segunda-feira, 2 de julho de 2012

PNE: O desafio de transformar gasto em qualidade

Educadores divergem sobre meta de 10% do PIB, mas concordam que é preciso melhorar a gestão dos recursos disponíveis.

Aumentar investimentos na educação pública. Ampliar vagas em creches, equiparar a remuneração de professores à de outros profissionais com diploma superior, erradicar o analfabetismo, implantar o ensino integral em 50% das escolas públicas. Essas estão entre as 20 metas a serem cumpridas num prazo de 10 anos de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado na semana passada pela Câmara. O projeto, que ainda vai a plenário, prevê ainda um aumento considerável da parcela do PIB destinada ao setor: até 2022, 10% do total das riquezas geradas pelo País. Atualmente, o percentual é 5,1%.

A perspectiva de dobrar o investimento no setor anima quem defende que isto é necessário para compensar o atraso educacional do País, mas gera também críticas de quem considera que a Câmara cedeu aos movimentos sociais de olho nas eleições. Para esses, a meta é inalcançável e o problema não é de dinheiro, mas sim de qualificação profissional e de falta de demanda social por educação de qualidade.

Mesmo os defensores do plano afirmam que dobrar investimentos num setor marcado por problemas será um desafio, e que o governo precisará rever a forma como irá compor o Orçamento, que deve estar atento para que os custos não sejam repassados - em forma de impostos - à população já sobrecarregada.

"Fomos os primeiros a calcular que o investimento na educação deveria ser de 10,4% do PIB, mas a sociedade precisa discutir, e pressionar, como isso será feito. Há muitos pontos ainda sem resposta, ou com respostas ruins e contraditórias", diz Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que cita como exemplo a "grande diferença" entre o que gastam a União (20%) e os estados e municípios (cerca de 30% cada) com a educação. "Desses 20% muito pouco vai para a educação de base, a maioria é para a universitária. A União precisa investir mais nas crianças e nos adultos que ainda não foram à escola. Em relação aos gastos de estados e municípios, este dinheiro precisa ser mais bem fiscalizado", completa.

Priscila Cruz, do movimento Todos Pela Educação, alerta ainda para a qualidade do gasto. Os investimentos do Governo Federal com educação eram 3,9% do PIB em 2000, hoje são 5,1%. Baseada em dados colhidos do Prova Brasil e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a organização calcula que, atualmente, apenas 11% dos alunos saem da escola com um aprendizado considerado bom em matemática - o mesmo índice de dez anos atrás. Em português, a taxa é um pouco melhor: 28%.

"Mesmo assim, é muito baixo, demonstrando que só mais dinheiro não resolve. Outra coisa é o tema da evasão escolar: quase quatro milhões de crianças estão sem frequentar a escola. É um absurdo o PNE não ter uma meta para levar a criança de volta à instituição de ensino. O País gasta dinheiro demais com repetência e evasão", diz ela.

"Aumentar o investimento em educação é importante, principalmente por parte do governo federal. Também ajuda saber que, com a queda da fecundidade, a população em idade escolar está diminuindo, o que ajuda no esforço de aumentar o investimento por criança. Mas precisamos discutir o que faremos com esse dinheiro. Hoje, o Brasil não tem feito bom uso dos recursos disponíveis", afirma o diretor-executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne.

Para ele, a prioridade no uso desses novos recursos que podem vir deveria ficar com a educação básica. Ele cita também como investimentos importantes o aumento da jornada escolar, especialmente em escolas que atendem alunos de baixa renda, e reformas no currículo, para que professores tenham mais clareza do que se espera que os alunos aprendam, além da melhoria da formação docente.

O economista Gustavo Ioschpe diz acreditar que "com certeza" o atual orçamento atenderia às necessidades, se fosse melhor empregado. Ele lembra que 5% do PIB é igual à média empregada pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como os europeus, a Coreia do Sul, o Japão, o Chile - que têm mais qualidade de ensino.

Dobrar o investimento em educação, para ele, é totalmente irreal - e há o risco do PNE "virar letra morta". Se implementado, prejudicará ainda outras áreas da economia. "O País já sofre com um Estado paquidérmico, que consome quase 40% do PIB em impostos. Somar mais 5% a essa carga, quando o País já gasta o suficiente em educação, é uma insanidade. Se isso for cumprido, vamos perder mais dez anos lutando para realizar esse gasto, e aí talvez a sociedade perceba em 2022 o que todos os estudiosos do tema já sabem hoje: que mais dinheiro não comprará educação de qualidade. Quem dera o problema fosse tão simples", pondera o economista.
(O Globo - 30/6)

Hora de investir na educação científica

Em entrevista, o acadêmico Alberto Passos Guimarães destaca a importância estratégica de priorizar a educação científica e discute os principais desafios para que os estudantes brasileiros tenham maior interesse pela área.

As perspectivas para o Brasil, no campo da economia, são animadoras. E uma das razões para isto é a série de fatores que pode impulsionar o crescimento do País, entre eles, a realização dos dois maiores eventos esportivos do planeta (a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, no Rio) e as possibilidades de exploração de petróleo na camada pré-sal. No entanto, segundo especialistas, um dos desafios que precisarão ser enfrentados é o do avanço na área educacional, para oferecer a qualificação necessária à mão de obra para que seja possível impulsionar este desenvolvimento. E, dentro deste objetivo, existe outro ainda mais estratégico: formar profissionais capazes de tornar o Brasil um produtor de novas tecnologias.

Nessa linha, é fundamental investir na popularização do acesso à ciência. Países que se destacaram como produtores de inovações tecnológicas, em geral, têm um contingente significativo de seus jovens diretamente interessados em atuar com produção científica, quadro bem diferente do Brasil, nos dias de hoje.

Para o diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje, o acadêmico Alberto Passos Guimarães Filho, o ideal é começar este incentivo ainda na infância. Segundo ele, há duas boas estratégias para alcançar este objetivo. Uma delas é por meio das atividades realizadas no ambiente escolar. Outra é aproveitar os vários outros espaços, como institutos que atuam com Ciência, museus, parques, entre outros.

Em ambos os casos, ele argumenta que é fundamental usar um trunfo: a curiosidade natural que o público infantil possui. Com os adolescentes e jovens, por sua vez, o trabalho deve ir além de instigar a curiosidade do aluno e mostrar que a Ciência é uma aventura sem fim. "É importante mostrar como os astrônomos, os arqueólogos, os paleontólogos, os antropólogos, os físicos, realizam um trabalho de detetive para buscar as explicações para os fenômenos, para os fatos da natureza e da sociedade", salientou Alberto Passos Guimarães.

Avançar na educação científica no Brasil depende de resolver outros problemas ainda mais crônicos. Entre estes desafios, está o de melhorar a qualidade do ensino, na educação básica, em disciplinas que servem de base para quem deseja seguir carreira científica, como Química, Física e Matemática. Segundo o diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje, para avançar no trabalho com estas matérias, é essencial, entre outras ações, melhorar a qualificação dos professores e dotar as escolas de infraestrutura mais apropriada, com a criação de laboratórios e instalação de bibliotecas, por exemplo.

Nesta entrevista, Alberto Passos Guimarães também destaca o papel que os laboratórios têm para o ensino de Ciências, explica de que forma os professores podem fazer um bom trabalho mesmo sem ter estes espaços, comenta sobre a falta crônica de professores nas disciplinas da mais ligadas ao trabalho com as Ciências e ressalta a contribuição trazida por programas de iniciação científica.

Folha dirigida - Que ações poderiam ser colocadas em prática para despertar o gosto pela ciência entre as crianças?
Alberto Passos Guimarães - Podemos considerar dois tipos de ações: aquelas realizadas dentro da escola, isto é, as que fazem parte do ensino formal, e as ações desenvolvidas em outros espaços. Num e noutro caso, para despertar o gosto pela ciência, é necessário fazer uso de um trunfo extraordinário, que é a natural curiosidade das crianças. Essa curiosidade, no entanto, não será aproveitada se as atividades com as quais as crianças tiverem contato forem apresentadas de maneira burocrática e desinteressante.

E em relação ao público jovem: como despertar este interesse?
Guimarães - O mesmo se aplica ao público jovem, a forma de apresentar a ciência deve não apenas fazer uso da curiosidade dos estudantes, mas buscar mostrar a ciência como uma aventura instigante e sem fim. Mostrar como os astrônomos, os arqueólogos, os paleontólogos, os antropólogos, os físicos, realizam um trabalho de detetive para buscar as explicações para os fenômenos, para os fatos da natureza e da sociedade. Mostrar que o conhecimento que esses pesquisadores conseguem registrar em seus trabalhos é, apesar de precioso, provisório e sujeito a contínuas revisões e contestações: a ciência é uma construção que nunca é concluída.

Por que, em geral, os estudantes têm mais dificuldades com as matérias relacionadas, de alguma forma, à ciência, como as disciplinas de física, química e matemática?
Guimarães - Esta constatação baseia-se na realidade do Brasil. Não é necessariamente uma situação vivida em todos os países. Na minha opinião, as causas não devem ser buscadas nas qualidades intrínsecas destas disciplinas, mas sim na realidade do treinamento dos seus professores, na qualidade (ou na existência) dos laboratórios, das instalações, das bibliotecas, etc.

Boa parte das escolas brasileiras não tem laboratórios de ciências. De que forma isto prejudica o trabalho nas instituições de ensino?
Guimarães - É muito difícil fazer os alunos compartilharem os prazeres da observação e da experimentação, momentos fundamentais na atividade da ciência, sem contar com um laboratório no qual possam ver e sentir os fenômenos, sejam eles físicos, químicos ou da esfera da Biologia, por exemplo. O laboratório permite de maneira imediata a percepção do aspecto lúdico da atividade cientifica. Ao observar os fenômenos, ou ao medir propriedades quantitativas, por exemplo, os estudantes passam a compreender que ciência não é apenas aquilo que está nos livros, já pronto, mas sim é uma atividade que se constrói com a observação e a experimentação.

O professor pode trabalhar as ciências de forma interessante, mesmo sem laboratórios específicos? Como?
Guimarães - Os professores de ciência devem sempre estimular as crianças a observar o mundo com os olhos da indagação científica. Os professores podem levar as crianças aos museus, fazer passeios em parques nos quais se pode observar a natureza, e finalmente, podem empregar materiais como livros, vídeos e revistas que sejam mais instigantes e estimulantes. Havendo possibilidade de acesso à internet, os estudantes podem ver imagens, vídeos, fazer simulações, etc.

Como o senhor avalia a formação dos professores que atuam no ensino de ciências no Brasil?
Guimarães - Não saberia fazer um juízo abrangente da formação de professores no Brasil, mas sei que essa formação tem muitos problemas. Existe consenso de que a profissão de professor não tem o prestígio que deveria ter, o que se mede, entre outras coisas, pelos salários recebidos por este profissional. Um dos elementos do problema é que os melhores estudantes no Brasil não desejam ser professores, o que é o oposto do que acontece nos países nos quais o desempenho dos estudantes em ciência é o mais elevado.

Disciplinas como física, matemática e química, ou seja, as que estão relacionadas à área de ciências, são justamente aquelas em que há maior falta de profissionais no mercado. De que forma isso prejudica o ensino de ciências nas escolas?
Guimarães - O personagem central no ensino é o professor: se ele não tem motivação, instrumentos e qualificação permanente, o ensino não poderá atingir um patamar de qualidade com o qual todos anseiam. As deficiências aqui atingem principalmente os professores de Ciências.

Programas de iniciação científica, com concessão de bolsas de estudo ou outros incentivos para os estudantes, ajudariam a incentivar mais o envolvimento de alunos com a ciência?
Guimarães - Os programas de iniciação científica são muito importantes para estimular os estudantes de nível superior a se interessar pelas ciências, mas não resolvem o problema que aflige os níveis anteriores da escola.

E no ensino superior: a iniciação científica já está consolidada ou seu alcance ainda é muito restrito?
Guimarães - A iniciação científica já desempenha um papel muito importante no sistema universitário brasileiro e é um grande êxito, pois estimula os estudantes a se dedicar às disciplinas cientificas, e principalmente permite a eles participar e contribuir nos projetos de pesquisa, portanto conhecendo a ciência em construção nos grupos de pesquisa do País. O CNPq atualmente tem cerca de trinta mil estudantes de iniciação científica.

O Instituto Ciência Hoje comemora 30 anos. Pode nos falar um pouco sobre os trabalhos desenvolvidos por ele?
Guimarães - O Instituto Ciência Hoje é o órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) dedicado à divulgação científica e à educação científica. As principais publicações do Instituto Ciência Hoje são duas revistas de divulgação científica - a revista Ciência Hoje, revista pioneira no Brasil, criada há trinta anos, e a revista Ciência Hoje das Crianças.

Quais os objetivos destas publicações? Há outras formas de divulgação colocadas em prática pelo Instituto?
Guimarães - Em ambas as publicações busca-se fazer com que o cientista, o pesquisador brasileiro, dirija-se diretamente ao seu leitor, adulto ou criança. Outra marca dessas duas publicações é que elas retratam as atividades científicas tanto nas Ciências ditas Exatas, como nas Ciências Humanas e Sociais. O Instituto Ciência Hoje atua também na internet, com um portal específico, que divulga noticiário cientifico atualizado diariamente, e através do qual podem ser consultadas as suas publicações.

O Instituto Ciência Hoje tem alguma ação voltada para o fomento à educação científica?
Guimarães - O Instituto está envolvido ainda com a atividade de educação científica, através do Programa Ciência Hoje de Educação Científica (PCHAE). O Programa atua em vários municípios brasileiros, treinando e motivando professores de Ciências para o emprego de métodos mais atraentes de ensino, baseados no uso da publicação Ciência Hoje das Crianças.

Pode nos dar algumas informações sobre o alcance deste programa? Quantos estudantes já foram atendidos pelo projeto, por exemplo?
Guimarães - Já passaram por esse programa mais de 400 mil estudantes. O Programa Ciência Hoje de Educação Científica recebeu, em 2012, das mãos da presidente Dilma Rousseff, o prêmio dos Objetivos do Milênio, concedido a 20 iniciativas - de um total de mais de 1.600 candidaturas apresentadas - pela sua relevante contribuição para a educação científica no Brasil.

(Folha Dirigida - Caderno de Educação - 28/6)