou quase). E uma geometria plana, como a superfície de uma mesa, estende-se ao infinito. Mas nossa certeza termina aí.
É possível que nossa porção plana do espaço faça parte de um universo curvo gigantesco. Se não temos acesso ao que há fora do horizonte, não temos certeza do que existe lá. Podemos apenas inferir.
E os pontos e linhas da geometria? Conceitos estranhos, também.
Um ponto marca uma posição no espaço, mas não ocupa espaço: seu volume é nulo. Uma linha, ligando dois pontos no espaço, não tem espessura. E é feita de pontos adjacentes. Coisas sem volume, lado a lado, fazem uma linha sem espessura!
Portanto, representamos coisas no espaço usando coisas que não existem no espaço, mais ideias do que coisas. Representações matemáticas, como quando desenhamos pontos num papel e os conectamos com linhas, mesmo que ilusórias, funcionam extraordinariamente bem. O real baseia-se no intangível.
Quando procuramos pelos menores pedaços de matéria, encontramos ideias semelhantes. Átomos são formados de elétrons, prótons e nêutrons. Prótons e nêutrons são formados de quarks. Portanto, dizemos assim que a matéria é feita de quarks e elétrons.
Será que quarks e elétrons são feitos de coisas ainda menores? Um elétron não é simplesmente uma bola de energia com carga negativa.
Um físico de partículas diria que um elétron não tem estrutura interna, que não há nada "lá dentro". Mas não podemos ter certeza.
Baseamos nossos argumentos no que podemos medir. Podemos tratar o elétron como uma partícula "pontual", com carga elétrica negativa, mas devemos lembrar que esta representação é uma aproximação da coisa real. E o que é essa coisa real? Talvez nunca saibamos. Como pontos e linhas, os elétrons e quarks são construções que usamos para representar como vemos o mundo.
Eles são como os vemos.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Educação superior, banda larga de acesso

Artigo do ministro da Educação, Fernando Haddad, publicado na Folha de S. Paulo desta quarta-feira (23)

As recentes conquistas não podem nos fazer esquecer dos avanços da educação superior, essenciais para a manutenção do ciclo virtuoso que vivemos

Na última década, o Brasil foi, segundo o Banco Mundial, o país que mais avançou em aumento de escolaridade e, segundo dados da OCDE, o terceiro país que mais evoluiu em qualidade da educação básica.

Superamos a China, no primeiro caso, e ficamos atrás apenas de Chile e Luxemburgo, no segundo. Fruto de investimentos recordes em educação básica, essas conquistas não podem nos fazer esquecer dos avanços da educação superior, essenciais para a manutenção e desenvolvimento desse ciclo virtuoso.

1. Reuni: a expansão e interiorização das universidades federais dobraram o número de ingressantes entre 2003 e 2010, levando educação superior pública de qualidade para 126 cidades do interior do país.

O artigo da Constituição de 1988 (suprimido em 1996) que determinava a interiorização da oferta foi recuperado em sua essência, bem como a estratégia de transformar a educação superior num dos eixos de reordenação do território.

2.Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs): foram criados 38 IFs a partir de 140 unidades federais de educação profissional preexistentes (1909-2002) e a entrega de 214 novas (2003-2010), com projeto pedagógico inovador, que alia a oferta de ensino médio integrado a educação profissional, licenciaturas nas áreas de matemática e ciências da natureza e cursos superiores de tecnologia, firmando para estes padrão nacional de excelência acadêmica.

3.Universidade Aberta do Brasil: foram instalados 587 polos de apoio presencial para ensino à distância público de qualidade, sobretudo em cidades que não comportam um campus universitário, criando padrão de excelência nessa outra fronteira de expansão, com foco na formação de professores.

4.ProUni: foi regulamentado o artigo da Constituição que previa isenção fiscal para entidades que atuavam na educação superior, possibilitando o ingresso em cursos superiores pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de mais de 800 mil jovens da escola pública.

5. Novo Fies: as regras de financiamento estudantil foram radicalmente alteradas, com redução dos juros, aumento do prazo de carência e amortização, dispensa de fiador e perdão da dívida para professores da escola pública e médicos do SUS à razão de 1% por mês de exercício profissional.

6. Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior): a expansão da educação superior se dá agora pela observância de rígidos critérios de qualidade. As instituições ganham ou perdem autonomia de acordo com indicadores objetivos do Sinaes, podendo inclusive ser descredenciadas ou mesmo ter seus processos seletivos suspensos.

7.Novo Enem: a reformulação do exame segue seu caminho, possibilitando que instituições de ensino superior substituam seu anacrônico vestibular por um instrumento contemporâneo semelhante ao utilizado pelos mais modernos sistemas de ensino do mundo.

Dentre outras possibilidades, o novo Enem permite que, com seu boletim, o estudante possa, conhecendo previamente seu desempenho e a média do desempenho dos demais, escolher o curso e a instituição em que pretende estudar.

Todos esses projetos, pela escala monumental, enfrentam algumas dificuldades. Mas o resultado é que, em dez anos, a matrícula no ensino superior teve aumento de 151% e o número de formandos cresceu 195%! Com o aperfeiçoamento desses instrumentos, podemos criar na próxima década uma verdadeira banda larga de acesso à educação superior.

Fernando Haddad, 48, advogado, mestre em economia, doutor em filosofia, é ministro da Educação.

(Folha de São Paulo)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Universidade pública cresce entre maiores

Enquanto a rede particular perdeu mais de 40 mil matrículas em um ano, o sistema ganhou cerca de 78 mil

Em um cenário de estagnação, as universidades públicas conseguiram melhorar suas posições no ranking das 20 maiores escolas do país. Das oito presentes na lista, seis subiram de posição de um ano para o outro.

A constatação está presente no detalhamento por instituição do Censo da Educação Superior 2009, realizado pelo Ministério da Educação, a que a Folha teve acesso. Em relação a 2008, cresceu também o número de universidades públicas entre as 20 maiores (de sete para oito).

A USP era a sexta escola com mais matrículas presenciais; subiu para o quarto lugar. A UFRJ (federal do Rio) pulou do 14º para o 9º. Quatro das seis públicas que melhoraram são federais.

O ganho de posições de universidades públicas reflete os dados gerais do sistema universitário brasileiro. Enquanto a rede privada perdeu pouco mais de 40 mil matrículas em um ano, o sistema oficial ganhou 78 mil.

Dos 5 milhões de matrículas presenciais no país, só 25% (o que corresponde a 1,25 milhão) estão no sistema público. Atualmente, menos de 15% dos jovens cursam o ensino superior. A meta do governo é chegar a 30%. Como explicação para o movimento, analistas do setor apontam que a rede privada chegou perto da saturação de seu modelo atual, e a rede federal se beneficia do programa de expansão, iniciado em 2007.

Exemplos: as privadas Estácio de Sá e Uniban perderam, respectivamente, 7% e 11% de suas matrículas. Já as federais do Rio e de Pernambuco cresceram 19% e 10%. "O crescimento das escolas públicas é positivo, mas insuficiente para atender à necessidade de mão de obra do país", afirmou o presidente da consultoria CM (especializada em gestão universitária), Carlos Monteiro.

Segundo Monteiro, a tendência é que a rede privada busque mecanismos para melhorar a qualidade de seus cursos, principalmente tentando atrair os melhores docentes, o que garantiria a permanência dos alunos. Já Oscar Hipólito, ex-diretor do Instituto de Física da USP-São Carlos e pesquisador do Instituto Lobo, afirma que "sem melhorias no financiamento dos alunos, a rede privada não voltará a crescer". Ele também entende que apenas a rede pública não conseguirá manter a expansão necessária de matrículas no ensino superior.

Os dados detalhados do censo mostram que as 13 universidades reprovadas nas avaliações federais em 2008 perderam 13% das matrículas no ensino superior.

Já entre as oito tops, houve aumento de 19% na quantidade de estudantes.

Queda foi efeito da crise mundial, afirma sindicato das particulares

A queda nas matrículas das universidades particulares foi pontual, em razão da crise econômica mundial que atingiu o Brasil no final de 2008, mas a tendência é que o setor volte a crescer.

Essa é a opinião de Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp (sindicato das universidades privadas de SP). Segundo ele, as universidades que mais sofreram foram as que disputam as classes C e D, as primeiras a cortar os gastos com ensino.

Para a Uniban, o "problema é o modelo de economia primária vigente, que exige pouca mão de obra qualificada". Diz, ainda, que sua evasão é inferior à média de SP.

A Estácio de Sá diz que houve em 2009 uma saída de inadimplentes, após maior rigor com as mensalidades atrasadas, e que também ocorreu uma migração para a modalidade a distância.

A Unipac afirma que antes de 2009 houve aumento de estudantes do curso normal superior -para professores que já davam aula, mas não tinham formação-, porém, essa demanda esgotou-se.

A Universidade Luterana do Brasil diz que a queda foi de 16% - e não de 27% - e que isso foi fruto de uma crise institucional e financeira no período, que já foi superada.

(Folha de S.Paulo)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Programa de escolas técnicas prevê expansão de rede com linha do BNDES

A nova política educacional terá cinco grandes eixos, centrados na expansão física da rede de escolas profissionalizantes e da oferta de vagas nos sistemas público e particular

O Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica (Pronatec) está pronto, e sobre a mesa da presidente Dilma Rousseff, à espera de aprovação, que deverá sair até o fim de março. Segundo apurou o Valor, a nova política educacional terá cinco grandes eixos, centrados na expansão física da rede de escolas profissionalizantes e da oferta de vagas nos sistemas público e particular.

Entre as novidades estão a criação de nova linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para expansão e modernização das escolas das entidades do Sistema S; oferta de financiamento com juro subsidiado pelo governo federal para empresas qualificarem seus empregados; a vinculação do pagamento do seguro-desemprego com matrículas em curso técnico; e a expansão das redes federal e estaduais de ensino médio profissionalizante, custeada pelo Ministério da Educação (MEC). Além disso, o Pronatec prevê isenção fiscal para escolas técnicas particulares que ofereçam bolsas de estudo para estudantes do ensino médio público, medida já antecipada pelo governo e similar ao Programa Universidades para Todos (Prouni).

Com 2,2 milhões de matrículas em cursos de qualificação e técnico de nível médio distribuídas em quase 800 escolas fixas e móveis, o Serviço de Aprendizagem Industrial (Senai) é um dos principais alvos do Pronatec. De acordo com um dirigente do governo federal diretamente envolvido na formulação da política, a linha de crédito do BNDES para ampliar a rede do sistema é estimada em mais de R$ 15 bilhões. A garantia dos empréstimos será composta pela antecipação das receitas das entidades do Sistema S, que fecharam 2010 acima dos R$ 10 bilhões. Só o Senai arrecadou R$ 3 bilhões. "Será um investimento de dez anos em dois", diz a fonte.

O modelo de financiamento já é de conhecimento do BNDES, mas ainda não foi apresentado formalmente. A avaliação inicial é positiva. Nos próximos dias, a instituição receberá carta-consulta do Senai. Oficialmente, o banco informa que mantém conversas com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e com o MEC para encontrar os melhores formatos de apoio ao Pronatec.

"A contribuição das indústrias é a fonte de arrecadação do Senai. À medida que antecipamos essa receita, podemos investir na expansão da nossa capacidade para atender o hiato de formação de mão de obra do setor produtivo. O Senai se endivida com o BNDES para ter um dinheiro novo e estabelece como garantia sua arrecadação futura", explica Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia da CNI e diretor-geral do Senai.

Ele conta que o MEC elaborou essas medidas com ajuda do setor empresarial e que o Pronatec é uma política "audaciosa". "É uma agenda abrangente. A presidente Dilma e o ministério estão trabalhando com uma meta de expansão ousada, bastante representativa em relação à capacidade atual de atendimento", avalia Lucchesi.

Outro eixo do Pronatec ligado à iniciativa privada é a oferta de crédito subsidiado para empresas que decidam bancar o estudo técnico de seus funcionários. A taxa já está definida: 3,4% ao ano, mesmo percentual aplicado atualmente no Financiamento Estudantil (Fies) do ensino superior. "O empresário que quiser mandar um grupo de profissionais fazer um curso de informática ou de especialização no setor de petróleo terá vantagens claras na captação de recursos para formação", complementa a fonte governamental.

O Pronatec também será estendido aos 6,9 milhões de brasileiros sem trabalho, que recebem atualmente o seguro-desemprego. A proposta em avaliação pela presidente Dilma prevê a concessão de uma bolsa e condiciona o pagamento do benefício ao solicitante que se comprometer em frequentar um curso técnico ou de qualificação profissional durante o período de ociosidade.

Na avaliação do governo, a medida ajudaria a coibir fraudes no sistema. "Dos mais de 6 milhões de segurados, 1,9 milhão é reincidente, recebe o benefício pela segunda vez, terceira vez", afirma a autoridade federal consultada pela reportagem. Segundo ela, a obrigatoriedade não valerá para todos os solicitantes. Os critérios serão reincidência do desempregado no sistema, faixa etária e a região.

"Vamos tentar favorecer os mais jovens e as regiões que mais precisam de mão de obra qualificada", diz a fonte. O Ministério do Trabalho apoia a iniciativa, mas não forneceu em tempo os dados sobre beneficiários reincidentes do seguro-desemprego.

Por fim, o Pronatec dará continuidade ao processo de expansão da rede de institutos federais técnicos e tecnológicos, com 81 novas unidades até 2012. Além disso, o MEC vai transferir recursos do programa Brasil Profissionalizado para Estados ampliarem suas redes de ensino profissional. Em 2010, o programa distribuiu R$ 1,5 bilhão.

(Valor Econômico)

Usar tecnologia na educação não é uma escolha, é essencial

Artigo de Adriana Martinelli Carvalho, coordenadora da área de Educação e Tecnologia do Instituto Ayrton Senna, publicado na Folha de S. Paulo de hoje (21)

Na última década, houve uma gigantesca evolução tecnológica dentro de uma mesma geração. Por isso, torna-se inconcebível pensar na ação formativa de crianças e jovens sem envolver as tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Os educadores, que não experimentaram inicialmente essa vivência tecnológica, também se deparam com o desafio de entender o seu papel nesse contexto. Computadores com acesso à internet já são realidade em boa parte das escolas. O sistema 1:1 - um computador para cada aluno ou jovem - começa a ser implementado, e os obstáculos de infraestrutura são lentamente superados. No entanto, o que para muitos era um jargão -"não basta ter acesso, é preciso saber o que fazer com a tecnologia"- hoje é a questão mais urgente a ser respondida.

A tecnologia permite colocar pessoas em contato com pessoas e todas em contato com a informação, em qualquer tempo e de qualquer lugar. Este é o grande potencial das TIC's na educação. No entanto, disponibilizar isso ao aluno, sem relacionar à sua formação, não tem valia. É fundamental garantir ao educador uma formação voltada à compreensão do uso dessas tecnologias na vida de crianças e jovens para aproximar e integrar duas gerações: a de "nativos" e a de "imigrantes digitais".

Essa formação deve valorizar a metodologia para, através das TICs, garantir o desenvolvimento de competências, sem, no entanto, limitá-la aos aspectos cognitivos dos conteúdos curriculares. O desempenho escolar é fundamental, mas sabemos que um conjunto maior de habilidades é necessário para a formação do indivíduo e sua atuação bem-sucedida no mercado de trabalho.

Por isso a urgência de refletirmos como a tecnologia afeta o comportamento dos alunos e como sua utilização pode contribuir na promoção da aprendizagem.

O fato de, em algumas escolas brasileiras, públicas ou privadas, alunos terem acesso ao aprendizado 1:1 não significa que a sua performance escolar será melhor. É importante avaliar como essa tecnologia tem sido utilizada e de que forma os educadores lidam com esse novo contexto. Certamente a dinâmica das aulas precisa ser repensada, assim como a criação de práticas e a definição de estratégias de avaliação.

A utilização das TICs não é uma escolha, mas uma ferramenta essencial para aproximar crianças e jovens de uma educação real e eficaz.

(Folha de São Paulo)

Ensino médio: a pior etapa da educação do Brasil


Série especial do iG mostra por que os adolescentes perdem interesse pela escola, acabam desistindo ou não aprendem o que deveriam

Cinthia Rodrigues, iG São Paulo | 21/02/2011 07:00

Há duas avaliações possíveis em relação à educação brasileira em geral. Pode-se ressaltar os problemas apontados nos testes nacionais e a má colocação do País nos principais rankings internacionais ou olhar pelo lado positivo, de que o acesso à escola está perto da universalização e a comparação de índices de qualidade dos últimos anos aponta uma trajetória de melhora. Já sobre o ensino médio, não há opção: os dados de abandono são alarmantes e não há avanço na qualidade na última década. Para entender por que a maioria dos jovens brasileiros entra nesta etapa escolar, mas apenas metade permanece até o fim e uma pequena minoria realmente aprende o que deveria, o iG Educação apresenta esta semana uma serie de reportagens sobre o fracasso do ensino médio.


O problema é antigo, mas torna-se mais grave e urgente. As tecnologias reduziram os postos de trabalho mecânicos e aumentaram a exigência mínima intelectual para os empregos. A chance de um jovem sem ensino médio ser excluído na sociedade atual é muito maior do que há uma década, por exemplo. “Meus pais só fizeram até a 5ª série, mas eram profissionais bem colocados no mercado. Hoje teriam pouquíssimas e péssimas chances”, resume Wanda Engel, superintendente do Instituto Unibanco, voltado para pesquisas educacionais.

Ao mesmo tempo, a abundância de jovens no País está com tempo contado, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O Brasil entrou em um momento único na história de cada País em que há mais adultos do que crianças e idosos. Os especialistas chamam o fenômeno de bônus demográfico, pelo benefício que traz para a economia. Para os educadores, isso significa que daqui para frente haverá menos crianças e adolescentes para educar.

“É agora ou nunca”, diz a doutoranda em Educação e presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude, Fabiana Costa. “A fase do ensino médio é crucial para ganhar ou perder a geração. Ali são apresentadas várias experiências aos adolescentes. Ele pode se tornar um ótimo cidadão pelas décadas de vida produtiva que tem pela frente ou cair na marginalidade”, afirma.

História desfavorável
O problema do ensino médio é mais grave do que o do fundamental porque até pouco tempo – e para muitos até agora – a etapa não era vista como essencial. A média de escolaridade dos adultos no Brasil ainda é de 7,8 anos e só em 2009 a constituição foi alterada para tornar obrigatórios 14 anos de estudo, somando aos nove do ensino fundamental, dois do infantil e três do médio. O prazo para a universalização dessa obrigatoriedade é 2016.

Por isso, governo, ONGs e acadêmicos ainda concentram os esforços nas crianças. A expectativa era de que os pequenos bem formados fizessem uma escola melhor quando chegassem à adolescência, mas a melhoria no fundamental não tem se refletido no médio.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a questão envolve dinheiro. Quando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) foi criado, em 1996, repassava a Estados e municípios verba conforme o número de matrículas só naquela etapa. “O dinheiro não era suficiente para investir em tudo e foi preciso escolher alguma coisa”, diz o especialista.

A correção foi feita em 2007, quando o “F “da sigla foi trocado por um “B”, de Educação Básica, e os repasses de verba passaram a valer também para o ensino médio. “Só que aí, as escolas para este público já estavam sucateadas”, lamenta Cara.

A diferença é percebida pelos estudantes. Douglas Henrique da Silva, de 16 anos, estudava na municipal Guiomar Cabral, em Pirituba, zona oeste de São Paulo, até o ano passado quando se formou no 9º ano. Conta que frequentava a sala de informática uma vez por semana e o laboratório de ciências pelo menos uma vez por mês.

Em 2010, no 1º ano do ensino médio, conseguiu vaga na escola estadual Cândido Gomide, que fica exatamente em frente à anterior. Só pelos muros de uma e outra, qualquer pessoa que passa por ali já pode notar alguma diferença de estrutura, mas os colegas veteranos de Douglas contam que ele vai perceber na prática uma mudança maior.

“Aqui nunca usam os computadores e não tem laboratório de ciências”, afirma Wilton Garrido Medeiros, de 19 anos, que também estranhou a perda de equipamentos quando saiu de uma escola municipal de Guarulhos, onde estudou até 2009. Agora começa o 2º ano na estadual de Pirituba, desanimado: “Lá também tinha mais professor, aqui muitos faltam e ninguém se dedica.”

Até a disponibilidade de indicadores de qualidade do ensino médio é precária. Enquanto todos os alunos do fundamental são avaliados individualmente pela Prova Brasil desde 2005, o ensino médio continua sendo avaliado por amostragem, o que impossibilita a implantação e o acompanhamento de metas por escola e aluno e um bom planejamento do aprendizado.

A amostra, no entanto, é suficiente para produzir o Índice da Educação Básica (Ideb), em que a etapa é a que tem pior conceito das avaliadas pelo Ministério da Educação. Foi assim desde a primeira edição em 2005, quando o ensino médio ficou com nota 3,4; a 8ª série, 3,5; e a 4ª série, 3,8; em uma escala de zero a 10. Se no ensino fundamental ocorreu uma melhora e em 2009 o conceito subiu, respectivamente, para 4 e 4,6, os adolescentes do ensino médio não conseguiram passar de 3,6.

“A etapa falha na escolha do conteúdo, que não é atrativo para o estudante, e também não consegue êxito no ensino do que se propõe a ensinar”, diz Mateus Prado, presidente do Instituto Henfil e colunista do iG que escreverá artigos especialmente para esta série, que durante os próximos dias conduzirá o leitor a conhecer o tamanho do problema e refletir sobre possíveis soluções.

Acompanhe esta semana:
Terça-feira: Por que o adolescente perde o interesse pela escola?
Quarta-feira: O que significa a má qualidade indicada nos índices?
Quinta-feira: Falta o mínimo: professores qualificados
Sexta-feira: Iniciativas que podem mudar este quadro

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Governo libera contratação de professor sem concurso em federal

Docente temporário poderá atuar em novas universidades e campi

O governo federal poderá preencher vagas em novas universidades e escolas técnicas sem a necessidade de promover concursos públicos para a contratação de professores efetivos.



Medida provisória editada pela presidente Dilma Rousseff coloca a expansão das instituições de ensino federais, uma das principais promessas da presidente, na categoria de "excepcional interesse público".



Com isso, fica liberada a contratação de professores temporários, que gozam de regime trabalhista mais precário, para preencher vagas nessas instituições. A MP é editada justamente no momento em que o governo se prepara para cortar R$ 50 bilhões do Orçamento.



O limite de vagas de temporários nas federais ainda será definido. Na prática, a MP vale só para novas universidades ou novos campi. No caso de professores efetivos que entram em licença, por exemplo, já existe a figura do professor substituto, que é outro tipo de professor temporário. Agora, com a MP, vagas "virgens" também podem ser ocupadas por temporários.



Além de salários menores (o pagamento é feito por horas trabalhadas), esses professores não têm direito a férias, nem acesso ao plano de carreira que profissionais efetivos desfrutam.



Em discursos e entrevistas, Dilma costuma reforçar sua preocupação com a "valorização dos professores".



De acordo com o texto da MP encaminhada na segunda-feira ao Congresso, a contratação desses profissionais temporários deve respeitar o prazo de um ano, prorrogável por igual período.



O texto não deixa claro, porém, se a vaga temporária poderá ser preenchida por outro professor, também em caráter temporário, após o fim do prazo máximo de dois anos. A MP afirma só que "as contratações serão feitas por tempo determinado".



O Ministério da Educação nega que exista a possibilidade de a vaga ser perpetuada como "temporária". Segundo o MEC, depois dos dois anos, ou mesmo antes disso, haverá contratação, via concurso, de professor efetivo.



A política de contratação de professores temporários, em detrimento de concursos, é alvo de críticas por parte de sindicatos dos docentes, por conta da precariedade da relação trabalhista.



Concurso em segundo plano



Como funciona hoje - Não há previsão de contratação temporária de professores para suprir vagas abertas com a criação de novas universidades ou com a abertura de novos campi nas instituições que já funcionam. O que existe é a previsão para contratação de professores substitutos, que devem cobrir exonerações, aposentadorias, falecimentos ou licenças. Além disso, pela lei atual, o percentual desses professores substitutos não pode passar 10% do total do quadro docente de uma universidade



Como ficará - As contratações temporárias para "suprir demandas decorrentes da expansão das instituições federais de ensino" passam a ser permitidas, por prazo máximo de dois anos. Ou seja, o governo fica dispensado de abrir concurso público e pode fazer a contratação temporária para novas vagas em universidades. Em relação aos professores substitutos, fica estabelecido um limite de 20% do total de professores efetivos da instituição. Fonte: MP nº 525, de 14 de fev. de 2011, e Lei 8.745/1993

(Folha de São Paulo)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

FNDE divulga estimativa do salário Educação

O maior orçamento é dedicado ao estado de São Paulo, a maior economia do País, que recebe R$ 2,954 bilhões do total nacional


O Diário Oficial da União divulgou hoje (15) a estimativa dos repasses do salário-educação das redes municipais, estaduais e distritais para o exercício 2011. A previsão é de um montante de R$ 7,142 bilhões para todo o Brasil, dos quais R$ 3,594 bilhões são estimados para a rede estadual; e R$ 3,548 bilhões para a rede municipal. Os dados foram publicados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação.



O maior orçamento é dedicado ao Estado de São Paulo, a maior economia do País, que recebe R$ 2,954 bilhões do total nacional. Dessa fatia, R$ 1,597 bilhão são dedicados à rede estadual e R$ 1,356 bilhão, ao ensino municipal.



De acordo com as explicações do FNDEC, os valores anuais estimados de repasses para os governos estaduais, distrital e municipais foram calculados com base na previsão da arrecadação da contribuição social do salário-educação, "podendo haver alteração ao longo do presente exercício, a depender da arrecadação a ser efetivamente realizada em cada Unidade da Federação." Mais informações http://portal.in.gov.br

(Diário Oficial da União)

Portais noticiosos e Google controlam 75% do tráfego de internet no Brasil

O hábito de navegação do brasileiro ainda passa bastante pelas homepages dos portais, que tiveram a competência de criar esse hábito e de mantê-lo até hoje e portanto são poucos os blogs independentes com audiência relevante, aponta o estudo


A navegação de grande parte dos internautas brasileiros começa pelos portais de notícias, segundo apresentação da agência JWT no Social Media Week, realizado em São Paulo. Sites como Globo.com, Terra, iG e UOL são responsáveis - ao lado do serviços de busca Google, Orkut e Youtube - por 75% de pageviews no Brasil, informa agência com base em dados levantados pelo instituto de pesquisa (Ibope).



Sem as ferramentas do Google, metade do tráfego de usuários brasileiros na web está centralizada em veículos de imprensa. "Eles (portais) ensinaram o brasileiro a navegar e souberam manter o tráfego", diz Ken Fujioka, vice-presidente de planejamento da JWT, em matéria reproduzida pelo portal de comunicação Comunique-se.



O resultado desta ampla aceitação do público, como avalia a agência, enfraquece o espaço dos blogs nas mídias digitais. Os blogueiros que conquistam a audiência são incorporados aos grandes portais. "Quanto mais fragmentada a audiência, mais propício é o ambiente para que os blogs sejam influentes. E no Brasil a internet é muito concentrada", entende Fujioka.



No País, a mídia online é concentrada assim como a mídia chamada "offline". Do mesmo modo em que há cinco grandes canais de TV, no País, há também sete sites "majors". Segundo o Ibope: UOL, Terra, iG, Globo.com, Google (incluindo busca, YouTube e Orkut), Microsoft Live e Yahoo!, analisa Laís Prado no artigo "JWT avalia mídia social x tradicional", publicado em seu blog CCSP.



Outro questionamento do estudo é se a mídia tradicional é pautada pelas mídias sociais e a conclusão é que, aparentemente, isso acontece pouquíssimo, sendo as mídias sociais mais usadas como fonte de pesquisa. O estudo levanta algumas hipóteses para justificar a relação entre as mídias sociais e as tradicionais. Pela análise publicada na Folha de São Paulo, apesar do frisson em torno das mídias sociais, a pesquisa demonstra que no país, elas ainda são muito pouco influentes, servindo mais como uma caixa de "ressonância" ao repercutir notícias geradas pela mídia tradicional.



Segundo o relatório, a maioria do que se fala em mídias sociais é de caráter pessoal, especialmente fora dos blogs - estes sim teriam um compromisso, em geral, com a busca por conteúdo original. Nos EUA, diz o estudo, isso acontece mais do que no Brasil. Blogs são fontes de informação, dão furos, investigam: o TMZ foi o veículo que avisou ao mundo que Michael Jackson tinha morrido, o Gizmodo conseguiu um iPhone 4 roubado, Barack Obama conseguiu com sucesso usar as redes sociais e os blogs movimentam milhões nos EUA (vide Huffington Post, agora comprado pela AOL).



O hábito de navegação do brasileiro ainda passa bastante pelas homepages dos portais, que tiveram a competência de criar esse hábito e de mantê-lo até hoje e portanto são poucos os blogs independentes com audiência relevante, aponta o estudo.



Para elaborar a pesquisa, a JWT realizou entrevistas e analisou o arquivo das reportagens de 2010 do "Jornal Nacional" e das revistas "Época" e "Veja". Foram analisadas 7.418 matérias. Nas mídias sociais, foram analisadas as ferramentas Google Trends, Google Em Tempo Real e os relatórios de assuntos populares divulgados no final do ano pelo Twitter e pelo Facebook.

(Sergio Duran - Jornalismo das América)

Laboratório espanhol publica ranking das melhores universidades do mundo

O Brasil lidera o ranking da América Latina, ocupando oito das 10 primeiras posições, sendo a USP a primeira colocada


O Laboratório de Cibermetria do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (Csic), da Espanha, classificou 12 mil estabelecimentos de ensino superior de todo o mundo, de acordo com seu desempenho na Web. Para a avaliação, foram analisados o desempenho, a visibilidade internacional e o impacto da rede nas universidades. O novo ranking foi disponibilizado em janeiro.



O ranking é liderado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), seguido da Universidade de Harvard, ambos dos Estados Unidos da América, o grande líder do ranking, ocupando as 11 primeiras colocações. As universidades brasileiras mais bem classificadas foram a Universidade de São Paulo (USP), que aparece em 51º lugar, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na 161ª posição, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na 166ª colocação, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 209º lugar.



O Brasil lidera o ranking da América Latina, ocupando oito das 10 primeiras posições, sendo a USP a primeira colocada. O ranking deste ano apresenta novidades, incluindo uma versão atualizada do diretório, com classificações regionais e novos métodos para estimar a presença e calcular o impacto acadêmico da Web nas universidades, oferecendo informações sobre as melhores instituições em nível local e internacional.



Os resultados mostram que muitas universidades estão lançando grandes repositórios de documentos científicos, o que lhes permite ganhar posições no ranking. "O papel dos bibliotecários em relação ao movimento de Acesso Livre foi muito importante, uma vez que eles são os principais designers, promotores e gerenciadores dos repositórios institucionais. Os princípios básicos por trás da atual organização dos repositórios estão inspirados nas técnicas bibliotecárias", garantem os editores do ranking, de acordo com o site www.webometrics.info



Para visualizar o ranking acesse: www.webometrics.info/top12000.asp

(Ascom MCT)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

GILBERTO DIMENSTEIN - Professores digitais

O que mudará é que o professor que despeja conteúdos automaticamente será mesmo dispensável



QUANDO ENCONTRA dificuldade para ajudar o filho na lição de casa, Bill Gates aciona o professor Salman Khan. "Tudo fica fácil", diz Gates, que, nos últimos anos, vem gastando dezenas de milhões de dólares em sua fundação para descobrir novos jeitos de educar.
Filho de família da Índia e de Bangladesh, Khan tem um currículo capaz de impressionar qualquer gênio: no MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts), fez matemática, engenharia elétrica e ciência da computação; em Harvard, administração. Mas o que impressiona mesmo Gates é o valor das aulas: são de graça e acessíveis a qualquer um -aliás, neste momento, se quiser, você também pode entrar na internet e receber as mesmas aulas.
Khan foi um dos personagens que influenciaram Gates a escrever um texto em que sugere a substituição dos professores convencionais por aulas, acompanhadas de exercícios, gravadas com recursos multimeios por professores como Khan e distribuídas para todos. "É melhor uma boa aula desse tipo do que as dadas por professores medíocres", provoca o criador da Microsoft.



Muita gente está levando a sério a possibilidade de as novas tecnologias exterminarem o professor como o conhecemos. Haveria uma radicalização do ensino a distância. Já há recursos para que um curso seja dado sem interferência humana. As aulas são gravadas e todos os debates, exercícios e notas são feitos por um programa de computador.
Autor da ideia de um computador por criança, Nicholas Negroponte me disse que está preparando uma experiência para ser lançada em comunidades da África e da Ásia que têm alto índice de analfabetismo. Quer deixar num lugar público computadores conectados à internet para ver como e se as crianças conseguem aprender a ler e a escrever sozinhas. "Cada vez mais o conhecimento vai ser transmitido fora da sala de aula", comentou.



Esse tipo de recurso pode ajudar muito os alunos, especialmente os mais pobres, mas duvido que possa atingir a excelência sem que se viva num ambiente criativo, estimulante, com trocas entre alunos e professores motivados. Qualquer um pode acessar aulas do MIT ou de Harvard, entre outros grandes centros de ensino. Outra coisa é entrar num laboratório e acompanhar, por exemplo, o nascimento de um carro capaz de estacionar sozinho. Esse projeto é desenvolvido no AgeLab, que se dedica a criar produtos e serviços para idosos. Já está criando roupas e acessórios para os mais velhos evitarem acidentes.
Estou aqui em Harvard experimentando uma poderosa combinação do virtual com o presencial, num curso sobre experiências educativas internacionais. Cada aula se transforma num fórum na internet entre os estudantes, conduzido por três monitores. Daí surgem outros fóruns autônomos para cada comentário. Para aprofundar as questões, a classe, separada em três grupos, reúne-se presencialmente.
O professor mistura as aulas expositivas com depoimentos de convidados do mundo inteiro, que, a distância, ilustram os textos curriculares. Um explica como usa a tecnologia para melhorar o ensino em áreas rurais da Índia, outro conta como cria bibliotecas em remotas vilas da Ásia ou da África. Depois da exposição, os convidados respondem às questões dos estudantes. Tudo é gravado e postado na rede.
Tecnologia alguma, porém, supera o entusiasmo de um professor como Fernando Reimers. Ele viaja pelo mundo para conhecer experiências educacionais e participa de algumas delas. Não há software capaz de competir com essa paixão.



O que veio para ficar foi o fato de as informações circularem, criando a possibilidade de que o mundo se converta numa imensa comunidade de aprendizagem. Existem sinais por todos os lados.
Um dos negócios que prosperam no mundo digital são páginas abertas a perguntas que são respondidas por leitores. A diferença agora é que empresas estão contratando especialistas para dar respostas quase imediatamente. Há redes sociais em que se podem aprender todas as línguas importantes. Em outras páginas, são ensinadas expressões e gírias que acabam de surgir. Aprende-se espanhol com alguém que está na Argentina ou na China.



O que vai mudar é que o professor que despeja automaticamente os conteúdos será mesmo dispensável, pois será mais caro e menos eficiente do que uma tela de computador.


PS- Coloquei no www.catracalivre.com.br os links desta coluna: o AgeLab, o MIT, o ensino de línguas, as aulas do professor Khan, as redes sociais para o aprendizado dos idiomas e os cursos gratuitos de universidades.

gdimen@uol.com.br

MARCELO GLEISER - Defendendo a ciência

Outros países educam seus jovens sobre a importância da ciência; no Brasil, há uma corrente contrária

PARECE NOTÍCIA VELHA, mas a ciência e o ensino da ciência continuam sob ataque. Por exemplo, uma busca na internet com as palavras "criacionismo", "escolas" e "Brasil" leva ao portal www.brasilescola.com. Lá, há um texto, de Rainer Sousa, da Equipe Brasil Escola, que discute a origem do homem.
O autor afirma que o assunto é "um amplo debate, no qual filosofia, religião e ciência entram em cena para construir diferentes concepções sobre a existência da vida".
No final, diz: "sendo um tema polêmico e inacabado, a origem do homem ainda será uma questão capaz de se desdobrar em outros debates. Cabe a cada um adotar, por critérios pessoais, a corrente explicativa que lhe parece plausível".
"Critérios pessoais" para decidir sobre a origem do homem? A religião como "corrente explicativa" sobre um tema científico, amplamente discutido e comprovado, dos fósseis à análise genética?
Como é possível essa afirmação de um educador, em pleno século 21, num portal que leva o nome do nosso país e se dedica ao ensino?
Existem inúmeros exemplos da tentativa, às vezes vitoriosa, da infiltração de noções criacionistas no currículo escolar. Claro, se o criacionismo fosse estudado como fenômeno cultural, não haveria qualquer problema. Mas alçá-lo ao nível de teoria científica deturpa o sentido do que é ciência e de seu ensino.
Um país que não sabe o que é ciência está condenado a retornar ao obscurantismo medieval. Enquanto outros países estão trabalhando para educar seus jovens sobre a importância da ciência, aqui vemos uma corrente contrária, que parece não perceber que a ciência e as suas aplicações tecnológicas determinam, em grande parte, o sucesso de uma nação.
Muitos dirão que são contra a ciência apenas quando ela vai de encontro à fé. Tomam antibióticos, mas rejeitam a teoria da evolução.
Se soubessem que o uso de antibióticos, que aumenta as chances de que os germes criem imunidade por mutações genéticas, é uma ilustração concreta da teoria da evolução, talvez mudassem de ideia. Ou não. Nem o melhor professor pode ensinar quem não quer aprender.
Os cientistas precisam se engajar mais e em maior número na causa da educação do público em geral.
Mas devemos ter cuidado em como apresentar a ciência, sem fazê-la dona da verdade. Devemos celebrar os seus feitos, mas ser francos sobre suas limitações e desafios (a teoria da evolução não é um deles!) Não devemos usar a ciência como arma contra a religião, pois estaríamos transformando-a numa religião também. Achados científicos são postos em dúvida e teorias "aceitas" são suplantadas.
Bem melhor é explicar que a ciência cria conhecimento por meio de um processo de tentativa e erro, baseado na verificação constante por grupos distintos que realizam experimentos para comprovar ou não as várias hipóteses propostas.
Teorias surgem quando as existentes não explicam novas descobertas. Existe drama e beleza nessa empreitada, na luta para compreender o mundo em que vivemos. Ignorar o que já sabemos é denegrir a história da civilização. O problema não é não saber. O problema é não querer saber. É aí que ignorância vira tragédia.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

País perde R$ 9 bilhões com evasão no ensino superior, diz pesquisador

Média da evasão no país em 2009 foi de 20,9%, segundo censo do MEC. Apenas 47,2% dos estudantes se titularam após quatro anos de curso

As perdas financeiras com a evasão no ensino superior em 2009 chegam a cerca de R$ 9 bilhões, segundo cálculo do pesquisador do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia, Oscar Hipólito, com base nos números do Censo do Ensino Superior divulgados pelo Ministério da Educação em dezembro do ano passado.

Os dados do censo mostram que de 2008 para 2009, um total de 896.455 estudantes abandonaram a universidade, o que representa uma média de 20,9% do universo de alunos. Nas instituições públicas, 114.173 estudantes (10,5%) largaram os cursos. Nas particulares, um total de 782.282 alunos (24,5% dos estudantes) evadiram (veja gráfico abaixo). Cada estudante custa por volta de R$ 15 mil ao ano na universidade pública e em média R$ 9 mil ao ano na instituição privada, de acordo com o pesquisador, que é ex-diretor do Instituto de Física do campus São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

Para receber o aluno, as universidades têm de manter toda uma infraestrutura pronta, com prédios equipados, material de ensino, bibliotecas, além de pagar professores e funcionários. Na universidade pública, o valor é gasto mesmo se o estudante não está lá. Já no caso da instituição particular, as mensalidades de quem abandonou o curso deixam de ser pagas.

"O fato de não ter aluno é custo. A instituição está pronta para ele. Esse é um dos problemas mais graves da educação brasileira em todos os níveis", afirmou Hipólito.

O pesquisador explica que o cálculo é uma média e tende a ser maior, já que há outros custos envolvidos na educação, como alimentação e transporte. "Se o estudante evade no primeiro ano, deixa de contribuir por quatro anos", disse.

Estudo feito por Hipólito com dados do censo mostram que apenas 47,2% dos estudantes se titularam após quatro anos de curso. Outro dado preocupante mostra que a taxa de aumento de matrículas, que era de 14,8% em 2002 ficou em 0,7% em 2009. Além disso, a taxa de aumento de ingressos de 2008 para 2009 ficou em 7,5% negativos. Em 2008, o número de ingressantes foi de 1,87 milhões e no ano seguinte foi de 1,73 milhões.

Segundo Hipólito, vários motivos levam o estudante a abandonar o ensino superior. Além de os jovens terem dificuldade para pagar a faculdade e se manterem durante o curso, há outro grande problema: a falta de acompanhamento acadêmico e pedagógico. Há países, como Japão, Finlândia e Suécia, que têm baixas taxas de evasão, principalmente por darem suporte ao estudante do começo ao fim do curso.

Esse acompanhamento, segundo Hipólito, consiste na recuperação do aluno que vai mal, ajuda àqueles que têm problemas financeiros, atuação de professores tutores, entre outros. "Uma vez que o aluno entrou, o problema é da faculdade. Se ela o aceitou, a responsabilidade é dela. Tem que recuperar o aluno. Aqui não se recupera. Acha-se que todos são incompetentes, o que não é verdade. Todos têm possibilidades", afirmou.

O Brasil tinha meta de chegar a 30% da população no ensino superior em 2010, mas não passou dos 13%. Para Hipólito, faltou e continua faltando uma política de longo prazo para mudar a situação. Um exemplo ao país, segundo o pesquisador, é a Coreia do Sul, que há cerca de 20 anos decidiu que investiria em educação. "Tem que focar. Eles focaram em ciências exatas e tecnologia. Hoje, compramos carros e TVs desenhados na Coreia. Enquanto isso, o Brasil não desenvolve nada, porque não tem tecnologia."

(Fernanda Nogueira)

(G1, 7/2)

O pré-sal e o etanol, artigo de Rogério Cezar de Cerqueira Leite

A despeito da inquestionável competência da Petrobras, é imensa a vantagem do etanol sobre o petróleo do pré-sal quanto à sustentabilidade

Rogério Cezar de Cerqueira Leite é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron). Artigo publicado na "Folha de SP":

De acordo com as últimas avaliações da Petrobras, a reserva total do pré-sal soma cerca de 13 bilhões de barris, o que corresponde a aproximadamente 1% das reservas restantes mundiais e que nada significaria para a humanidade quanto ao deslocamento do pico de produção.

Admitindo um tempo de vida de 80 anos para as reservas dos campos do pré-sal, calculamos que sua contribuição será, em média, de aproximadamente 20% acima da atual produção nacional.

Por outro lado, com o barril de petróleo a preços superiores a US$ 90, até as avaliações menos otimistas de custos de produção do barril de petróleo do pré-sal talvez justificassem o investimento.

Para a comparação de vantagens financeiras entre combustíveis são essenciais duas variáveis: os custos de produção da unidade de energia e os custos de investimento por unidade de energia por dia.

Pois bem, dentro dos limites tecnológicos atuais, o melhor que se pode esperar para o pré-sal é um custo de produção de pelo menos o dobro daquele da produção de etanol.

Quanto aos custos de investimento, tudo parece indicar que a situação é ainda pior para o pré-sal.

Um terceiro fator a ser considerado é o risco financeiro.

Em primeiro lugar, há a questão de um mercado cujos governos encontram sucessivos sofismas para retardar a penetração do etanol brasileiro. Por outro lado, os riscos de produção do etanol são ínfimos em comparação com os do petróleo do pré-sal, cuja tecnologia de extração ainda não está desenvolvida.

Consideremos agora a questão da sustentabilidade e, sob esse aspecto, do aquecimento global. Enquanto o petróleo é o problema, o etanol de cana-de-açúcar é a solução. Mas não é apenas sob esse importante ângulo de sustentabilidade que a imensa superioridade do etanol sobre o petróleo do pré-sal deve ser considerada.

Risco de vazamento a grandes profundidades e sob altas pressões são imprevisíveis.

Portanto, a despeito da inquestionável competência técnica da Petrobras, é imensa a vantagem do etanol sobre o petróleo do pré-sal sob qualquer aspecto de sustentabilidade.

Enquanto a produção de etanol é intensiva em mão de obra, a de petróleo o é em capital, o que é uma desvantagem para um país em desenvolvimento, em que o crescimento populacional exige a criação de empregos em vários níveis de especialização. Portanto, também sob o ponto de vista social, o etanol é preferível ao petróleo do pré-sal.

Com apenas 8% dos 200 milhões de hectares de pastagem, seria possível substituir por etanol 5% da gasolina consumida no planeta. Ou seja, a opção pelo etanol nessa medida, bastante conservadora, proporcionaria uma produção de combustível líquido entre três e quatro vezes maior que todo o petróleo do pré-sal até hoje confirmado, e não apenas por 60 ou 80 anos, mas indefinidamente.

Se tudo o que foi dito aqui é verdade, ou pelo menos verossímil, então como se explica a opção pelo pré-sal? Ou é um grande equívoco ou é uma revelação. A imensa intuição do presidente Lula deve ter percebido que o Brasil, nesse estado juvenil de desenvolvimento em que se encontra, precisa de um projeto nacional, pioneiro. Precisa de seu "homem na Lua".

Enquanto o etanol seria só um pouco mais da mesmice prosaica do século passado, o pré-sal, com seus imensos desafios tecnológicos e financeiros, seria a bandeira do desenvolvimentismo ousado, para não dizer agressivo, que deveria propelir o país no século 21. O Brasil chegaria, assim, mais fundo, aonde nenhum outro país teria ousado ir.

(Folha de SP,8/2)

Plano do MEC de ampliar ensino médio enfrenta resistência do maior parceiro

CNI não reconhece dívida com o governo

A principal proposta do Ministério da Educação (MEC) para ampliar o ensino médio integral e profissionalizante vai esbarrar na resistência de quem deveria ser o principal parceiro do projeto, o Sistema S (Sesc, Sesi, Senai, entre outros), coordenado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O projeto prevê a oferta de vagas gratuitas de cursos técnicos no sistema para alunos de escolas públicas usando uma dívida de R$ 3,3 bilhões que Sesi, Senai, Sesc e outras entidades têm com o governo federal. A CNI, no entanto, não reconhece essa dívida.

A proposta de oferecer ensino médio integral e profissionalizante é uma das promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff. No entanto, a capacidade do governo federal de oferecer por conta própria vagas em cursos técnicos de nível médio é limitada, apesar da recente ampliação das escolas técnicas federais. Para isso, o MEC propôs - e a presidente aceitou - que o governo federal cobre a dívida do Sistema S, detectada em 2005.

A origem da dívida é o salário-educação, um tributo de 2% sobre a folha de pagamento das empresas cobrado para financiar ações de educação. Parte desse dinheiro vai para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia ligada ao MEC, e é usado para pagar, entre outras coisas, merenda escolar, transporte e livros didáticos. Outra parte vai para Estados e municípios e uma terceira, para o Sistema S financiar suas ações educativas.

Até 1999, parte do salário-educação era cobrado pelo FNDE, parte pelo INSS. A partir de 2000, o INSS concentrou toda a cobrança e passou a dividir os valores pelas quatro partes. Na época, o cálculo era de que o FNDE teria direito a 33% do arrecadado. Em 2005, o governo refez a conta e descobriu que o FNDE deveria receber 42,5% por ano. Todo o dinheiro dessa diferença, R$ 3,3 bilhões, havia sido destinado ao Sistema S.

Na época, a diretoria do sistema afirmou que, se comprovada a dívida, sentaria com o governo federal para encontrar uma forma de devolver os recursos. Desde então, nada foi feito.

Agora, o MEC encontrou nessa dívida a solução para cumprir a promessa de Dilma. A ideia é que os jovens façam o ensino médio em uma escola pública e, no contraturno, um curso técnico em uma das escolas do Sistema S, que hoje oferece parte das vagas gratuitas - fruto de outro acordo com o MEC - e parte paga. Pela proposta, as entidades teriam de oferecer mais bolsas, até completar o valor que supostamente devem ao governo federal.

Questionada pelo Estado sobre esses recursos, a CNI, responsável direta pelo Sesi e pelo Senai, as principais entidades de treinamento do Sistema S, apenas disse que não reconhece essa dívida e não comentaria mais o assunto. No MEC a posição é de que, se houver resistência, será aberta uma negociação com o Sistema S.

A razão pela qual o MEC concentra esforços nesse projeto é porque as demais propostas têm pouco potencial para ampliar o número de vagas profissionalizantes. Uma delas, chamada de ProUni da educação técnica, prevê a redução de impostos de escolas técnicas particulares em troca de bolsas, da mesma forma que hoje é feito com as universidades privadas. O outro projeto é a ampliação do Financiamento Estudantil para o Ensino Técnico. No entanto, as vagas privadas nessa modalidade de ensino representam apenas 12% das vagas no ensino médio integrado com profissional, que o MEC pretende ampliar.

(Lisandra Paraguassu)

(O Estado de SP, 8/2)

Andifes apresenta pauta de reivindicações ao Ministério da Educação com velhas demandas

Associação reivindica mais verba e pessoal

Apesar do processo de expansão iniciado em 2007, com o decreto que estabeleceu o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), a pauta de reivindicações das instituições federais de ensino superior (Ifes) continua muito parecida. O dinheiro extra vindo para expansão e o crescimento no número de concursos para professor não acabaram com a necessidade de mais verba e mais pessoal.

É o que mostra o ofício enviado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Ifes (Andifes) enviado ao ministro da educação Fernando Haddad. No documento, a organização reconhece os avanços obtidos durante o governo Lula, especialmente no segundo mandato, mas falam da necessidade de adequar verbas e a política de contratação de professores e técnicos-administrativos à nova situação das universidades pós-expansão.

Outro ponto sensível aos reitores é a situação dos hospitais universitários. A falta de uma política clara de financiamento, contratação de pessoal e criação de instrumentos de gestão consiste em uma das suas principais demandas.

Também constam na pauta de reivindicações a revisão dos próprios planos de expansão, com a previsão inclusive de um Reuni 2; o estabelecimento de uma política mais efetiva de assistência estudantil para atender o novo perfil de aluno que ingressou na universidade; a criação de gratificações para professores que ocupam cargos de direção nas Ifes; e a institucionalização do ensino à distância, com a disponibilização de mais recursos.

(Leonardo Cazes)

(O Globo, 7/2)

Para inglês não ver

Com raríssimos cursos em inglês, Brasil deixa de receber alunos e docentes estrangeiros


Adriano Vizoni/Folhapress

Paula Delgado não precisou falar a língua local quando fazia doutorado na Finlândia

SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO

A internacionalização do ensino superior brasileiro tem ganhado força nos últimos anos. Mas a língua portuguesa ainda é uma barreira na ida e vinda de estudantes e professores estrangeiros.
Isso porque a maioria das aulas e dos exames na pós-graduação por aqui é ministrada em português. O cenário é bem diferente de universidades de elite de países como Alemanha, Suécia e Finlândia, que não falam inglês como língua "mãe", mas têm aulas nesse idioma.
"Não encontrei resistências por não falar finlandês", conta a engenheira Paula Delgado, 30. Ela fez parte do seu doutorado no Centro de Pesquisa Técnica VTT em Espoo, na Finlândia, em 2006.
"Todos falavam inglês, mas ficavam contentes quando eu tentava aprender algo em finlandês", brinca.
Assim como ela, Viviane Alecrim, 29, que fez mestrado na Universidade de Ciências Aplicadas de Munique, também chegou à Alemanha sem falar a língua do país.
Apesar de a maioria dos professores serem alemães, conta, as aulas eram em inglês -o que permitiu que ela tivesse colegas de países como China, Tailândia e Irã.
No Brasil, o ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) já afirmou que a internacionalização é necessária para troca de experiências entre países e pode fortalecer a ciência nacional. "Defendo a ideia de atrairmos pesquisadores de excelência no exterior", disse à Folha.
Mas, por enquanto, as aulas em inglês estão por conta dos professores estrangeiros. Os brasileiros, parece, não cogitam dar aula em inglês.
"Em virtude do princípio de igualdade nas condições de acesso e permanência na escola, as aulas devem ser dadas em português. Ninguém é obrigado a falar outra língua que não a oficial", explica Nina Ranieri, advogada e professora da USP especialista em direito à educação.
"É uma postura provinciana, mas que tem fundamento. A oferta em inglês privilegiaria o acesso dos mais favorecidos", completa Ranieri.

INGLÊS NO LABORATÓRIO
Apesar da resistência nos corredores acadêmicos, a geneticista da USP Mayana Zatz prega -e pratica- a internacionalização e o uso corrente de inglês na universidade.
"Meus alunos escrevem artigos e a tese em inglês. Estamos tentando que os trabalhos também sejam apresentados em língua inglesa", conta a geneticista.
O biólogo alemão Mathias Weller, 44, hoje professor da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), concorda com a prática. Ele estava acostumado a falar inglês nos laboratórios da Alemanha, mas, no Brasil, teve de aprender português.
"Isso é um limitador. Há bons profissionais que gostariam de vir ao Brasil, mas não falam português", analisa.
Aula em inglês, no entanto, é só um dos passos da internacionalização. Para a engenheira de pesca Juliana Lima, 35, que fez doutorado na Alemanha, uma universidade bilíngue não está necessariamente preparada para receber estrangeiros. "Acolhimento também conta."


Frase

"Isso é um grande limitador para o Brasil" MATHIAS WELLER biólogo alemão e professor da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba)

Universidades de SP convidam docentes de fora

DE SÃO PAULO

As três universidades estaduais paulistas se esforçam hoje para aumentar a internacionalização e a quantidade de alunos estrangeiros.
Apenas 2% dos estudantes da graduação e da pós da USP, por exemplo, são de fora do país. Para se ter uma ideia do que esse número significa, universidades de ponta como as norte-americanas Harvard e Stanford e a britânica Cambridge têm cerca de 20% de estudantes estrangeiros (de graduação e pós).
A USP só tem um programa de pós-graduação ministrado totalmente em inglês. O curso, de biologia celular e vegetal, acontece no campus de Piracicaba (160 km de SP). É uma parceria com a Universidade do Estado de Nova Jersey e a Universidade do Estado de Ohio.
A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) recrutou professores de fora para atuar como visitantes. Recebeu mais de 200 currículos de moradores de países como França, Canadá e Cuba. Os candidatos não precisam falar português.
Na Unesp (Universidade Estadual Paulista), a vinda de um professor convidado da Universidade de Louisville (EUA) fez com que uma disciplina da pós-graduação em letras fosse dada em inglês no ano passado.
As aulas em língua estrangeira reuniram alunos brasileiros e norte-americanos no campus de São José de Rio Preto (438 km de SP).
"Ninguém reclamou de as aulas serem em inglês", conta a aluna de mestrado Márcia Corrêa Mariano.


ANÁLISE

Não utilizar o inglês é arremessar-se para fora do mundo

IDIOMA EXERCE UMA ESPÉCIE DE IMPERIALISMO LINGUÍSTICO

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Há um quê de ideológico na resistência ao inglês. Os sinais são vários e vêm de diversas frentes.
Em 1999, o combativo deputado Aldo Rebelo, do PC do B paulista, apresentou um projeto de lei que, em sua versão original, bania todos os estrangeirismos (leia-se, anglicismos) da língua portuguesa e ainda obrigava brasileiros, natos e naturalizados, e pessoas de quaisquer nacionalidades residentes no país há mais de um ano a utilizar-se do vernáculo, sob pena de multas.
Uma versão desidratada da proposta foi aprovada em duas comissões e ela agora repousa prudentemente nos escaninhos do Congresso.
Mais êxito teve uma outra iniciativa legislativa que, irmanando ainda mais os povos da América Latina, ampliou o ensino do espanhol. É a lei nº 11.161/05, que obriga escolas públicas e privadas de ensino médio a oferecer o idioma de Cervantes como disciplina optativa.
Se se tratasse apenas de proporcionar aos jovens a oportunidade de aprender direito o idioma de nossos vizinhos, a norma seria inatacável. O problema é que, numa interpretação sistemática com o restante da legislação educacional, ela coloca o espanhol à frente do inglês.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) estipula, para o ciclo médio, o ensino, em caráter obrigatório, de uma língua estrangeira a ser definida pela comunidade escolar. Prevê também a inclusão de um segundo idioma, em caráter optativo, "dentro das disponibilidades da instituição".
A pegadinha está no fato de que a 11.161 fala abertamente no espanhol e se cala em relação ao inglês. As escolas sem grandes "disponibilidades", que devem ser a maioria, podem escolher a língua de Cervantes no lugar da de Shakespeare como o idioma moderno obrigatório, de modo a satisfazer as leis disponibilizando apenas uma língua estrangeira.
Ninguém é obrigado a gostar da primazia de que o inglês goza no mundo contemporâneo. Podemos ir até um pouco mais longe e reconhecer que esse idioma exerce uma espécie de imperialismo linguístico. Mas é preciso viver no mundo encantado de Che Guevara para não perceber que o inglês se tornou aquilo que o grego representava para o período helenístico e que o latim significava na Idade Média: o papel de língua veicular universal, na qual falantes dos mais variados idiomas conseguem se comunicar.
É em inglês que se fecham praticamente todos os grandes negócios internacionais, assim como é nessa língua que se registram os mais importantes avanços científicos. Não utilizá-la nesses campos equivale a arremessar-se para fora do mundo.
E os prejuízos de se afastar dos círculos de produção científica e não internacionalizar as universidades brasileiras superam em muito os de conviver com alguns "sales", "coffee breaks" e outros estrangeirismos de gosto duvidoso, dos quais a língua saberá livrar-se, se lhe dermos tempo suficiente.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Duas visões sobre tecnologia na educação

O ''Estado de SP'' entrevistou dois especialistas no assunto que possuem opiniões divergentes sobre o impacto do uso de computadores na aprendizagem

O uso da tecnologia na educação, dentro e fora da sala de aula, já é realidade em grande parte das escolas brasileiras e do resto do mundo.

Dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, sigla em inglês), divulgados em dezembro, mostram que, no Brasil, 40,8% dos alunos com 15 anos leem e-mails e 56,2% usam chats. Outros países têm índices maiores - na Holanda, por exemplo, as taxas são, respectivamente, de 91% e 90,5%.

Apesar das oportunidades de aprendizado que a rede oferece, nem todos acreditam que a tecnologia impacte positivamente na educação. O Estado traz entrevistas com dois estudiosos que dividem opiniões. Para o professor da USP e coordenador do e-Learning da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), Edgard Cornachione, a tecnologia aprofunda o aprendizado. Já a pesquisa de Felipe Barrera-Osorio, consultor do Banco Mundial, feita na Colômbia, revelou que os computadores tiveram pouco efeito sobre as notas de alunos.

Entrevistas

Edgard Cornachione, professor da Fipecafi e da USP

O professor da USP e da Fipecafi Edgard Cornachione é um grande defensor do uso da tecnologia nos processos de aprendizagem - uma de suas teses trata dos níveis de stress e a performance de aprendizagem de estudantes em ambientes virtuais. Para ele, não há dúvidas sobre a eficácia dos recursos digitais na educação.

- Você acredita no impacto da tecnologia na educação?

Não só acredito como existem evidências empíricas disso. Está na literatura sobre o assunto, nas pesquisas. O efeito é visível especialmente no ensino superior.

- Como assim?

O maior exemplo é a educação a distância (EAD). Não se verificou ainda prejuízos na aprendizagem final dos alunos. Para preservar a qualidade do seu aprendizado, eles têm de se dedicar até mais do um estudante de uma graduação presencial. Além disso, a literatura sobre esse tema hoje se debruça sobre a diferença que a tecnologia pode fazer nos processos educacionais. E as vantagens são muitas.

- Você pode enumerar algumas?

Sim. Com o uso da tecnologia num curso EAD, por exemplo, o aluno sai da zona de conforto. Ele acredita mais em si e na sua capacidade de inventar. Além disso, a EAD não cria horas no relógio: quem controla o tempo é o aluno. Esse é um grande diferencial. Sem contar a questão do espaço e do deslocamento - ou seja, do trânsito - em centros urbanos. A EAD praticamente elimina isso. Mas devemos ressaltar que no Brasil isso tudo é muito recente ainda. O Ministério da Educação (MEC) tem apoiado a modalidade e nosso ciclo de desenvolvimento econômico exige isso.

- Como você vê a relação entre tecnologia e educação no futuro?

A tendência que vem se desenhando há muitos anos é inegável. As salas de aula convencionais estão sentindo uma enxurrada de tecnologia. As ferramentas são múltiplas. A educação mediada por tecnologia oferece interfaces alternativas. A geração mais nova de estudantes não consegue ficar muito tempo lendo, por exemplo. Se as escolas e as universidades não se adaptarem às novas tecnologias, o que vai acontecer com elas?

Felipe Barrera-Osorio, consultor do Banco Mundial

O consultor do Banco Mundial Felipe Barrera-Osorio avaliou o impacto de um programa do Ministério de Comunicação da Colômbia que doou 114 mil computadores a 6 mil escolas, envolvendo 2 milhões de alunos e 83 mil professores. A ideia era que as máquinas fossem utilizadas no ensino de espanhol e matemática. Em sua pesquisa, Barrera-Osorio usou uma amostra de 100 escolas - 50 com o programa e 50 sem - e constatou que a iniciativa teve um efeito pífio sobre as notas dos alunos.

O que você percebeu com o estudo?

- A avaliação apresentou resultados muito preocupantes: em termos gerais, o programa parece ter tido pouco efeito sobre as notas dos alunos nos testes e em outros resultados, como impacto na quantidade de redes de amizades e grupos de trabalho. Esses resultados são consistentes em níveis de ensino, conteúdos e gêneros. Parece que os computadores não influenciaram a experiência diária de aprendizagem dos alunos.

- A que você atribui isso?

A principal razão parece ser a falha em incorporar os computadores em todo o processo educacional. Dados mostram que os professores não incorporaram os computadores em seus currículos. Isso significa que, mesmo recebendo treinamento, é difícil para eles utilizarem computadores no dia a dia.

- Existem atividades que podem ser desenvolvidas com computadores para melhorar a aprendizagem?

Na minha opinião, não temos dados suficientes para saber se atividades com os computadores podem melhorar a aprendizagem. Computadores são apenas ferramentas e, como qualquer ferramenta, podem ter aspectos positivos e negativos. Precisamos de mais pesquisas.

- Você acredita que o computador possa modificar a aprendizagem de um aluno?

Uma constatação da literatura recente - e, novamente, é uma evidência fraca - é que os computadores que vão diretamente para as crianças são mais eficazes do que seu uso mediado pelo professor. Em outras palavras, é difícil para um professor mudar sua prática pedagógica.

(Mariana Mandelli)

(O Estado de SP, 7/2)

Para inglês não ver

Com raríssimos cursos em inglês, Brasil deixa de receber alunos e docentes estrangeiros

A internacionalização do ensino superior brasileiro tem ganhado força nos últimos anos. Mas a língua portuguesa ainda é uma barreira na ida e vinda de estudantes e professores estrangeiros.

Isso porque a maioria das aulas e dos exames na pós-graduação por aqui é ministrada em português. O cenário é bem diferente de universidades de elite de países como Alemanha, Suécia e Finlândia, que não falam inglês como língua "mãe", mas têm aulas nesse idioma.

"Não encontrei resistências por não falar finlandês", conta a engenheira Paula Delgado, 30. Ela fez parte do seu doutorado no Centro de Pesquisa Técnica VTT em Espoo, na Finlândia, em 2006.

"Todos falavam inglês, mas ficavam contentes quando eu tentava aprender algo em finlandês", brinca.

Assim como ela, Viviane Alecrim, 29, que fez mestrado na Universidade de Ciências Aplicadas de Munique, também chegou à Alemanha sem falar a língua do país.

Apesar de a maioria dos professores serem alemães, conta, as aulas eram em inglês -o que permitiu que ela tivesse colegas de países como China, Tailândia e Irã.

No Brasil, o ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) já afirmou que a internacionalização é necessária para troca de experiências entre países e pode fortalecer a ciência nacional. "Defendo a ideia de atrairmos pesquisadores de excelência no exterior", disse à Folha.

Mas, por enquanto, as aulas em inglês estão por conta dos professores estrangeiros. Os brasileiros, parece, não cogitam dar aula em inglês.

"Em virtude do princípio de igualdade nas condições de acesso e permanência na escola, as aulas devem ser dadas em português. Ninguém é obrigado a falar outra língua que não a oficial", explica Nina Ranieri, advogada e professora da USP especialista em direito à educação.

"É uma postura provinciana, mas que tem fundamento. A oferta em inglês privilegiaria o acesso dos mais favorecidos", completa Ranieri.

Apesar da resistência nos corredores acadêmicos, a geneticista da USP Mayana Zatz prega -e pratica- a internacionalização e o uso corrente de inglês na universidade.

"Meus alunos escrevem artigos e a tese em inglês. Estamos tentando que os trabalhos também sejam apresentados em língua inglesa", conta a geneticista.

O biólogo alemão Mathias Weller, 44, hoje professor da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), concorda com a prática. Ele estava acostumado a falar inglês nos laboratórios da Alemanha, mas, no Brasil, teve de aprender português.

"Isso é um limitador. Há bons profissionais que gostariam de vir ao Brasil, mas não falam português", analisa.

Aula em inglês, no entanto, é só um dos passos da internacionalização. Para a engenheira de pesca Juliana Lima, 35, que fez doutorado na Alemanha, uma universidade bilíngue não está necessariamente preparada para receber estrangeiros. "Acolhimento também conta."

Universidades de SP convidam docentes de fora

As três universidades estaduais paulistas se esforçam hoje para aumentar a internacionalização e a quantidade de alunos estrangeiros.

Apenas 2% dos estudantes da graduação e da pós da USP, por exemplo, são de fora do país. Para se ter uma ideia do que esse número significa, universidades de ponta como as norte-americanas Harvard e Stanford e a britânica Cambridge têm cerca de 20% de estudantes estrangeiros (de graduação e pós).

A USP só tem um programa de pós-graduação ministrado totalmente em inglês. O curso, de biologia celular e vegetal, acontece no campus de Piracicaba (160 km de SP).

É uma parceria com a Universidade do Estado de Nova Jersey e a Universidade do Estado de Ohio.

A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) recrutou professores de fora para atuar como visitantes. Recebeu mais de 200 currículos de moradores de países como França, Canadá e Cuba. Os candidatos não precisam falar português.

Na Unesp (Universidade Estadual Paulista), a vinda de um professor convidado da Universidade de Louisville (EUA) fez com que uma disciplina da pós-graduação em letras fosse dada em inglês no ano passado.

As aulas em língua estrangeira reuniram alunos brasileiros e norte-americanos no campus de São José de Rio Preto (438 km de SP).

"Ninguém reclamou de as aulas serem em inglês", conta a aluna de mestrado Márcia Corrêa Mariano.

(Sabine Righetti)

(Folha de SP, 7/2)