sábado, 25 de agosto de 2012

As matérias do ensino médio devem ser reorganizadas em núcleos?

Celso Pinto de Melo

não

Precisamos de mais ciência, não de menos

Os resultados recém-anunciados do Ideb trazem à atenção dos brasileiros a trágica realidade de nossas escolas nos níveis fundamental e médio. Os números ali refletidos ferem a nossa autoestima e, por alguns dias, a educação vira alvo de atenção nacional. Debate-se, critica-se, surgem ideias milagrosas e, logo, o tema volta ao esquecimento, para ressurgir com sazonalidade esperada quando do anúncio de novos indicadores.

Porém, mais que seu valor absoluto, o que importa nos números é o que eles nos querem dizer, e o que com eles queremos fazer. Quando os espelhos nos dão conselhos, podemos trocá-los por outros mais generosos. Ou podemos enfrentar a dor de sermos o que somos e, a partir daí, melhorarmos.

Há de se reconhecer que a tragédia da educação não corresponde a um acidente de percurso, sendo antes "obra de séculos" de descaso. A escola pública de excelência dos anos 1940 e 1950 era limitada a uma fatia privilegiada de nossa população. A grande novidade da educação brasileira no século 21 é democratização do acesso.

Só recentemente conseguimos a universalização do ensino fundamental, e progressos também estão sendo alcançados com relação ao médio. A imagem estática do espelho não pode refletir a dinâmica de um processo em evolução.

Não que isso deva nos acomodar. Somos hoje a quinta maior economia do mundo, mas, quando comparados internacionalmente a outros jovens de 15 anos, nossos adolescentes ocupam os últimos lugares em compreensão da linguagem e conhecimentos em matemática e ciências. Isso nos diz muito a respeito do tipo de preparação que estamos lhes dando para sua futura inserção no mercado de trabalho.

É por essa razão que a Sociedade Brasileira de Física (SBF) vê com profunda preocupação a proposta de substituição de disciplinas específicas de física, química e biologia por algo a ser chamado de "ciências da natureza".

Mesmo se relevarmos as questões sobre como formar professores em número suficiente e com a qualidade necessária para ministrar essa nova "disciplina", entendemos ser frágil e equivocada a justificativa de que isso levaria a melhores índices do Ideb. O Brasil mais justo, soberano e economicamente competitivo que todos nós imaginamos precisará de mais, e não de menos, ciência.

É urgente uma reforma no currículo do ensino fundamental e médio para que as ciências se tornem mais adequadas à realidade dos jovens de hoje. Todos eles devem ter o direito de experimentar a excitação da descoberta de como a natureza funciona e de entender suas leis mais gerais. O cidadão funcional deste século precisará saber integrar o conhecimento de várias áreas para poder tomar decisões em assuntos como saúde e segurança ambiental, consumo responsável, usos da biotecnologia etc.

Para aqueles que decidirem seguir carreiras nas áreas de ciência e tecnologia, o que temos de fazer é reforçar o conteúdo mais moderno nas disciplinas correspondentes e estimulá-los a aprender fazendo. A competitividade da economia brasileira vai depender de nossa habilidade de formar quadros técnicos capazes não apenas de fazer, mas também de continuar a aprender em sua vida profissional.

Os indicadores do Ideb nos causam dor. Podemos negar a imagem por eles refletida ou, com coragem, enfrentar o problema. A SBF se coloca à disposição para discutir a questão e colaborar com a construção de uma nação moderna.

CELSO PINTO DE MELO, 61, doutor em física pela Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, é professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF)

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Mozart Neves Ramos

sim

Evitar a dispersão é uma das mudanças

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), apresentados na última semana pelo Ministério da Educação (MEC), mostraram definitivamente que não há mais tempo a perder em relação ao atual Ensino Médio.

Uma reforma estrutural urgente precisa ser feita, pois o país está há dez anos simplesmente estagnado nessa etapa, e o pior, num patamar de aprendizagem escolar muito baixo. O propalado ensino médio inovador, lançado há alguns anos pelo próprio MEC, disperso e sem foco, não mostrou a que veio.

O MEC, numa primeira reação, aponta como saída a reorganização das disciplinas por áreas de conhecimento -um caminho que julgo correto-, evitando assim a grande fragmentação e dispersão dos atuais conteúdos transmitidos no ensino médio.

Hoje, o jovem termina essa fase escolar sabendo um pouco de cada matéria, sem um direcionamento para a área em que possa ter mais interesse, que faça mais sentido para sua vida. Entender as relações que existem entre as diversas disciplinas é imprescindível para que o jovem, que nessa fase já tem tantos outros interesses alheios ao estudo, veja sentido no que aprende na escola para sua vida, para seu futuro.

Mas isso não é suficiente para o tamanho do problema dessa etapa.

A formação do professor é um ponto imprescindível para colocar em prática um modelo de interdisciplinaridade, sempre com foco na prática de sala de aula. Sem mudar essa formação, nenhum modelo de ensino médio terá êxito. A criação de uma residência docente, por exemplo, seria muito bem-vinda.

Precisamos trabalhar fortemente pela ampliação da oferta de escolas de tempo integral, como os pró-centros iniciados em 2005 em Pernambuco, cujos professores são alocados em uma única escola, com tempo para planejar as aulas com os colegas da mesma área de conhecimento, colocando em prática essa interdisciplinaridade. Na escola de tempo integral cabe a eventual oferta de educação profissional e tecnológica, integrada ao ensino regular.

É preciso reconhecer também que o problema do ensino médio tem começado já nas séries finais do ensino fundamental, tornando urgente estabelecer uma base curricular comum para as escolas estaduais e municipais, já que ambas oferecem essa etapa da educação básica.

Seria interessante integrar melhor o 9° ano do ensino fundamental e o 1° ano do ensino médio, a fim de criar uma base comum preparatória para a formação do jovem, enquanto os dois últimos anos seriam dedicados à formação mais específica, de acordo com os interesses de cada jovem.

A plena incorporação das novas tecnologias e culturas nesse processo também é essencial para esses jovens do século 21. O Brasil tem hoje uma escola do século 19 e um professor do século 20 para um aluno do século 21!

E, por fim, para que todos esses pontos avancem, são necessários mais recursos, melhor gestão e vontade política; é preciso estabelecer com os Estados um pacto nacional pela escola dos jovens, aproveitando algumas (poucas é verdade, caso contrário o país não estaria nessa situação) boas experiências em curso.

É preciso olhar não só a ponta do iceberg, mas todo ele, para que, enfrentando devidamente os problemas do ensino médio, o Brasil não repita na próxima década os baixos resultados apresentados nos últimos anos para essa etapa.

MOZART NEVES RAMOS, 57, doutor em química pela Unicamp, é professor da Universidade Federal de Pernambuco, membro do Conselho Nacional de Educação e do conselho de governança do Todos Pela Educação
FOLHA DE S.PAULO
25/08/2012
 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

PNE: O desafio de transformar gasto em qualidade

Educadores divergem sobre meta de 10% do PIB, mas concordam que é preciso melhorar a gestão dos recursos disponíveis.

Aumentar investimentos na educação pública. Ampliar vagas em creches, equiparar a remuneração de professores à de outros profissionais com diploma superior, erradicar o analfabetismo, implantar o ensino integral em 50% das escolas públicas. Essas estão entre as 20 metas a serem cumpridas num prazo de 10 anos de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado na semana passada pela Câmara. O projeto, que ainda vai a plenário, prevê ainda um aumento considerável da parcela do PIB destinada ao setor: até 2022, 10% do total das riquezas geradas pelo País. Atualmente, o percentual é 5,1%.

A perspectiva de dobrar o investimento no setor anima quem defende que isto é necessário para compensar o atraso educacional do País, mas gera também críticas de quem considera que a Câmara cedeu aos movimentos sociais de olho nas eleições. Para esses, a meta é inalcançável e o problema não é de dinheiro, mas sim de qualificação profissional e de falta de demanda social por educação de qualidade.

Mesmo os defensores do plano afirmam que dobrar investimentos num setor marcado por problemas será um desafio, e que o governo precisará rever a forma como irá compor o Orçamento, que deve estar atento para que os custos não sejam repassados - em forma de impostos - à população já sobrecarregada.

"Fomos os primeiros a calcular que o investimento na educação deveria ser de 10,4% do PIB, mas a sociedade precisa discutir, e pressionar, como isso será feito. Há muitos pontos ainda sem resposta, ou com respostas ruins e contraditórias", diz Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que cita como exemplo a "grande diferença" entre o que gastam a União (20%) e os estados e municípios (cerca de 30% cada) com a educação. "Desses 20% muito pouco vai para a educação de base, a maioria é para a universitária. A União precisa investir mais nas crianças e nos adultos que ainda não foram à escola. Em relação aos gastos de estados e municípios, este dinheiro precisa ser mais bem fiscalizado", completa.

Priscila Cruz, do movimento Todos Pela Educação, alerta ainda para a qualidade do gasto. Os investimentos do Governo Federal com educação eram 3,9% do PIB em 2000, hoje são 5,1%. Baseada em dados colhidos do Prova Brasil e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a organização calcula que, atualmente, apenas 11% dos alunos saem da escola com um aprendizado considerado bom em matemática - o mesmo índice de dez anos atrás. Em português, a taxa é um pouco melhor: 28%.

"Mesmo assim, é muito baixo, demonstrando que só mais dinheiro não resolve. Outra coisa é o tema da evasão escolar: quase quatro milhões de crianças estão sem frequentar a escola. É um absurdo o PNE não ter uma meta para levar a criança de volta à instituição de ensino. O País gasta dinheiro demais com repetência e evasão", diz ela.

"Aumentar o investimento em educação é importante, principalmente por parte do governo federal. Também ajuda saber que, com a queda da fecundidade, a população em idade escolar está diminuindo, o que ajuda no esforço de aumentar o investimento por criança. Mas precisamos discutir o que faremos com esse dinheiro. Hoje, o Brasil não tem feito bom uso dos recursos disponíveis", afirma o diretor-executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne.

Para ele, a prioridade no uso desses novos recursos que podem vir deveria ficar com a educação básica. Ele cita também como investimentos importantes o aumento da jornada escolar, especialmente em escolas que atendem alunos de baixa renda, e reformas no currículo, para que professores tenham mais clareza do que se espera que os alunos aprendam, além da melhoria da formação docente.

O economista Gustavo Ioschpe diz acreditar que "com certeza" o atual orçamento atenderia às necessidades, se fosse melhor empregado. Ele lembra que 5% do PIB é igual à média empregada pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como os europeus, a Coreia do Sul, o Japão, o Chile - que têm mais qualidade de ensino.

Dobrar o investimento em educação, para ele, é totalmente irreal - e há o risco do PNE "virar letra morta". Se implementado, prejudicará ainda outras áreas da economia. "O País já sofre com um Estado paquidérmico, que consome quase 40% do PIB em impostos. Somar mais 5% a essa carga, quando o País já gasta o suficiente em educação, é uma insanidade. Se isso for cumprido, vamos perder mais dez anos lutando para realizar esse gasto, e aí talvez a sociedade perceba em 2022 o que todos os estudiosos do tema já sabem hoje: que mais dinheiro não comprará educação de qualidade. Quem dera o problema fosse tão simples", pondera o economista.
(O Globo - 30/6)

Hora de investir na educação científica

Em entrevista, o acadêmico Alberto Passos Guimarães destaca a importância estratégica de priorizar a educação científica e discute os principais desafios para que os estudantes brasileiros tenham maior interesse pela área.

As perspectivas para o Brasil, no campo da economia, são animadoras. E uma das razões para isto é a série de fatores que pode impulsionar o crescimento do País, entre eles, a realização dos dois maiores eventos esportivos do planeta (a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, no Rio) e as possibilidades de exploração de petróleo na camada pré-sal. No entanto, segundo especialistas, um dos desafios que precisarão ser enfrentados é o do avanço na área educacional, para oferecer a qualificação necessária à mão de obra para que seja possível impulsionar este desenvolvimento. E, dentro deste objetivo, existe outro ainda mais estratégico: formar profissionais capazes de tornar o Brasil um produtor de novas tecnologias.

Nessa linha, é fundamental investir na popularização do acesso à ciência. Países que se destacaram como produtores de inovações tecnológicas, em geral, têm um contingente significativo de seus jovens diretamente interessados em atuar com produção científica, quadro bem diferente do Brasil, nos dias de hoje.

Para o diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje, o acadêmico Alberto Passos Guimarães Filho, o ideal é começar este incentivo ainda na infância. Segundo ele, há duas boas estratégias para alcançar este objetivo. Uma delas é por meio das atividades realizadas no ambiente escolar. Outra é aproveitar os vários outros espaços, como institutos que atuam com Ciência, museus, parques, entre outros.

Em ambos os casos, ele argumenta que é fundamental usar um trunfo: a curiosidade natural que o público infantil possui. Com os adolescentes e jovens, por sua vez, o trabalho deve ir além de instigar a curiosidade do aluno e mostrar que a Ciência é uma aventura sem fim. "É importante mostrar como os astrônomos, os arqueólogos, os paleontólogos, os antropólogos, os físicos, realizam um trabalho de detetive para buscar as explicações para os fenômenos, para os fatos da natureza e da sociedade", salientou Alberto Passos Guimarães.

Avançar na educação científica no Brasil depende de resolver outros problemas ainda mais crônicos. Entre estes desafios, está o de melhorar a qualidade do ensino, na educação básica, em disciplinas que servem de base para quem deseja seguir carreira científica, como Química, Física e Matemática. Segundo o diretor-adjunto do Instituto Ciência Hoje, para avançar no trabalho com estas matérias, é essencial, entre outras ações, melhorar a qualificação dos professores e dotar as escolas de infraestrutura mais apropriada, com a criação de laboratórios e instalação de bibliotecas, por exemplo.

Nesta entrevista, Alberto Passos Guimarães também destaca o papel que os laboratórios têm para o ensino de Ciências, explica de que forma os professores podem fazer um bom trabalho mesmo sem ter estes espaços, comenta sobre a falta crônica de professores nas disciplinas da mais ligadas ao trabalho com as Ciências e ressalta a contribuição trazida por programas de iniciação científica.

Folha dirigida - Que ações poderiam ser colocadas em prática para despertar o gosto pela ciência entre as crianças?
Alberto Passos Guimarães - Podemos considerar dois tipos de ações: aquelas realizadas dentro da escola, isto é, as que fazem parte do ensino formal, e as ações desenvolvidas em outros espaços. Num e noutro caso, para despertar o gosto pela ciência, é necessário fazer uso de um trunfo extraordinário, que é a natural curiosidade das crianças. Essa curiosidade, no entanto, não será aproveitada se as atividades com as quais as crianças tiverem contato forem apresentadas de maneira burocrática e desinteressante.

E em relação ao público jovem: como despertar este interesse?
Guimarães - O mesmo se aplica ao público jovem, a forma de apresentar a ciência deve não apenas fazer uso da curiosidade dos estudantes, mas buscar mostrar a ciência como uma aventura instigante e sem fim. Mostrar como os astrônomos, os arqueólogos, os paleontólogos, os antropólogos, os físicos, realizam um trabalho de detetive para buscar as explicações para os fenômenos, para os fatos da natureza e da sociedade. Mostrar que o conhecimento que esses pesquisadores conseguem registrar em seus trabalhos é, apesar de precioso, provisório e sujeito a contínuas revisões e contestações: a ciência é uma construção que nunca é concluída.

Por que, em geral, os estudantes têm mais dificuldades com as matérias relacionadas, de alguma forma, à ciência, como as disciplinas de física, química e matemática?
Guimarães - Esta constatação baseia-se na realidade do Brasil. Não é necessariamente uma situação vivida em todos os países. Na minha opinião, as causas não devem ser buscadas nas qualidades intrínsecas destas disciplinas, mas sim na realidade do treinamento dos seus professores, na qualidade (ou na existência) dos laboratórios, das instalações, das bibliotecas, etc.

Boa parte das escolas brasileiras não tem laboratórios de ciências. De que forma isto prejudica o trabalho nas instituições de ensino?
Guimarães - É muito difícil fazer os alunos compartilharem os prazeres da observação e da experimentação, momentos fundamentais na atividade da ciência, sem contar com um laboratório no qual possam ver e sentir os fenômenos, sejam eles físicos, químicos ou da esfera da Biologia, por exemplo. O laboratório permite de maneira imediata a percepção do aspecto lúdico da atividade cientifica. Ao observar os fenômenos, ou ao medir propriedades quantitativas, por exemplo, os estudantes passam a compreender que ciência não é apenas aquilo que está nos livros, já pronto, mas sim é uma atividade que se constrói com a observação e a experimentação.

O professor pode trabalhar as ciências de forma interessante, mesmo sem laboratórios específicos? Como?
Guimarães - Os professores de ciência devem sempre estimular as crianças a observar o mundo com os olhos da indagação científica. Os professores podem levar as crianças aos museus, fazer passeios em parques nos quais se pode observar a natureza, e finalmente, podem empregar materiais como livros, vídeos e revistas que sejam mais instigantes e estimulantes. Havendo possibilidade de acesso à internet, os estudantes podem ver imagens, vídeos, fazer simulações, etc.

Como o senhor avalia a formação dos professores que atuam no ensino de ciências no Brasil?
Guimarães - Não saberia fazer um juízo abrangente da formação de professores no Brasil, mas sei que essa formação tem muitos problemas. Existe consenso de que a profissão de professor não tem o prestígio que deveria ter, o que se mede, entre outras coisas, pelos salários recebidos por este profissional. Um dos elementos do problema é que os melhores estudantes no Brasil não desejam ser professores, o que é o oposto do que acontece nos países nos quais o desempenho dos estudantes em ciência é o mais elevado.

Disciplinas como física, matemática e química, ou seja, as que estão relacionadas à área de ciências, são justamente aquelas em que há maior falta de profissionais no mercado. De que forma isso prejudica o ensino de ciências nas escolas?
Guimarães - O personagem central no ensino é o professor: se ele não tem motivação, instrumentos e qualificação permanente, o ensino não poderá atingir um patamar de qualidade com o qual todos anseiam. As deficiências aqui atingem principalmente os professores de Ciências.

Programas de iniciação científica, com concessão de bolsas de estudo ou outros incentivos para os estudantes, ajudariam a incentivar mais o envolvimento de alunos com a ciência?
Guimarães - Os programas de iniciação científica são muito importantes para estimular os estudantes de nível superior a se interessar pelas ciências, mas não resolvem o problema que aflige os níveis anteriores da escola.

E no ensino superior: a iniciação científica já está consolidada ou seu alcance ainda é muito restrito?
Guimarães - A iniciação científica já desempenha um papel muito importante no sistema universitário brasileiro e é um grande êxito, pois estimula os estudantes a se dedicar às disciplinas cientificas, e principalmente permite a eles participar e contribuir nos projetos de pesquisa, portanto conhecendo a ciência em construção nos grupos de pesquisa do País. O CNPq atualmente tem cerca de trinta mil estudantes de iniciação científica.

O Instituto Ciência Hoje comemora 30 anos. Pode nos falar um pouco sobre os trabalhos desenvolvidos por ele?
Guimarães - O Instituto Ciência Hoje é o órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) dedicado à divulgação científica e à educação científica. As principais publicações do Instituto Ciência Hoje são duas revistas de divulgação científica - a revista Ciência Hoje, revista pioneira no Brasil, criada há trinta anos, e a revista Ciência Hoje das Crianças.

Quais os objetivos destas publicações? Há outras formas de divulgação colocadas em prática pelo Instituto?
Guimarães - Em ambas as publicações busca-se fazer com que o cientista, o pesquisador brasileiro, dirija-se diretamente ao seu leitor, adulto ou criança. Outra marca dessas duas publicações é que elas retratam as atividades científicas tanto nas Ciências ditas Exatas, como nas Ciências Humanas e Sociais. O Instituto Ciência Hoje atua também na internet, com um portal específico, que divulga noticiário cientifico atualizado diariamente, e através do qual podem ser consultadas as suas publicações.

O Instituto Ciência Hoje tem alguma ação voltada para o fomento à educação científica?
Guimarães - O Instituto está envolvido ainda com a atividade de educação científica, através do Programa Ciência Hoje de Educação Científica (PCHAE). O Programa atua em vários municípios brasileiros, treinando e motivando professores de Ciências para o emprego de métodos mais atraentes de ensino, baseados no uso da publicação Ciência Hoje das Crianças.

Pode nos dar algumas informações sobre o alcance deste programa? Quantos estudantes já foram atendidos pelo projeto, por exemplo?
Guimarães - Já passaram por esse programa mais de 400 mil estudantes. O Programa Ciência Hoje de Educação Científica recebeu, em 2012, das mãos da presidente Dilma Rousseff, o prêmio dos Objetivos do Milênio, concedido a 20 iniciativas - de um total de mais de 1.600 candidaturas apresentadas - pela sua relevante contribuição para a educação científica no Brasil.

(Folha Dirigida - Caderno de Educação - 28/6)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Profissionais da saúde terão acesso a publicações científicas para auxiliar no trabalho

Profissionais da saúde já podem acessar conteúdo científico por meio do portal Saúde Baseada em Evidências. A iniciativa foi lançada ontem (29), através de uma parceria entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).


De acordo com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, estão disponíveis para consulta mais de 31 mil periódicos completos e mais de 200 mil trabalhos acadêmicos digitalizados, entre dissertações de mestrado e teses de doutorado.

"Esse portal de periódicos científicos da Capes ajuda em toda pesquisa no Brasil, toda a vida acadêmica, em todas as áreas do conhecimento, todos nossos estudantes no exterior, bolsistas, pesquisadores, utilizam esse portal como referência, porque ele é muito bem organizado, muito didático. Foi feita uma comissão de cientistas, de especialistas e desenhou quais são os periódicos que interessam ao profissional na ponta, para ele melhorar o atendimento, o tratamento e a saúde", disse Mercadante.

Segundo Mercadante, o objetivo do portal é melhorar a eficiência do trabalho dos médicos no País, já que a proporção é relativamente pequena, com uma média nacional de 1,8 médico para cada mil habitantes. Na Argentina, a proporção é o dobro do que no Brasil.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, explica que a ideia é apostar nos profissionais e gestores que já atuam hoje para que eles tenham informações mais atualizadas e possam tomar decisões mais corretas.

"O portal ajuda os profissionais a tratarem num tempo mais adequado as pessoas. Um dos grandes problemas hoje é o tempo de demora, de espera para fechar um diagnóstico, para resolver o tratamento. Com esse portal, lá na ponta, o profissional de saúde, onde estiver, vai poder checar o diagnóstico, qual é a melhor forma de fazer o diagnóstico, pode usar o Telessaúde [sistema do Ministério da Saúde em que os médicos tiram dúvidas pelo telefone] para mandar as informações do exame que fez, pegar uma segunda opinião e, com isso, tratar melhor as pessoas".

O médico Délio Batista Pereira, que atua em Porto Velho (RO), considera a iniciativa muito interessante para todos que trabalham com saúde. "Nós carecemos de bibliotecas de boa qualidade. Os livros são caros, os recursos são escassos e a abertura do portal da Capes para todo profissional de saúde é muito importante para gente manter a atualização e cuidar melhor dos nossos pacientes".

Foram investidos R$ 10 milhões na criação do portal e na compra do acervo digital de sete bancos de dados (Rebrats, Embase, ProQuest Hospital Collection, Atheneu Livros Virtuais, Micromedex, Dynamed e Best Practice - British Medical Journal).

O acesso ao portal será feito com o número do registro profissional (CRM) e uma senha. Já estão cadastrados 920 mil trabalhadores em saúde. A expectativa é que esse número chegue a 1,8 milhões de profissionais.

Confira o portal Saúde Baseada em Evidências: http://www.periodicos.saude.gov.br/.
(Agência Brasil)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Análise matemática da fala flagra esquizofrenia

Cientistas brasileiros criaram método que estuda a estrutura da conversa.
A forma como alguém conta uma história pode revelar muitas coisas, inclusive transtornos psiquiátricos. Pesquisadores brasileiros criaram um método que consegue identificar pacientes com esquizofrenia e com mania apenas usando a fala.

O trabalho começou a ser desenvolvido em 2006 e, ao longo do tempo, envolveu um time de cientistas de várias especialidades, liderados por uma equipe do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Os pesquisadores criaram um modelo que transforma em gráficos (grafos) o discurso dos pacientes. E, a partir desse padrão, é possível identificar padrões e correlações que são bastante específicos dessas duas psicoses. No experimento, os cientistas analisaram 24 pessoas, sendo oito delas com diagnóstico prévio de esquizofrenia, oito de mania e oito sem psicoses diagnosticadas.

O Método - O primeiro passo é uma entrevista, na qual se pede que os pacientes contem um sonho. Esse relato é gravado e transcrito. Depois, é aplicado um software usado no estudo dos grafos - área que já é consagrada na psiquiatria - que destaca os pontos relevantes da fala dos pacientes. O programa, além de indicar os pontos de conexão da conversa, apresenta as principais diferenças no discurso dos voluntários.

Os resultados são simples de interpretar visualmente. Os grafos dos pacientes com mania são muito mais densos, com várias idas e vindas em relação ao tema do relato. Em geral, a pessoa "se perdia" mais na conversa, uma característica marcante das pessoas com esse transtorno.

Já os grafos dos pacientes com esquizofrenia são mais retilíneos e seguem uma sequência menos caótica. Os pacientes tendem a falar menos, a ser mais contidos no relato de suas experiências.

"Um psiquiatra treinado é capaz de, em uma conversa longa no consultório, chegar às mesmas conclusões. Esses padrões de discurso já são notados. O que nós criamos agora é uma forma mais rápida e quantitativa de abordar a questão", explica Natália Mota, do Instituto do Cérebro, uma das autoras do trabalho, publicado na "PLoS ONE".

Embora os cientistas tenham conseguido taxa de sucesso no diagnóstico de cerca de 93%, bem maior do que os cerca de 67% das escalas mais usadas pelos psiquiatras, Mota ressalta que o método deve complementar as avaliações usadas atualmente. "Ele não substitui a experiência do consultório."

O neurocientista Sidarta Ribeiro, que também participou do trabalho, vê um grande potencial no método. "Por enquanto, nós analisamos apenas a forma com que as coisas foram ditas. A questão semântica ainda não entrou nesse trabalho. Mas nós já começamos uma próxima etapa, que vai juntar tudo isso. Estamos trabalhando para aperfeiçoar essa ferramenta", diz o cientista.

Waldir L. Roque - Ciência sem Fronteiras

Ciência sem Fronteiras, programa recém criado pelo governo federal, visa estimular nos universitários o interesse pela ciência e pesquisa, concedendo bolsas de estudo em universidades de excelência no Exterior. Como proposta, o Ciência sem Fronteiras parece útil, mas é importante chamar a atenção para alguns fatos. Ao regressar de uma visita curta a uma universidade de excelência, além de o estudante de graduação não ter obtido uma formação muito superior à oferecida no Brasil, ele verá o grande contraste nas condições de trabalho, ensino e pesquisa entre a instituição estrangeira e a brasileira, o que pode ser desestimulante e até levá-lo a retornar à instituição no Exterior. Neste caso, a perda será muito maior, pois o estudante que vai para o Exterior, após um curso de graduação ou pós-graduação no Brasil, representa custo zero para o país que o absorve, além de ingressar no mercado de trabalho na sua fase mais produtiva. O estímulo aos estudantes brasileiros passa por boas condições de ensino e pela infraestrutura disponível nas instituições brasileiras, mas aqui encontramos muitas barreiras. As universidades públicas não oferecem boas condições de trabalho aos docentes, incluídas aí questões salariais e da carreira docente. O custo do Ciência sem Fronteiras está estimado em R$ 3,6 bilhões para quatro anos, enquanto o recurso do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação foi reduzido em 22% nos últimos dois anos – um corte de R$ 2,6 bilhões. Os Estados Unidos, mesmo em crise, aumentaram em 2,5% o orçamento da Fundação Nacional de Ciências, órgão equivalente ao CNPq, e a China, um dos países do Brics, ampliou o orçamento em 12,4%. Os cortes brasileiros representam mais uma barreira para o desenvolvimento científico/tecnológico do país. A pesquisa no Brasil é essencialmente realizada nos programas de pós-graduação das universidades públicas, mas esses ainda são herméticos e endógenos. A língua portuguesa é uma barreira natural para atrair estrangeiros a cursarem aqui mestrado e/ou doutorado e ingressarem no mercado de trabalho brasileiro. Tal barreira poderia ser minimizada possibilitando-se a oferta de cursos e a apresentação de dissertações e teses em inglês. São inúmeras as barreiras a serem eliminadas antes de termos, de fato, um Ciência sem Fronteiras capaz de promover o desenvolvimento pleno da ciência, tecnologia e inovação do país.

Waldir L. Roque *PROFESSOR DO INSTITUTO DE MATEMÁTICA DA UFRGS

sábado, 17 de março de 2012

O poder da Matemática

Texto publicado no blog do colunista Merval Pereira.
Têm sido mais comuns do que desejaríamos os sinais de que o ensino de Matemática entre nós está abaixo das necessidades do País, de que são exemplos os dados disponíveis, que mostram uma aprovação de apenas 42,8% dos alunos do 3º ano do ensino fundamental com os conhecimentos básicos de matemática. Em apenas 35 cidades do País, mais da metade dos alunos do 9º ano do ensino fundamental sabem matemática, teriam nota superior a 5. Apenas 11% dos jovens que alcançam a 3ª série do ensino médio têm aprendizado suficiente na matéria.

Roberto Boclin, doutor em Educação e chefe de Gabinete da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, considera que a questão da educação, complexa por si só, "envolve pensamentos políticos que tangenciam o absurdo como currículo único obrigatório na Educação Básica brasileira, como se o País fosse igual, Norte, Sul, Leste e Oeste, não que sejam melhores ou piores, mas distintos em suas tradições, culturas, educação e progresso econômico e social". Por outro lado, destaca que "um currículo com 12 disciplinas, nem na Ásia".

Para ele, os currículos deveriam oferecer "oportunidades de interesse diversificado, variando entre eles pelo menos de 30% a 60% dos conteúdos, com no máximo cinco disciplinas, de modo a atraírem candidatos com propostas mais adequadas às suas realidades e vocações e assim não abandonarem o curso no meio por absoluta falta de interesse".

Como o Ensino Médio é prioridade, pois do seu êxito dependem os caminhos do ensino superior ou do emprego futuro dos candidatos, "são completamente inaceitáveis evasões de 50 a 60 % dos alunos ingressantes, muitos ainda no primeiro ano". As estatísticas oficiais apontam que de cada 100 alunos ingressantes no primeiro ano do Ensino Fundamental, menos de 10 ingressam no ensino superior público.

Boclin diz que "basta olhar para os outros, como os países asiáticos, a Finlândia e historicamente a Alemanha que encontraremos inúmeros modelos que poderão transformar a educação brasileira". Quando acabar a maré favorável dos preços na exportação das Commodities, e for preciso competir na indústria da transformação, "a formação profissional será essencial", destaca Boclin.

Para além dos vexames internacionais em exames como o do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), onde nossos representantes ficaram na 57ª colocação, à frente apenas de alunos de outros oito países, o professor Arnaldo Niskier, da Academia Brasileira de Letras e ex-secretário de Educação do Rio, que selecionou os exemplos da abertura da coluna, vê uma indicação de que perdemos competitividade num mundo cada vez mais dominado pela alta tecnologia, onde a Matemática tem importância fundamental.

"Não resta dúvida sobre a utilidade de seu aprendizado, mesmo para aqueles que não se destinam às carreiras técnicas. Conhecer seus pormenores faz bem até quando o estudante deseja, por exemplo, escolher um curso de filosofia. Platão não foi filósofo e matemático?", analisa Niskier. Ele ressalta que o cérebro humano, com seus reconhecidos 100 bilhões de neurônios, "evoluiu para lidar com o mundo físico e se utiliza da linguagem matemática para cumprir a sua finalidade, nas questões do pensamento".

Niskier destaca o papel da lógica em todo esse processo - um dos pontos do exame Pisa, por sinal - citando o cientista da computação dos Estados Unidos Jeff Raskin: "A lógica humana nos foi trazida pelo mundo físico, e é, portanto, concordante com ele. A matemática deriva da lógica. É por isso que a Matemática é concordante com o mundo físico".

O professor Arnaldo Niskier ressalta que "mesmo trabalhando com incertezas, a ciência dos números tem verdades inabaláveis, como é o caso da geometria euclidiana, hoje tão acreditada como há 300 anos a.C. "A ciência tem cerca de 4 000 anos de vida. Quando é que vamos despertar para o valor disso tudo?"

Também Francisco Antonio Doria, professor da Coppe/UFRJ, matemático e filósofo, membro da Academia Brasileira de Filosofia, toma um exemplo do dia a dia para falar do nosso déficit de Matemática: "Pega um smartphone. Clica em cima do ícone do GPS - distraído, quase sem pensar. Aparecem logo o mapinha e o alfinete virtual que mostram onde você está. Com precisão de centímetros. Por trás desse pequeno milagre da tecnologia está, entre outras coisas, uma das teorias mais abstratas da ciência moderna".

Ele se refere à Teoria da relatividade, que Einstein anunciou e publicou em 1915. Quando foi anunciada, há quase um século, ensina Doria, era "tão pesadamente matemática, tão complexa, tão fora do senso comum, que, dizia-se, apenas meia dúzia de pessoas a compreendiam, naquele tempo".

O pequeno milagre do GPS, lembra, apoia-se nesta "ainda misteriosa teoria matemática de 1915, teoria que faz o GPS funcionar, mas que também nos fala de máquinas do tempo, buracos negros, universos paralelos, coisa na Twilight Zone, série de ficção científica aqui passada com o nome Alem da Imaginação".

A matemática manda em nossas vidas, hoje em dia, e nós mal nos tocamos a respeito, comenta Francisco Doria, que passa a relacionar: as taxas de juros que o Banco Central fixa surgem de uma técnica chamada teoria das metas de inflação, fortemente matemática; computadores funcionam com algoritmos, "e os primeiros exemplos de algoritmos aparecem numa outra área rarefeita, hiperabstrata, da ciência do século XX, a lógica matemática".

Francisco Doria é autor, com Greg Chaitin e Newton da Costa, do livro "Gödel's Way", (Taylor & Francis 2012), onde explica a história "divertida" de Kurt Gödel, matemático vienense, "notório por seu brilho, suas conversas nos cafés, e porque nos seminários aos quais comparecia sempre havia uma moça bonitinha atrás dele, e acabou casando com uma que conheceu num cabaré". Em 1931, anunciou um resultado "tão obscuro e complicado, que dizia de uma espécie de impossibilidade de se esgotar as verdades matemáticas, o teorema da incompletude de Gödel''.

Entre as técnicas usadas para demonstrar seu resultado estão algoritmos - como os que fazem funcionar smartphones e computadores. "Mistura de abstrato e concreto que só a matemática possui", define Doria.

Para ele, "vivemos num mundo imerso em uma matemática, pesada, obscura, difícil - e mal o percebemos. E muito menos no Brasil, onde tem gente que ainda acha que computador é maquininha de jogar games".

O filósofo Francisco Doria não tem dúvidas: "Talento e habilidade matemáticas são essenciais para se fazer capitalismo, para o crescimento econômico - e disso o Brasil tem muito pouco". Ainda estamos, diz ele, "à margem do que movimenta, empurra, o mundo contemporâneo".

Morre Aziz Ab'Saber, Presidente de Honra da SBPC

Aziz Ab'Saber, um dos geógrafos mais respeitados do País, reconhecido internacionalmente, faleceu aos 87 anos, na manhã de hoje (16), às 10h20, de infarto.
Presidente de Honra, ex-presidente e conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ab'Saber é autor de estudos e teorias fundamentais para o conhecimento dos aspectos naturais do Brasil.

Nascido em São Luís do Paraitinga, em 24 de outubro de 1924, Ab'Saber desenvolveu ao longo de sua extensa carreira de cientista centenas de pesquisas e tratados de significativa relevância internacional nas áreas de ecologia, biologia evolutiva, fitogeografia, geologia, arqueologia e geografia. Ele foi presidente da SBPC de 1993 a 1995 e desenvolveu trabalhos no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) até ontem.

Um dia antes de morrer, o professor, disposto como sempre, fez sua última visita à SBPC, em São Paulo. Em um gesto de despedida, mesmo involuntariamente, ele entregou na tarde de ontem à secretaria da SBPC sua obra consolidada, de 1946 a 2010, em um DVD, para ser entregue a amigos, colegas da Universidade e ao maior número de pessoas.

"Tenho o grande prazer de enviar para os amigos e colegas da Universidade o presente DVD que contém um conjunto de trabalhos geográficos e de planejamento elaborados entre 1946-2010. Tratando-se de estudos predominantemente geográficos, eu gostaria que tal DVD seja levado ao conhecimento dos especialistas em geografia física e humana da universidade", diz Ab'Saber em sua dedicatória.

Ab'Saber morreu antes de ver publicada sua última obra que será o terceiro volume da coleção "Leituras Indispensáveis", a ser publicado pela SBPC.

O terceiro volume da coleção "Leituras Indispensáveis" faz uma homenagem ao trabalho dos primeiros geógrafos no interior do Brasil, como José Veríssimo da Costa Pereira e Carlos Miguel, e às primeiras expedições de Candido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon (1865 a 1958). "Essa é uma homenagem a eles", disse Aziz, em sua última entrevista ao Jornal da Ciência. O livro contempla também trabalhos sobre a cidade de São Paulo.

Prêmios - Ab'Saber, que também foi professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, recebeu diversas láureas, como o Prêmio Jabuti em ciências humanas (1997 e 2005), e em ciências exatas (2007); o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia (1999), concedido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia; a Medalha de Grão-Cruz em Ciências da Terra pela Academia Brasileira de Ciências; e o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente (2001).

Código Florestal - Ab'Saber, em suas últimas declarações sobre o novo Código Florestal, criticou o texto por não considerar o zoneamento físico e ecológico de todo o País, como a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos, o cerrado brasileiro, os planaltos de araucárias, as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, conhecidas como os pampas gaúchos, e o Pantanal mato-grossense. Na ocasião, ele chegou a defender a criação do Código da Biodiversidade para contemplar a preservação das espécies animais e vegetais.

(Viviane Monteiro - Jornal da Ciência)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Novo escolhido para a Ciência possui perfil técnico

SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULO


A escolha do físico Marco Antonio Raupp para comandar o Ministério da Ciência e Tecnologia mostra uma preferência da presidente Dilma Rousseff por um perfil técnico e gerencial para a pasta.Raupp carrega no seu currículo passagens pelo comando do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e da AEB (Agência Espacial Brasileira). Também é pesquisador-titular do LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica).Foi presidente da SPBC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), principal entidade científica do país. É a SBPC que encabeça as discussões correntes sobre a política científica e tecnológica, e atua como uma espécie de interlocutor entre os cientistas e o governo.Mas foi na AEB que Raupp ganhou mais projeção. À frente da instituição nos últimos dez meses, onde esteve por indicação de Aloizio Mercadante, Raupp tentou fazer uma espécie de "varredura".A missão dele era sincronizar o complicado calendário espacial brasileiro, que coleciona atrasos no envio de satélites nacionais e está distante do setor privado. "Falta uma Embraer no setor espacial", ele costumava dizer.Uma das ideias mais ousadas do físico ao sair do Inpe para assumir a AEB foi tentar unir as duas instituições. Para Raupp, não faz sentido o país ter uma instituição para fazer pesquisa, formar pessoas e projetar satélites (o Inpe) e outra para coordenar a política espacial (a AEB).Do ponto de vista acadêmico, Raupp também tem um currículo denso. Fez doutorado em matemática na Universidade de Chicago e é livre-docente pela USP.Também foi professor adjunto da UnB (Universidade de Brasília) e professor do IME (Instituto de Matemática e Estatística) da USP.Além de sua ligação com a pesquisa espacial, Raupp gosta de assuntos ligados à inovação. Ele segue a linha de Mercadante na tentativa de ligar o setor acadêmico ao privado.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Enem se firma como atalho às federais

Autor(es): MARIANA MANDELLI
O Estado de S. Paulo - 16/01/2012

Por meio do Sistema de Seleção Unificada, 108.527 estudantes usam nota do Enem e obtêm vaga em 95 universidades e institutos federais do País


A maior edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aprovou, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), 108.527 candidatos em 95 universidades e institutos federais de ensino superior de todo o Brasil. Com um histórico de falhas, as inscrições do Sisu deste ano ocorreram normalmente. O número de calouros equivale a dez vezes o total de vagas anuais da Universidade de São Paulo (USP) e a mais de 31 vezes o que a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) oferece em seu vestibular.

Os dados da primeira chamada do Sisu mostram a força da Região Sudeste. O Rio foi a unidade da federação com o maior número de inscrições: 381.721. Minas Gerais, com 367.259, e São Paulo, com 292.742, aparecem a seguir.

O curso mais concorrido também está na região: é o de Administração no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), com 1.248 candidatos para cada uma das oito vagas.

O Cefet-MG também é dono da segunda e quarta carreiras mais desejadas: Engenharia de Produção Civil (874 candidatos por vaga) e Letras (511), respectivamente - de todos os cursos, nenhum registrou menos de seis interessados por cada vaga disponível.

Já o curso que registrou o maior número absoluto de inscritos, com mais de 21 mil pessoas, foi Análise e Desenvolvimento de Sistemas, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). O segundo lugar também é paulista: Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC), com mais de 19 mil interessados em cursá-lo.

Nordeste. Apesar dos números impressionantes da Região Sudeste, foi uma instituição nordestina que registrou o maior número - quase 172 mil - de inscrições: a Universidade Federal do Ceará (UFC). Entre as suas 4.197 vagas distribuídas em mais de 100 cursos, foram as de Administração as que registraram o maior interesse.

Outro destaque do Nordeste vai para a Universidade Federal do Piauí (UFPI), terceira colocada - está atrás da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - no número de inscritos: quase 130 mil. Pedagogia, com 15 mil interessados, foi o curso mais procurado.

Para entender a dimensão do maior processo seletivo para o ensino superior do País, veja ao lado o raio X do Sisu preparado pelo Estado.

José Maria Alves da Silva - A educação entre o MEC e o MCT

Transferir o ensino superior para a pasta de Ciência enfatiza a preparação só para o mundo do trabalho, em detrimento da política, da filosofia e das artes



O senador Cristovam Buarque é autor de um projeto que propõe a transferência das instituições federais de ensino superior do Ministério da Educação (MEC) para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). As justificativas apresentadas pressupõem vantagens em direcionar o foco do MEC para a educação básica. O MCT ficaria responsável por gerir o ensino superior.

Segundo o autor, a mudança produziria um desejável equilíbrio entre o MEC e o MCT em termos de importância orçamentária e de estruturas administrativas. Ele afirma ainda que não existiriam gastos públicos adicionais, bastando remanejar funcionários entre os dois ministérios já existentes.

A proposta foi discutida e amplamente rejeitada pelos participantes do seminário "Ciência e tecnologia no século 21", que foi realizado em Brasília, em novembro. O Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes-SN), que organizou o evento, também já havia analisado o projeto e levantado várias objeções.

A nosso ver, o espírito do projeto reflete uma concepção estreita da educação. Ela enfatiza a preparação do homem para o mundo do trabalho, em detrimento de outras dimensões da vida.

Assim, se for aprovado, o projeto irá contribuir para ampliar o já grande viés tecnológico das universidades brasileiras. Por causa dele, estão sendo formados profissionais de nível superior que são até competentes tecnicamente, mas que, em geral, têm formação ruim em outros campos do saber, como a política, a filosofia e as artes.

Esse tipo de "carência educacional" faz com que a contribuição da tecnologia para o desenvolvimento econômico seja anulada pela deficiência ética de engenheiros, médicos, políticos e até mesmo professores e magistrados -os juízes que vendem sentenças também saíram das melhores universidades e passaram em disputadíssimos concursos públicos.

Uma das funções mais importantes que as universidades brasileiras podem exercer é formar docentes qualificados para os ensinos médio e fundamental. Será que tal função seria mais bem exercida se ela estivesse sob responsabilidade do MCT?

Por último, cabe lembrar que onde não há boa educação não pode haver boa ciência e tecnologia. Que país hoje bem servido em ciência e tecnologia não priorizou antes a educação e a cultura?

O que é preciso para colocar o país na rota do desenvolvimento, como muita gente abalizada sabe, é uma revolução na educação. É assim que se acaba promovendo a ciência e a tecnologia.

Mas, para isso, é preciso implantar algo que nunca existiu no Brasil: um sistema de planejamento integrado dos três níveis de ensino, distribuídos entre os entes federativos de acordo com os dispositivos constitucionais vigentes, mas sob a coordenação e a rigorosa supervisão do governo central. Não é "esvaziando" o MEC que se vai chegar lá, muito pelo contrário.

JOSÉ MARIA ALVES DA SILVA, 59, é doutor em economia e professor da Universidade Federal de Viçosa