Demanda por trabalhadores qualificados cresceu acima da oferta de trabalhadores com diploma universitário
As diversas interpretações da crise financeira internacional em geral enfatizam desequilíbrios macroeconômicos e falhas na regulação do sistema financeiro. No livro "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy", o economista Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago, acrescenta um elemento surpreendente: a ineficiência do sistema educacional americano.
Nas últimas três décadas, houve uma elevação significativa da desigualdade de renda nos Estados Unidos.
Isso decorreu principalmente de um grande aumento da desigualdade salarial.
Por exemplo, em 1975 o salário de um trabalhador no grupo dos 10% mais ricos correspondia a cerca de três vezes o salário de um trabalhador dentre os 10% mais pobres. Em 2005, essa diferença passou a ser de cinco vezes. No mesmo período, o salário dos 10% mais ricos aumentou mais de 60% em relação ao salário médio.
Um dos principais fatores responsáveis pela elevação da desigualdade foi um aumento expressivo do salário de trabalhadores com ensino superior completo em relação ao de trabalhadores que concluíram apenas o ensino médio.
Isso decorreu do fato de que a demanda por trabalhadores com maior qualificação, associada ao uso de novas tecnologias, cresceu muito acima da oferta de trabalhadores com diploma universitário.
Embora restrições financeiras possam ter contribuído para o lento aumento da oferta de trabalhadores com ensino superior completo, pesquisas mostram que o principal motivo foi o baixo nível de aprendizagem ao final do ensino médio.
Outra manifestação do descompasso entre demanda e oferta de trabalho qualificado nos Estados Unidos é o fato de que, muitas vezes, trabalhadores demitidos não possuem as qualificações necessárias para preencher novas vagas.
Essa é uma das razões pelas quais, desde o início da década de 90, a recuperação dos empregos perdidos após as recessões tem sido cada vez mais lenta.
Segundo Rajan, diante das pressões resultantes do aumento da desigualdade e das dificuldades de se produzir avanços rápidos na qualidade da educação, a solução política foi expandir de forma maciça o crédito para a aquisição da casa própria.
Além disso, Rajan argumenta que a dificuldade da economia americana em gerar empregos após a recessão de 2001 levou o Banco Central (Fed) a manter as taxas de juros baixas por um tempo excessivamente longo.
Em resumo, a elevação das tensões sociais associada às dificuldades do sistema educacional dos Estados Unidos em prover educação de qualidade teve um papel relevante na crise financeira. Isso ajuda a entender a importância atual do tema da reforma da educação no debate público americano.
FERNANDO VELOSO, 44, é pesquisador do Ibre/FGV
fernando.veloso@fgv.br
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
A UNE deles e a nossa - DEMÉTRIO MAGNOLI
Ao contrário da chilena, a brasileira, estatizada pelo lulismo, prefere os palácios às ruas
Os estudantes chilenos têm razão, ao menos na sua reivindicação original, de reforma radical do sistema de ensino do país. Isso é o que pensa uma ampla maioria dos cidadãos, segundo informam as pesquisas de opinião. Todas as evidências disponíveis revelam que o modelo ultraliberal imposto à educação pela ditadura de Augusto Pinochet é incompatível com a democracia. O surpreendente não é a revolta que se espraia pelas cidades do Chile, mas a longa convivência dos governos de centro-esquerda da Concertación com um modelo intolerável.
A Lei Orgânica Constitucional de Educação, de Pinochet, adotada em 1980, municipalizou as escolas públicas, desde a pré-escola até o secundário, e criou um sistema de vouchers (abonos) pelo qual o governo subsidia, em valor uniforme, os gastos familiares com a educação. Dessa lei surgiu um modelo baseado em três tipos de escolas: públicas (municipais), privadas subsidiadas e privadas pagas. Todas as escolas públicas passaram a gozar de autonomia pedagógica, com a abolição dos currículos nacionais, e de autonomia administrativa, com a supressão da contratação pública de professores, mesmo nas escolas municipais.
Milton Friedman, o "pai fundador" da célebre Escola de Chicago, visitara Santiago em 1975 e oferecera a Pinochet um esboço de programa econômico. Os "Chicago Boys", economistas chilenos formados nos EUA sob a tutela de Friedman, conduziram as reformas, inspiradas no dogma do mercado perfeito. A lei educacional estendeu o dogma à esfera do ensino, fazendo do Chile um campo de provas de uma doutrina que enxerga no Estado a fonte exclusiva do Mal. No novo "mercado da educação", a livre concorrência produziria um máximo de eficiência econômica e de qualidade de ensino. A experiência fracassou em tudo, exceto na sua meta implícita de comprimir os gastos nacionais com a educação.
Os testes internacionais do Pisa, promovidos pela OCDE, mostram que a educação chilena é a menos ruim da América Latina (excluindo o México) - mas ela provavelmente já ocupava tal lugar antes de Pinochet. Contudo atestam também que, entre os 65 países participantes, o Chile figura na penúltima posição em termos da variância dos resultados segundo a classe de renda dos estudantes. Os alunos de escolas privadas pagas alcançam resultados invejáveis, enquanto seus colegas das escolas municipais não atingem os níveis mínimos de aprendizado em leitura, matemática e ciências. No meio do caminho situam-se os jovens das escolas privadas subsidiadas.
Há um rígido, malévolo apartheid educacional, que brilha à luz inclemente das estatísticas desagregadas. Nos testes do Pisa, as escolas privadas subsidiadas dos bairros de classe média saem-se bem melhor que as escolas similares das periferias populares. A explicação é simples: nas primeiras, ao contrário das segundas, as famílias pagam taxas complementares ao valor dos vouchers. As escolas privadas das periferias não têm nenhum incentivo para oferecer um ensino melhor que o das arruinadas escolas públicas. Aprende-se precisamente aquilo que se paga - eis a essência do modelo educacional darwinista implantado no Chile.
A mensagem original dos estudantes chilenos já quase não é audível, após a onda de repressão policial que desviou os protestos para os arredores da exigência de derrubada do governo de Sebastián Piñera. As nações introduziram a educação pública no quadrante histórico da consagração dos direitos de cidadania. Na direção oposta, os "Chicago Boys" definiram os jovens como consumidores de educação. Os estudantes chilenos deflagraram seu movimento dizendo que a educação pública não deve ser identificada com um bem econômico comum e submetida à lógica dos mecanismos de oferta e procura. Eles estão rejeitando um sistema que apaga a palavra "cidadão", substituindo-a pelo termo "consumidor".
O núcleo da mensagem chilena serve perfeitamente para o Brasil. Por aqui, nas duas últimas décadas os gastos com educação não se reduziram, mas aumentaram. Contudo eles não chegam aos professores que estão nas salas de aula. Sob um sistema perverso, os mestres ganham mal e não são avaliados segundo critérios de mérito. O Chile é aqui: em média, os alunos de escolas públicas aprendem muito menos que os das escolas privadas.
No Brasil não temos vouchers, mas um modelo de educação pública estatal altamente burocratizado no qual se acomodam tanto os interesses das elites políticas estaduais e locais quanto o poder corporativo dos sindicatos de professores. No fim das contas, convivemos com um apartheid educacional inflexível, que se estende da pré-escola ao ensino superior. O Chile é aqui: a renda familiar determina a qualidade de ensino recebida pelos jovens.
Entretanto, num aspecto crucial o Chile não é aqui. As entidades estudantis chilenas que organizam os protestos em curso já fustigavam, há anos, o governo de centro-esquerda de Michelle Bachelet. No Brasil, ao contrário, as principais entidades estudantis funcionam como extensões do PT e do PCdoB. Financiadas pelo governo, a UNE e congêneres incensam seus patronos, não se furtando nem mesmo a aplaudir os disfarces mais óbvios de nosso apartheid educacional. Elas celebram o ProUni, pelo qual o governo concede "vouchers fiscais" aos empresários do ensino superior enquanto condena os estudantes de baixa renda a preencher vagas ociosas nas piores faculdades privadas. Na mesma linha, celebram as cotas raciais que separam jovens oriundos das escolas públicas pela cor da pele, introduzindo uma fronteira política de raça na consciência dos filhos de trabalhadores.
A "UNE" deles tem razão. Os líderes estudantis chilenos, apoiados por uma maioria esmagadora dos cidadãos, estão dobrando a resistência do governo. A "nossa" UNE, estatizada pelo lulismo, prefere os palácios às ruas. João Carlos Di Genio deveria agradecer por escrito.
Os estudantes chilenos têm razão, ao menos na sua reivindicação original, de reforma radical do sistema de ensino do país. Isso é o que pensa uma ampla maioria dos cidadãos, segundo informam as pesquisas de opinião. Todas as evidências disponíveis revelam que o modelo ultraliberal imposto à educação pela ditadura de Augusto Pinochet é incompatível com a democracia. O surpreendente não é a revolta que se espraia pelas cidades do Chile, mas a longa convivência dos governos de centro-esquerda da Concertación com um modelo intolerável.
A Lei Orgânica Constitucional de Educação, de Pinochet, adotada em 1980, municipalizou as escolas públicas, desde a pré-escola até o secundário, e criou um sistema de vouchers (abonos) pelo qual o governo subsidia, em valor uniforme, os gastos familiares com a educação. Dessa lei surgiu um modelo baseado em três tipos de escolas: públicas (municipais), privadas subsidiadas e privadas pagas. Todas as escolas públicas passaram a gozar de autonomia pedagógica, com a abolição dos currículos nacionais, e de autonomia administrativa, com a supressão da contratação pública de professores, mesmo nas escolas municipais.
Milton Friedman, o "pai fundador" da célebre Escola de Chicago, visitara Santiago em 1975 e oferecera a Pinochet um esboço de programa econômico. Os "Chicago Boys", economistas chilenos formados nos EUA sob a tutela de Friedman, conduziram as reformas, inspiradas no dogma do mercado perfeito. A lei educacional estendeu o dogma à esfera do ensino, fazendo do Chile um campo de provas de uma doutrina que enxerga no Estado a fonte exclusiva do Mal. No novo "mercado da educação", a livre concorrência produziria um máximo de eficiência econômica e de qualidade de ensino. A experiência fracassou em tudo, exceto na sua meta implícita de comprimir os gastos nacionais com a educação.
Os testes internacionais do Pisa, promovidos pela OCDE, mostram que a educação chilena é a menos ruim da América Latina (excluindo o México) - mas ela provavelmente já ocupava tal lugar antes de Pinochet. Contudo atestam também que, entre os 65 países participantes, o Chile figura na penúltima posição em termos da variância dos resultados segundo a classe de renda dos estudantes. Os alunos de escolas privadas pagas alcançam resultados invejáveis, enquanto seus colegas das escolas municipais não atingem os níveis mínimos de aprendizado em leitura, matemática e ciências. No meio do caminho situam-se os jovens das escolas privadas subsidiadas.
Há um rígido, malévolo apartheid educacional, que brilha à luz inclemente das estatísticas desagregadas. Nos testes do Pisa, as escolas privadas subsidiadas dos bairros de classe média saem-se bem melhor que as escolas similares das periferias populares. A explicação é simples: nas primeiras, ao contrário das segundas, as famílias pagam taxas complementares ao valor dos vouchers. As escolas privadas das periferias não têm nenhum incentivo para oferecer um ensino melhor que o das arruinadas escolas públicas. Aprende-se precisamente aquilo que se paga - eis a essência do modelo educacional darwinista implantado no Chile.
A mensagem original dos estudantes chilenos já quase não é audível, após a onda de repressão policial que desviou os protestos para os arredores da exigência de derrubada do governo de Sebastián Piñera. As nações introduziram a educação pública no quadrante histórico da consagração dos direitos de cidadania. Na direção oposta, os "Chicago Boys" definiram os jovens como consumidores de educação. Os estudantes chilenos deflagraram seu movimento dizendo que a educação pública não deve ser identificada com um bem econômico comum e submetida à lógica dos mecanismos de oferta e procura. Eles estão rejeitando um sistema que apaga a palavra "cidadão", substituindo-a pelo termo "consumidor".
O núcleo da mensagem chilena serve perfeitamente para o Brasil. Por aqui, nas duas últimas décadas os gastos com educação não se reduziram, mas aumentaram. Contudo eles não chegam aos professores que estão nas salas de aula. Sob um sistema perverso, os mestres ganham mal e não são avaliados segundo critérios de mérito. O Chile é aqui: em média, os alunos de escolas públicas aprendem muito menos que os das escolas privadas.
No Brasil não temos vouchers, mas um modelo de educação pública estatal altamente burocratizado no qual se acomodam tanto os interesses das elites políticas estaduais e locais quanto o poder corporativo dos sindicatos de professores. No fim das contas, convivemos com um apartheid educacional inflexível, que se estende da pré-escola ao ensino superior. O Chile é aqui: a renda familiar determina a qualidade de ensino recebida pelos jovens.
Entretanto, num aspecto crucial o Chile não é aqui. As entidades estudantis chilenas que organizam os protestos em curso já fustigavam, há anos, o governo de centro-esquerda de Michelle Bachelet. No Brasil, ao contrário, as principais entidades estudantis funcionam como extensões do PT e do PCdoB. Financiadas pelo governo, a UNE e congêneres incensam seus patronos, não se furtando nem mesmo a aplaudir os disfarces mais óbvios de nosso apartheid educacional. Elas celebram o ProUni, pelo qual o governo concede "vouchers fiscais" aos empresários do ensino superior enquanto condena os estudantes de baixa renda a preencher vagas ociosas nas piores faculdades privadas. Na mesma linha, celebram as cotas raciais que separam jovens oriundos das escolas públicas pela cor da pele, introduzindo uma fronteira política de raça na consciência dos filhos de trabalhadores.
A "UNE" deles tem razão. Os líderes estudantis chilenos, apoiados por uma maioria esmagadora dos cidadãos, estão dobrando a resistência do governo. A "nossa" UNE, estatizada pelo lulismo, prefere os palácios às ruas. João Carlos Di Genio deveria agradecer por escrito.
Orientação profissional e ocupacional - ROBERTO MACEDO
Metade dos alunos do 3.º ano não sabe qual carreira seguir foi o título de matéria neste jornal no dia 22 do mês passado, baseada numa pesquisa com alunos desse ano do ensino médio. Ela de novo revelou a enorme carência de orientação profissional no Brasil.
Sei que algumas escolas privadas de ensino médio oferecem essa orientação, às vezes sob a forma simplista de uma "semana das profissões", na qual especialistas de várias áreas falam de suas experiências. Uma das dificuldades dessa programação é que os palestrantes são usualmente profissionais de sucesso e, entre outros aspectos, também seria importante discutir experiências dos que não se saíram bem, até mudando de profissão.
Nas escolas públicas, nem mesmo ciclos desse tipo são comuns e, em geral, os estudantes não têm recursos para buscar orientação individual e especializada, a qual, aliás, não é comumente buscada nem mesmo pelas famílias de maior renda. Usualmente, o jovem procura informações por si mesmo, as famílias costumam influir na escolha, mas a dúvida é comum, e é um dos ingredientes da alta taxa de evasão de cursos, que a reportagem também menciona.
A orientação profissional ou vocacional fornece informações sobre as várias profissões e no orientando identifica suas aptidões e seus interesses específicos. Por exemplo, como se sentiria como um médico, um engenheiro ou um economista. Finalmente, depois de muita conversa eventualmente apoiada por testes, identifica-se a vocação profissional, num exercício que muitas vezes não converge para uma única opção.
À dificuldade de escolher sobrepõe-se a natureza do ensino superior adotado no Brasil, de profissionalização precoce, levando o jovem a passar por esse suplício da escolha numa idade em que não está preparado para isso, tanto por escassez de informações como pela imaturidade típica da idade.
Tal escolha poderia ser adiada por dois anos de um ciclo básico no ensino superior, de natureza interdisciplinar, e a opção por uma especialização só ocorreria ao final dele. Mesmo então, contudo, ainda não deveria ser de grande profundidade, a qual ficaria para a fase de pós-graduação. Esse é um sistema que foi inicialmente adotado por importantes instituições de ensino superior nos EUA e, por seu sucesso, se tem disseminado por outros países.
Também não há no Brasil, de modo geral, a possibilidade de mudança de curso sem novo exame vestibular. Não sem razão, são comuns as já citadas desistências de curso, e há a insatisfação que marca aqueles que carregam a dúvida por toda a vida.
Como se isso não bastasse, falta também orientação ocupacional, com a profissional pressupondo que a pessoa encontrará uma ocupação típica da profissão a que chegou. Ocupação, cargo ou função é atividade que a pessoa de fato exerce ou nela trabalha. Por exemplo, economista, torneiro mecânico e advogado são profissões; gerente de banco, presidente da República e embaixador são ocupações.
Como seria a orientação ocupacional? Deveria ter como base um amplo levantamento das várias ocupações, seus requisitos educacionais (a exigência de curso superior não significa que o diploma seja de profissão específica à ocupação), forma de acesso, remuneração, estimativas do número de ocupantes, perspectivas de vagas e outras informações. Entre elas, a de como ajustar um desses diplomas a uma lista maior de ocupações. Por exemplo, um curso de pós-graduação em administração, mesmo de curta duração, facilitaria a transição de um químico para ocupações administrativas. Esse levantamento bem abrangente deveria ser uma iniciativa governamental. Teria como objetivo dar uma boa visão de como funciona o mercado de trabalho, e facilitaria a busca de oportunidades nesse mercado.
Para o conjunto de formandos é impossível haver um perfeito e generalizado acoplamento entre profissão e a ocupação encontrada, como se aquela fosse uma chave adequada a uma fechadura específica. O resultado é que muitos profissionais trabalham em ocupações "atípicas" de suas profissões. Coloquei aspas porque isso não deve ser visto como uma anormalidade e muito menos como um problema. Um caso comum é o dos muitos engenheiros que se tornaram fiscais de tributos ou atuam no setor administrativo de empresas ou em ocupações do setor financeiro. A propósito, dados dos censos de 1980, 1991 e 2000 evidenciaram um crescente descasamento entre as profissões e suas ocupações típicas. Juntamente com outros interessados, aguardo a divulgação dos dados detalhados do censo de 2010 para uma nova avaliação.
A mesma reportagem trata de caso em que a falta de orientação ocupacional pode levar a decisões arriscadas. É o de um estudante que deixou um curso de engenharia de produção pelo de mecatrônica, também abandonado ao saber que "o campo de atuação seria a indústria". Acabou optando por medicina veterinária, afirmando gostar de bichos, e sonhando em trabalhar com "melhoramento genético de animais de grande porte".
Ora, sei que ocupacionalmente os dois primeiros cursos - em particular o de engenharia - oferecem um leque maior de opções ocupacionais do que o finalmente escolhido, muitas delas em áreas administrativas das indústrias, ou mesmo fora delas. Ademais, mesmo um veterinário poderá ter a indústria como seu empregador, numa ocupação ligada à sua especialidade ou não, como a de vendedor de produtos farmacêuticos.
Creio que a orientação também ocupacional aliviaria uma boa parte das incertezas e das tensões da autoritária e limitada forma de escolha a que hoje os jovens são submetidos no Brasil. Mostraria que o mercado é muito mais flexível ao acolher trabalhadores do que o sistema de ensino superior ao receber os seus estudantes.
Sei que algumas escolas privadas de ensino médio oferecem essa orientação, às vezes sob a forma simplista de uma "semana das profissões", na qual especialistas de várias áreas falam de suas experiências. Uma das dificuldades dessa programação é que os palestrantes são usualmente profissionais de sucesso e, entre outros aspectos, também seria importante discutir experiências dos que não se saíram bem, até mudando de profissão.
Nas escolas públicas, nem mesmo ciclos desse tipo são comuns e, em geral, os estudantes não têm recursos para buscar orientação individual e especializada, a qual, aliás, não é comumente buscada nem mesmo pelas famílias de maior renda. Usualmente, o jovem procura informações por si mesmo, as famílias costumam influir na escolha, mas a dúvida é comum, e é um dos ingredientes da alta taxa de evasão de cursos, que a reportagem também menciona.
A orientação profissional ou vocacional fornece informações sobre as várias profissões e no orientando identifica suas aptidões e seus interesses específicos. Por exemplo, como se sentiria como um médico, um engenheiro ou um economista. Finalmente, depois de muita conversa eventualmente apoiada por testes, identifica-se a vocação profissional, num exercício que muitas vezes não converge para uma única opção.
À dificuldade de escolher sobrepõe-se a natureza do ensino superior adotado no Brasil, de profissionalização precoce, levando o jovem a passar por esse suplício da escolha numa idade em que não está preparado para isso, tanto por escassez de informações como pela imaturidade típica da idade.
Tal escolha poderia ser adiada por dois anos de um ciclo básico no ensino superior, de natureza interdisciplinar, e a opção por uma especialização só ocorreria ao final dele. Mesmo então, contudo, ainda não deveria ser de grande profundidade, a qual ficaria para a fase de pós-graduação. Esse é um sistema que foi inicialmente adotado por importantes instituições de ensino superior nos EUA e, por seu sucesso, se tem disseminado por outros países.
Também não há no Brasil, de modo geral, a possibilidade de mudança de curso sem novo exame vestibular. Não sem razão, são comuns as já citadas desistências de curso, e há a insatisfação que marca aqueles que carregam a dúvida por toda a vida.
Como se isso não bastasse, falta também orientação ocupacional, com a profissional pressupondo que a pessoa encontrará uma ocupação típica da profissão a que chegou. Ocupação, cargo ou função é atividade que a pessoa de fato exerce ou nela trabalha. Por exemplo, economista, torneiro mecânico e advogado são profissões; gerente de banco, presidente da República e embaixador são ocupações.
Como seria a orientação ocupacional? Deveria ter como base um amplo levantamento das várias ocupações, seus requisitos educacionais (a exigência de curso superior não significa que o diploma seja de profissão específica à ocupação), forma de acesso, remuneração, estimativas do número de ocupantes, perspectivas de vagas e outras informações. Entre elas, a de como ajustar um desses diplomas a uma lista maior de ocupações. Por exemplo, um curso de pós-graduação em administração, mesmo de curta duração, facilitaria a transição de um químico para ocupações administrativas. Esse levantamento bem abrangente deveria ser uma iniciativa governamental. Teria como objetivo dar uma boa visão de como funciona o mercado de trabalho, e facilitaria a busca de oportunidades nesse mercado.
Para o conjunto de formandos é impossível haver um perfeito e generalizado acoplamento entre profissão e a ocupação encontrada, como se aquela fosse uma chave adequada a uma fechadura específica. O resultado é que muitos profissionais trabalham em ocupações "atípicas" de suas profissões. Coloquei aspas porque isso não deve ser visto como uma anormalidade e muito menos como um problema. Um caso comum é o dos muitos engenheiros que se tornaram fiscais de tributos ou atuam no setor administrativo de empresas ou em ocupações do setor financeiro. A propósito, dados dos censos de 1980, 1991 e 2000 evidenciaram um crescente descasamento entre as profissões e suas ocupações típicas. Juntamente com outros interessados, aguardo a divulgação dos dados detalhados do censo de 2010 para uma nova avaliação.
A mesma reportagem trata de caso em que a falta de orientação ocupacional pode levar a decisões arriscadas. É o de um estudante que deixou um curso de engenharia de produção pelo de mecatrônica, também abandonado ao saber que "o campo de atuação seria a indústria". Acabou optando por medicina veterinária, afirmando gostar de bichos, e sonhando em trabalhar com "melhoramento genético de animais de grande porte".
Ora, sei que ocupacionalmente os dois primeiros cursos - em particular o de engenharia - oferecem um leque maior de opções ocupacionais do que o finalmente escolhido, muitas delas em áreas administrativas das indústrias, ou mesmo fora delas. Ademais, mesmo um veterinário poderá ter a indústria como seu empregador, numa ocupação ligada à sua especialidade ou não, como a de vendedor de produtos farmacêuticos.
Creio que a orientação também ocupacional aliviaria uma boa parte das incertezas e das tensões da autoritária e limitada forma de escolha a que hoje os jovens são submetidos no Brasil. Mostraria que o mercado é muito mais flexível ao acolher trabalhadores do que o sistema de ensino superior ao receber os seus estudantes.
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